Homenagem a Eugénio de Andrade

No sexto dia do sexto mês, no Porto sobre o rio, onde as nuvens voam o tempo desse dia detém os seus passos o ouvido desse dia inclina-se ao rumor em direcção do paraíso. Nesse dia, você é um homem mais tranquilo.

 

Paixão poética

 

A publicação de uma colectânea de traduções da obra poética de Eugénio de Andrade foi encarada pelos seus pares chineses como “uma verdadeira prenda”, tal foi o sucesso que aquele expoente máximo da literatura portuguesa da actualidade granjeou no Continente chinês.

Pouco sensibilizada para os autores portugueses, dado o reduzido número de traduções para chinês, bem como a fraca circulação que é garantida aos projectos que passam do prelo, a publicação do número de Agosto de 2004 da revista chinesa “Poesia e Prosa”, de Cantão, tomou por choque a cena literária chinesa. O que Eugénio de Andrade ali oferecia aproximava-se deliciosamente da poesia clássica chinesa – da clareza de espírito dos antigos, quando as palavras desenham a emoção do presenciar de um momento efémero, na incessante procura de um mundo melhor. A própria estrutura, brilho e musicalidade das estrofes, os versos curtos, solenes, essenciais, apresentam uma cumplicidade com os clássicos chineses que nenhum oriental jamais imaginou poder estar presente num poeta europeu. Graças à difusão da publicação, lida pelos autores mais promissores um pouco por todo país, Eugénio de Andrade é hoje um dos poetas estrangeiros mais lidos na China, em papel ou em digital, com páginas electrónicas dedicadas à sua obra.

O projecto que alterou toda uma percepção da poesia portuguesa, baseada sobretudo na obra de Fernando Pessoa e no épico dos Lusíadas, surgiu de uma colaboração entre dois poetas, chineses. Um deles é Yao Jinming, natural de Pequim e actual docente da Universidade de Macau, que em 1989 se dedicou à tradução sistemática da obra de Eugénio de Andrade. Para além do “Pequeno Caderno de Oriente” – 2002, grafado pelo poeta português após uma efémera passagem por Macau, Yao publicou outras cinco colectâneas (“Com Palavras Amo” – 1990, “O Outro Nome da Terra- 1994, “Camões e a Memória do Oriente” – 1995, “Selecta de Poetas Portugueses” – 1999, e “Jardim de Lou Lim Ieoc”, 1999).

Mas quem materializou a “paixão chinesa” foi o jovem Huang Lihai, dramaturgo ao serviço do Governo Provincial da sua cidade natal de Cantão, proprietário e editor da revista em causa. Rendido à mestria de Eugénio de Andrade, propôs-se lançar num dos números da sua revista toda a obra traduzida pelo seu companheiro de tertúlias no Círculo de Poetas de Cantão, Yao.

“Foi amor à primeira vista. Mas como eu, apaixonaram-se pela poesia de Eugénio de Andrade centenas de autores e artistas chineses, ” confessa Huang, feliz tão somente pela oportunidade de poder partilhar. A receptividade diz, “foi avassaladora”. Dos quatros cantos do País chegaram inúmeras congratulações e mensagens de agradecimento remetidas por associações culturais e poetas de renome, todos eles sensibilizados com a “descoberta” de tão solenes e intrigantes versos. A morte do poeta maior da literatura portuguesa, a 13 de Junho de 2005 um ano após o lançamento do álbum que o expandiu a Oriente, levou os seus pares chineses a prestarem-lhe uma homenagem póstuma, que se realizou em Macau, fazendo a entrega formal do prémio “Poesia e Homem” que já haviam atribuído ao poeta português no ano passado. Recolheu a distinção o cônsul-geral de Portugal na RAEM, Pedro Moitinho de Almeida, no decorrer de uma cerimónia que reuniu poetas, músicos e artistas chineses vindos de diversos pontos da China, com o desejo comum de renderem a última homenagem ao escritor português.

 

L.P.