Abertura económica especial

As Zonas Económicas Especiais foram a primeira, e mais bem-sucedida, experiência de abertura económica da China. A abertura ao investimento estrangeiro e a atracção de novas tecnologias e de novos métodos de produção permitiram o arranque económico, projectando a China para o primeiro plano a nível internacional

 

Foi da visão estratégica de Deng Xiaoping que nasceram as Zonas Económicas Especiais (ZEE), uma experiência pioneira de abertura económica numa nação que estava fechada ao mundo.  O processo lançado por Deng ficou conhecido como o “Socialismo de Características Chinesas” por conjugar elementos de economia de mercado com o projecto de criar uma sociedade baseada no socialismo.                                                        A justificação ideológica radicava na ideia de que o socialismo só poderia ser edificado com base na prosperidade, algo que estaria a décadas de distância. Por esse motivo, princípios de economia de mercado, embora capitalistas, seriam justificáveis durante um longo período de tempo. A principal suposição implícita era a de que mecanismos de mercado seriam necessários para que se pudesse alcançar o rápido crescimento económico e que os controlos centralizados deveriam ser substituídos por métodos indirectos, de acordo com a fórmula: “O Estado regula o mercado, o mercado dirige as empresas”. Assim, à concentração do poder decisório em Pequim, ineficaz dadas as dimensões do país e as dificuldades de comunicação, dar-se-ia lugar à descentralização, com a transferência de parte dos poderes para as províncias, destas para as capitais e municípios e dos funcionários públicos para os empresários.

Mas havia outra explicação que estava relacionada com a necessidade de resolver os graves atrasos económicos depois de algumas décadas de tensão política. A China registava no final da década de 70 do século passado um notável atraso em relação a outras economias asiáticas cujo desenvolvimento tinha começado na década de 60. Internamente, centenas de milhões de pessoas viviam no limiar da pobreza absoluta, dependendo, em exclusivo, do cultivo da terra.

Foi sob este pano de fundo que foi lançado um programa de desenvolvimento que ficou conhecido como o “Programa das Quatro Modernizações”. O plano previa o investimento na tecnologia, ciência, agricultura e defesa, de forma a trazer a China até ao palco das nações industrializadas.

Deng Xiaoping sabia que era necessário criar condições para o desenvolvimento económico, sem que isso pudesse pôr em causa a estabilidade alcançada no âmbito do modelo político existente. Para isso, a abertura ao exterior teria de ser controlada e gradual. A solução encontrada pelo Governo Central foi a criação de Zonas Económicas Especiais que seriam regiões com um elevado grau de autonomia do ponto de vista da definição das políticas económicas. O objectivo era disseminar os ideais do progresso e da modernização assentes em estruturas produtivas baseadas no sector industrial e exportador.

O estabelecimento das Zonas Económicas Especiais permitia atrair o investimento que a China necessitava para ultrapassar o seu atraso, nomeadamente tecnologia, know how e novas formas de gestão. Ao atrair o investimento estrangeiro, as Zona Económicas Especiais transformavam-se numa base industrial para exportação, o que permitia a criação de postos de trabalho mais bem pagos e o desenvolvimento do comércio externo da China, que tinha como consequência a acumulação de divisas.                                                                        Para atrair o investimento estrangeiro foi necessário criar um leque de condições excepcionais. Nas Zonas Económicas Especiais permitiam-se os modelos capitalistas de gestão, existia um regime fiscal mais favorável e a legislação económica era muito mais liberal.

As regiões escolhidas para essa experiência rapidamente sentiram os efeitos da economia de mercado com os níveis de riqueza a suplantarem os do resto do país. O crescimento económico deveu-se à atracção de investimento estrangeiro e a medidas semelhantes às adoptadas décadas antes nos chamados “tigres asiáticos”: baixos impostos, isenção total de taxas para a importação de máquinas e equipamentos industriais e facilidades no repatriamento dos lucros.

As empresas que optaram por investir nestas zonas contaram também com mão-de-obra de baixo custo, o que permitiu colocar a produção nos mercados internacionais a preços altamente competitivos. Numa primeira fase, o investimento foi direccionado para sectores de baixa e média tecnologia como é o caso dos têxteis, do calçado ou  dos brinquedos. Mas o padrão do investimento acabou por gradualmente se modificar e hoje as Zonas Económicas Especiais da China são essencialmente grandes produtoras de bens de consumo não só de baixa e média tecnologia, mas também de alta tecnologia.

A localização das Zonas Económicas Especiais da China é crucial para o seu sucesso. Situando-se próximas do litoral e a curta distância de grandes centros económicos como é o caso de Macau, de Hong Kong ou de Taiwan. Num país com deficientes infra-estruturas de transportes e comunicações, esta localização garantia o acesso aos portos necessários para as importações de matéria-prima e tecnologia e as exportações dos produtos acabados. Por outro lado, a proximidade com Macau, Hong Kong e Taiwan permitia aceder aos capitais de empresários chineses da diáspora, que estiveram entre os primeiros a decidir investir nas recém-criadas Zonas Económicas Especiais.

Quase 30 anos depois de terem sido criadas, as Zonas Económicas Especiais continuam a desempenhar um papel importante na estrutura económica chinesa. O jurista Arnaldo Gonçalves acredita que este tipo de estrutura se vai manter pelo menos até à plena integração de Macau e Hong Kong na República Popular da China. “São zonas de desenvolvimento onde se mantêm em vigor todas as vantagens e onde a gestão é mais funcional do que noutras províncias”, diz. O impacto destas zonas fez-se também sentir em Hong Kong e Macau, dois territórios chineses que estiveram sob administração estrangeira até 1997 e 1999, respectivamente.

Para Arnaldo Gonçalves, a decisão de Deng Xiaoping de ter mantido Xangai fora do processo de abertura até 1984, e de nunca lhe ter sido atribuído o estatuto de Zona Económica Especial, permitiu reforçar o papel que Hong Kong ainda hoje mantém como grande praça financeira na região Ásia/Pacífico. “Se Deng Xiaoping tivesse dado o estatuto de Zona Económica Especial a Xangai, provavelmente, Hong Kong não teria a importância económica que hoje tem”.

Desde o lançamento da política de reforma e abertura, a economia chinesa tem crescido a uma taxa média de dez por cento ao ano. O estabelecimento das Zonas Económicas Especiais foi responsável pela descolagem do crescimento económico e o seu impacto foi sentido a nível nacional.