De Macau para a formula I

Ayrton Senna da Silva, Michael Schumacher, Mika Hakkinën, David Coulthard ou Lewis Hamilton. O que têm em comum estes pilotos? Depois de brilharem no Circuito da Guia conquistaram inúmeros êxitos no competitivo Circo da Fórmula 1

 

O Grande Prémio de Macau nasceu em 1954, mas foi nos últimos 25 anos que ganhou peso e notabilidade na cena automobilística internacional. A corrida de Fórmula 3 ganhou reputação junto dos chefes de equipa do Campeonato do Mundo de Fórmula 1 e um bom resultado no exigente circuito citadino de Macau passou a ser fundamental no currículo dos jovens “lobo”, que um dia sonham em chegar ao patamar mais alto da competição automóvel.

Em 1983 a prova rainha do Grande Prémio trocou a regulamentação obsoleta da Fórmula Atlantic pela da Fórmula 3. Ayrton Senna, na altura mais conhecido por Senna da Silva, venceu a corrida. A vitória em Macau da equipa do magnata Teddy Yip abriu-lhe as portas para a F1 no ano seguinte com a Toleman. Dai em diante os consecutivos sucessos são do domínio comum. O astro brasileiro escreveu as primeiras linhas da história de sucesso do evento e ajudou a criar o mito. Seguiram-se John Nielsen, Maurício Gugelmin e Andy Wallace, entre outros. Apesar de não serem nomes tão sonantes, todos eles usaram a prova de Macau como trampolim para o restrito mundo da F1. Na altura, a disputa feroz entre os carros da equipa de Teddy Yip, sempre pintados com as cores da Marlboro, e os da equipa do não menos milionário Li Ka-Shing, dono da Watson’s Water, geravam interesse em pista e elevadas apostas fora dela.

 

O duelo Schumacher-Hakkinën

 

A edição de 1990, que opôs Michael Schumacher a Mika Hakkinën, foi a mais marcante da história. Isto, para além de ter sido pela primeira vez que a prova assumiu o título de Taça do Mundo FIA de F3. O finlandês voador ganhou a 1ª manga à frente do alemão que na época era patrocinado pela Kawai Steel, também patrocinador oficial da prova, mas na 2ª manga Schummy adiantou-se e assumiu a liderança até se aperceber que não iria aguentar a pressão do seu adversário e aplicou-lhe um maldoso brake test fatal em plena recta que liga o Mandarim Oriental ao Hotel Lisboa. O germânico detentor do maior número de títulos da disciplina máxima do desporto automóvel e o seu eterno rival discutiram entre si, cinco anos depois, as coroas de glória da F1. O triunfo no Sudeste Asiático teve um significado muito especial para o alemão. “Macau era uma corrida dura, um circuito muito difícil de conduzir. Recordo-me que foi a primeira vez na minha vida que arrecadei uma quantia substancial de dinheiro por ter ganho uma corrida. Já durante a corrida decidi dar esse prémio ao meu pai. Ele criou-nos sempre apertado de finanças, mas nunca nos deixou de apoiar, por isso ele mereceu o prémio. Adorei o que senti por lhe dar algo de volta“, recorda.

O sucessor de Michael Schumacher na galeria dos campeões de Macau foi David Coulthard. O afável britânico não esquece as oportunidades que surgiram após o êxito em Macau. “Nesse ano, a minha temporada no Campeonato Britânico de F3 tinha sido marcada por um grande duelo com o Rubens (Barrichello) e, embora  tivesse ficado no 2º lugar no campeonato, o ter ganho o Grande Prémio de Macau teve um grande impacto para mim na altura. Penso que essa vitória atraiu a atenção de várias personalidades do desporto internacional”. Já na altura a magia do Oriente e a exigência da pista eram a bitola da prova. “Olhando para trás, a minha vitória em Macau foi profética, tal como as minhas duas subsequentes vitórias e o pódio deste ano com a Red Bull Racing no Grande Prémio de F1 do Mónaco. Todas requereram uma disciplina exactamente igual. Esta prova é como um Mónaco júnior em que os pilotos têm que ser o mais preciso possível e não há margem de erro. O segredo é estar a 100 por cento durante todo o tempo da corrida”.

O actual companheiro de equipa de David Coulthard na Red Bull Racing, o australiano Mark Webber, que não saboreou o champanhe da vitória no território, realça “o esforço enorme para não cometer erros. Ninguém quer acabar a corrida com pedaços de suspensão pendurados nas orelhas”. O irreverente Vitantonio Liuzzi – piloto Toro Rosso e que em Macau nunca conseguiu dar nas vistas – vai ainda mais longe na sua discrição.

“Macau foi uma das mais intensas corridas da minha vida. Conduzir num circuito maluco no meio de uma cidade não é para qualquer um. Acreditem, é uma lição de vida!”.

 

Nova geração apaixonada por Macau

 

Fernando Alonso, Kimi Raikkonen e Filipe Massa têm em comum serem três dos quatro principais intervenientes da temporada 2007 do “Grande Circo” e nunca terem participado num Grande Prémio de Macau. Todavia, enganam-se aqueles que pensam que a prova do território está a perder força no panorama internacional. Este trio é uma excepção à regra, pois dos vinte e dois pilotos que iniciaram a temporada 2007 da F1, dezanove correram no Circuito da Guia! Estes três são mesmo excepção à regra. A estrela do momento da F1, o britânico Lewis Hamilton, correu duas vezes na prova de F3, tendo em 2004 vencido a corrida de Qualificação. Na altura o inglês confessou que foi assustador. “Na partida tentei ultrapassar o Kubica e apercebi-me que não podíamos travar lado-a-lado. A minha esperança era que ele levantasse o pé e foi isso que felizmente aconteceu”. Macau é isso mesmo, um desafio como não há mais, impulsionado por um circuito que não permite erros e que leva os jovens pilotos ao extremo. Para o alemão Sebastien Vettel, de 19 anos, que muitos apontam como o sucessor de Michael Schumacher, e que este ano foi promovido à F1, substituindo o norte-americano Scott Speed na Toro Rosso, o Grande Prémio de Macau de F3 é a sua prova favorita. Porquê? “Porque é um circuito citadino, muito estreito, sinuoso e com altos e baixos. Foi construído à medida das corridas. Há zonas na parte antiga da cidade que são simplesmente brilhantes, temos que nos superar a nós próprios em cada volta que fazemos. É como o Mónaco, mas mais rápido”. Esta ideia é partilhada pelo piloto polaco da BMW Robert Kubica, que antes do último Grande Prémio da China de F1, afirmou que já tinha corrido em seis ou sete circuitos urbanos, “mas Macau é a minha pista favorita de longe”. O ambiente singular da prova, onde pela primeira vez os pilotos de F3 são elevados ao estatuto de estrelas, e as características únicas da RAEM são outros dos factores por que tantos pilotos ficam a adorar a prova. “A atmosfera que a rodeia é fantástica”, lembra-nos o alemão de origens finlandesas Nico Rosberg, filho do ex-campeão do Mundo de F1 Keke Rosberg e actual piloto da Williams F1 Team, que tem as melhores recordações da prova, apesar de nem sempre ter passado por finais felizes. “Macau é extraordinário, um lugar especial e uma pista muito difícil. Só aquele que é muito bom é que vence a corrida. Eu estava a liderar a final e acabei no muro com o Hamilton e o Kubica atrás de mim. Ok, essa não teve muita piada…“

Os tempos mudaram e uma vitória em Macau já não dá automaticamente a chave para um monolugar da almejada F1. No entanto, não deixa de ser uma grande ajuda, que o digam os dois últimos vencedores: Lucas Di Grassi e Mike Conway. O brasileiro salvou a sua carreira ao vencer no Circuito da Guia em 2005, o que lhe valeu a continuidade no programa da Renault Driver Development e alguns testes de F1 com a marca francesa. Já o britânico vitorioso da edição passada, após o sucesso em Macau assinou um contrato de piloto de testes com a Honda Racing F1 Team, enquanto, tal como Di Grassi, assegurou um lugar numa boa equipa da Fórmula GP2, a antecâmara da F1.

O Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 continua a ser uma das provas mais selectivas do automobilismo mundial e, normalmente, quem vence no tortuoso Circuito da Guia tem a atenção das equipas de Fórmula 1. Muitos dos nomes que brilharam no antigo território sob administração portuguesa foram anos mais tarde forças dominantes na categoria máxima do desporto automóvel. Mais recentemente, Mario Theissen, o director de equipa da BMW Sauber, resolveu dar uma oportunidade a Robert Kubica, após ter assistido à exibição do polaco no Grande Prémio de Macau de 2004, apesar de ter sido batido por Alex Prémat. O homem

 

Os sucessos dos pilotos portugueses nas principais corridas do Grande Prémio de Macau são escassos. Radicado no território, o Gentleman Driver Eddy Carvalho abriu a contagem na edição de abertura, em 1954. Só em 2000, o também piloto local, André Couto, repetiu o feito, vencendo a Taça Intercontinental FIA de Fórmula 3, sucesso que foi comemorado tanto em Macau, como em Portugal. Até hoje não se voltou a comemorar uma vitórtia lusa, apesar de em 2000 o triunfo já ter sido solenizado ao som do hino da República Popular da China, pois André Couto corria com a licença desportiva da RAEM. Oito anos antes do sucesso do herói local, em 1992, os portugueses acreditavam que Pedro Lamy poderia levar de vencida a corrida da “Pérola do Oriente”. O piloto da Aldeia Galega chegava a Macau com o título de campeão alemão da especialidade no bolso e contava com o apoio total do território. Lamy, que chegaria à F1 e é agora um dos pilotos de endurance com melhor reputação mundial, venceu a 1ª manga, mas não conseguiria na 2ª manga suplantar Rickard Rydell, que terminou precocemente com bandeiras amarelas para grande desgosto da falange de apoio portuguesa.

As esperanças lusas para o sucesso numa das três grandes provas do evento renasciam no ano seguinte. Ni Amorim, piloto de viaturas de Turismo em Portugal, e que na época era habitué na Corrida da Guia, tinha uma oportunidade de ouro de vencer a prova. A poderosa AMG Mercedes, por quem o português tinha alinhado nos dois anos anteriores, tinha-se retirado e a BMW Schnitzer apostava em três 318i inferiores ao M3 DTM que o piloto do Porto tinha à sua disposição. Ni Amorim começou bem e fez a pole-position, primeira e única de um luso na prova. Contudo, à 5ª volta da corrida era forçado a desistir com dois pneus furados. Aliás, cortados na zona lateral, provavelmente, por alguém a mando dos correctores de apostas que na altura tinham vaticinado uma vitória do piloto de Hong Kong Charles Kwan, que acabaria por ganhar.

 

Motociclistas sem máquinas para lutar pelos triunfos

 

Sem nunca terem material para lutar pelo triunfo do Grande Prémio de Macau de Motociclismo, os motociclistas lusos tiveram algumas oportunidades de brilhar nas corridas destinadas às Superbikes, onde as suas motas estavam ao nível das dos seus oponentes. Por exemplo, em 1992, Macau viu um pódio de lusitanos, liderado por Alexandre Laranjeira (Suzuki GSXR 750), José Pereira (Yamaha OW01) e João Ramada (Ducati 888 Corsa). O mesmo Alexandre Laranjeira ainda detém o melhor resultado de um motard luso na prova principal das duas rodas em Macau, um 6º lugar em 1996.

A chama dos portugueses do território pelos desportos motorizados também sempre foi óbvia e no 54º aniversário da prova, as maiores esperanças de Macau brilhar nas três principais corridas do Circuito da Guia voltam novamente a estar entregues a três portugueses: André Couto (Corrida da Guia), Rodolfo Ávila (F3) e João Fernandes (Motos).