Aprofundar a cooperação

Thomas Roe é claro quanto às prioridades da União Europeia para a cooperação com Macau. No futuro, Bruxelas pretende continuar a desenvolver projectos na área jurídica e criar novos mecanismos de diálogo e intercâmbio em áreas como o ambiente, energias alternativas, ligações entre instituições académicas e forças da sociedade civil

 

Na liderança da Delegação da Comissão Europeia para Hong Kong e Macau desde 2004, Thomas Roe esteve envolvido entre 2000 e 2002 no processo Asia Europe Meeting (ASEM), fórum bi-regional que junta os países da União Europeia (UE) e as nações da Ásia Oriental.

Qual é a importância que a Comissão Europeia atribui às relações com a Região Administrativa Especial de Macau?

É uma relação especial. É um elemento importante no diálogo com esta parte do mundo, particularmente devido ao património cultural, resultante da presença portuguesa. Estamos muito satisfeitos com o processo de transferência de administração em 1999 e com o respeito pelo princípio “Um País, Dois Sistemas”. Estamos agradados com o respeito pelos direitos, liberdades e garantias. Para as relações externas da UE, Macau tem características especiais como a língua portuguesa e o estado de Direito. Apesar das dimensões reduzidas do território, o comércio com o espaço europeu é significativo, nomeadamente ao nível dos têxteis e calçado.

Temos também excelentes relações ao nível das políticas de imigração, cooperação em assuntos jurídicos e formação de recursos humanos. É uma relação muito útil.

Como é que observa as mudanças que têm ocorrido na RAEM ao longo dos últimos anos?

Macau está a ter um sucesso extraordinário em termos económicos, devido ao processo de liberalização de vários sectores que tem levado a um crescimento económico e a mudanças sociais significativas. É claro que, num cenário deste tipo, de crescimento muito acelerado, há sempre ganhadores e perdedores. E surgem tensões. Neste tipo de situação para qualquer Governo, em qualquer lugar do mundo, é sempre um desafio reagir a estas mudanças tão rápidas, especialmente num território tão pequeno. A gestão deste processo ao nível do mercado laboral é um desafio enorme. Por isso estamos muito satisfeitos por estar a colaborar com Macau em assuntos ligados à formação profissional ou assuntos jurídicos. É uma forma de darmos o nosso modesto contributo.

Desde que foi assinado em 1992 o Acordo de Comércio e Cooperação entre Macau e a UE , tem havido vários projectos de cooperação. Quais são os resultados visíveis desta dinâmica?

Em primeiro lugar, os resultados de qualquer tipo de cooperação são sempre mútuos, compreensivos e reflectem-se no médio e longo prazo. Em territórios como Macau, que não tem problemas económicos sérios, os ganhos são mútuos. A cooperação visa manter a presença europeia, particularmente a portuguesa. Interessa-nos aprofundar os níveis de cooperação ao nível do reforço das competências governativas, ao nível da tradução e interpretação, assuntos legais e questões aduaneiras.                                                                                                        Macau já não pode beneficiar do Sistema Generalizado de Preferências.

Quais são as consequências disto?

Gostaria de sublinhar que a presença de Macau no grupo de países que auferem do Sistema Generalizado de Preferências (SGP) no comércio com a UE foi estendida. Isso aconteceu porque, embora o PIB per capita de Macau já excedesse os limites fixados, as regras determinam que um país ou território que esteja demasiado dependente de apenas um sector industrial pode continuar a beneficiar dessa prerrogativa. Isso demonstrou uma abordagem construtiva e flexível da nossa parte. Entretanto, as regras de acesso ao SGP mudaram e o PIB per capita de Macau ultrapassa o que é registado em vários países europeus. Por isso já não fazia sentido dar incentivos comerciais a uma região deste género. Estendemos o SGP a Macau porque considerámos que havia um problema de requalificação de mão-de-obra que trabalhava no sector têxtil da RAEM. Mas também é necessário que sejam respeitadas as regras do país de origem dos produtos, como é o caso do calçado.

Em que ponto está a investigação à exportação de sapatos de Macau para UE e o que está em causa?

A Comissão Europeia está a levar a cabo uma investigação, seguindo os passos definidos pela Organização Mundial de Comércio. Mais tarde vamos divulgar um relatório. Não posso adiantar mais nada.

Impressionados com os esforços na esfera administrativa

Um dos aspectos mais importantes na cooperação diz respeito aos assuntos legais. Qual é extensão e a importância desses projectos?                                                                                              

Há um interesse em compatibilizar os sistemas jurídicos de Macau, com base portuguesa, e o da China continental, uma vez que ambos têm por base o Direito dos grandes códigos ao contrário de Hong Kong, onde prevalece o sistema de “Common Law”. Por outro lado, uma vez que a maior parte do Direito de Macau foi escrito e negociado em português, é importante proceder à tradução. Este tem sido um dos aspectos essenciais da cooperação legal. Isto permite que venham a Macau académicos e especialistas de várias partes do mundo para que o Direito de Macau esteja de acordo com as mais recentes práticas internacionais. Recentemente, concedemos a Macau a Cátedra Jean Monnet, um programa coordenado pelo professor Paulo Canelas de Castro da Universidade de Macau. Também estamos impressionados com os esforços do Governo de Macau na esfera administrativa.

Quanto aos próximos passos, quais as prioridades para a cooperação para o período entre 2007 e 2013?

Entre os vários sectores que delineámos como prioridade, destacamos os direitos de propriedade intelectual. Tivemos um seminário muito interessante em 2007 e pensamos que será possível realizar este tipo de eventos anualmente. Em outros aspectos, como o comércio de têxteis ou calçado não temos negociações directas. Aplicamos as regras da Organização Mundial de Comércio neste campo.

A segurança alimentar tem sido um assunto cada vez mais controverso no que diz respeito às relações com a China. Qual é a abordagem deste assunto na cooperação com a RAEM?

Temos dialogado com a China continental, Macau e Hong Kong sobre a segurança alimentar. Peritos europeus têm vindo à RAEM para discussões com as autoridades locais. Pretendemos realizar seminários sobre este assunto. Tudo isto tem a ver com questões técnicas.

A UE também coloca as questões ambientais no topo da agenda nesta relação…

A UE é líder mundial neste aspecto, quer em termos regulatórios, quer no que diz respeito ao cumprimento dos limites à emissão de gases poluentes. Temos levado a cabo seminários e acções de diálogo com entidades da China, Macau e Hong Kong para dar a conhecer todo o nosso esquema regulatório ambiental. Queremos encorajar as autoridades chinesas e das regiões administrativas especiais a adoptar essas regras, nomeadamente no Sul da China, zona que é afectada por problemas de poluição atmosférica. Estamos muito agradados por Edmund Ho considerar a protecção do ambiente uma prioridade. A UE tem uma experiência que pode ser útil. Tivemos êxito quando foi necessário resolver problemas ligados à poluição dos rios, às chuvas ácidas e a má qualidade do ar. Esses assuntos só podem ser resolvidos através de acordos entre estados da mesma região. Chegámos a soluções de compromisso que podem ser interessantes para outras partes do mundo.

O documento que serve de base para a cooperação com as regiões administrativas especiais também refere a importância das relações entre a sociedade civil (people-to-people links) e o reforço dos laços entre instituições académicas. Como é que isto pode ser colocado em prática?

O programa Erasmus Mundus e o programa Jean Monnet estão disponíveis para Macau. Gostaríamos de encorajar mais actividades deste tipo. Estamos a procurar financiamento para projectos com países e territórios industrializados, como é caso de Macau.

Queremos aprofundar a cooperação, uma vez que os resultados, em nosso entender, ainda são relativamente modestos. Temos também a intenção de reforçar as actividades em torno do Centro de Informação Europeia da Universidade de Macau e do Instituto de Estudos Europeus.

 

Marcas europeias muito activas

 

Como é que analisa o volume e tipo de investimento de países europeus em Macau?

Em termos de comércio e contratos, as marcas europeias têm estado muito activas em Macau, mais do que ao nível do Investimento Directo Externo. A Europa não é líder mundial na indústria do jogo, por isso neste campo é natural que os países europeus não estejam envolvidos nos investimentos no jogo em Macau. Já no sector da construção e comércio a retalho as oportunidades são imensas.

No ano passado foi anunciada a criação de um Centro da UE em Macau. Como está esse processo?

Em primeiro lugar temos de ter um orçamento para esse Centro em Macau, o que está a ser preparado em Bruxelas. Em segundo lugar, decidimos implementar o Centro de uma forma mais modesta. Acabámos por entender que o mais adequado é que não seja designado Centro da UE nem que seja constituída como uma instituição separada. Vamos oferecer o fundo para co-financiar o projecto com instituições locais já existentes. Preferimos que seja gerido completamente por entidades de Macau. Gostaríamos que tudo estivesse pronto este ano. As áreas de actividade são as mesmas que foram definidas como prioridades para a cooperação, mas consideramos que as instituições locais devem ter um papel determinante neste processo.

Que actividades poderão ser desenvolvidas?                                                                                       

Desde assuntos jurídicos, a direitos de propriedade intelectual passando por aspectos comerciais. De qualquer modo, preferimos que os agentes locais sejam ser o motor das actividades deste projecto. Certo é que não terá a ver com questões de política interna, uma vez que não pretendemos de alguma maneira interferir nos assuntos domésticos de Macau. Tudo será feito dentro dos limites do respeito pela Lei Básica da RAEM e pelo princípio “Um País, Dois Sistemas”.

Macau é cada vez mais um centro de turismo internacional. Esta é uma área fulcral para a cooperação?

A nossa função não é promover o turismo europeu, mas sim dar a conhecer técnicas de preservação do património. Por exemplo, um dos estudantes do programa Erasmus Mundus de Macau está em Portugal a estudar técnicas de conservação e restauro. O que promovemos são os aspectos regulatórios e técnicos. De qualquer modo, estamos atento à importância de preservar e reforçar os elementos europeus, particularmente portugueses, da cultura de Macau. Quanto a esta dimensão estamos muito agradados por observar que muitas pessoas de Macau sentirem que a presença portuguesa é um aspecto essencial da sua cultura.