Desde o início da diáspora

Foi a primeira Casa de Macau criada no exterior, embora seja e tenha sido muito mais que isso. A presença da comunidade portuguesa e macaense em Hong Kong tem origens desde o início da colonização britânica na sequência da Guerra do Ópio. Tudo começou em 1841, quando vários portugueses de Macau rumaram a Hong Kong para trabalhar na recém-criada administração pública colonial

 

A primeira grande vaga de emigração macaense para o outro lado do Delta do Rio das Pérolas começou em 1849 após o assassinato do governador Ferreira do Amaral. Fundado em 1866, o Clube Lusitano nasceu da vontade de várias dezenas de portugueses e macaenses que trabalhavam para a administração do território vizinho, com especial destaque para o papel desempenhado por J. A. Barretto e Delfino Noronha, de quem partiu a ideia de criar um clube que representasse uma comunidade que ia cimentando o seu lugar na sociedade de Hong Kong. Na altura em que foi criado o Clube Lusitano, já estavam em actividade duas associações que congregavam a comunidade: Clube Venatório e o Club de Recreio (entidade que ao longo de décadas foi a grande rival do Clube Lusitano em Hong Kong). Ao longo do século XX, seguiram-se outras vagas migratórias de Macau para Hong Kong, o que sucedia em alturas de maiores dificuldades económicas no território então administrado por Portugal ou em fases de tensão política com a China, como foi o caso dos acontecimentos que ficaram conhecidos como o “um, dois, três” durante a Revolução Cultural. Actualmente existem vários milhares de cidadãos com nacionalidade portuguesa em Hong Kong, a maioria dos quais com origens em Macau. Contudo, strictu sensu, a comunidade de cultura portuguesa e macaense é bem mais reduzida do que há algumas décadas. Isto acontece porque uma parte dos macaenses que emigraram para Hong Kong rumaram posteriormente para outros países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Brasil ou Portugal. São comuns as histórias de pessoas que saíram de Macau nos anos 60 para Hong Kong, sobretudo para trabalhar no Hong Kong and Shanghai Banking Corporation, e que nas décadas de 70 e 80 decidiram abandonar o Delta do Rio das Pérolas para a Europa, América ou Austrália. Em declarações à MACAU, o comendador Arnaldo Oliveira Sales, presidente do Clube Lusitano desde 1967, reconhece que “é difícil saber ao certo quantos portugueses vivem em Hong Kong, uma vez que muitos dos que vieram de Xangai, após a II Guerra Mundial, e de Macau acabaram por ir para os Estados Unidos, Austrália ou Portugal”. Actualmente o Clube Lusitano conta com mais de 400 sócios, embora apenas pouco mais de 100 sejam considerados sócios activos. Dos cerca de 400 associados, várias pessoas já não vivem em Hong Kong, embora mantenham ligações fortes ao Clube Lusitano.

 

Almoçar sem pagar

 

Durante várias décadas, era promovida, no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, uma corrida de cavalos no Hong Kong Jockey Club. Esse actividade foi abandonada recentemente “por falta de apoios”, explica Arnaldo Oliveira Sales, decano da comunidade cuja carreira profissional e cívica ficou marcada pelos vários cargos de serviços público que ocupou – com destaque para a presidência do Urban Coucil – e pelas medalhas e menções de mérito que teve por parte das autoridades de Hong Kong, Macau e Portugal. Sales foi também um dos principais responsáveis pela elevação do Clube Lusitano em termos de solidez financeira e pelo facto do Clube ter sede e dar nome a um dos mais marcantes edifícios do sky line de Hong Kong: o Lusitano Club Building. No 27º andar, está à disposição dos sócios um “Salão Nobre” para promoverem actividades culturais e recreativas, ao passo que no 24º piso os associados têm acesso a uma sala onde podem organizar almoços e jantares em ocasiões especiais. Além disso, diz Oliveira Sales, com visível orgulho, “todos dos dias os sócios podem almoçar no Clube sem pagar um avo”.

J.C.M.

 

Elo de ligação entre Macau e Lisboa

 

No terceiro dia do Ano Novo Chinês, num dos restaurantes mais conhecidos de Lisboa, os macaenses a residir em Portugal assinalaram, com pompa e circunstância, a entrada no Ano do Rato. Álvaro d´Andrade confidenciou que 230 pessoas participaram nos festejos, naquela que foi uma das festas mais concorridas.

Com cerca de 600 sócios, mas apenas 400 activos, a Casa de Macau de Lisboa está de boa saúde. “O número de associados tem aumentado e sempre que há em Macau o encontro dos macaenses recebemos novas adesões”, explica o actual líder da instituição, criada há mais de quatro décadas.

Em Novembro vieram de Lisboa 120 pessoas para o VI Encontro das Comunidades Macaenses. “A reunião da família macaense é uma boa oportunidade para rever o território, os amigos e a família e, portanto, é natural que haja sempre um número elevado de participantes”, justifica.

O presidente da Casa de Macau reconhece que são muitos os desafios que a colectividade agora enfrenta. “Não sabemos ao certo o número de macaenses a residir em Portugal, mas é importante que exista um local de convívio e de confraternização, que seja o elo de ligação entre a região administrativa especial e Portugal”, acrescenta Álvaro d´Andrade.

Na avenida Gago Coutinho funciona a sede da colectividade, mas a direcção continua a ocupar as antigas instalações no Príncipe Real. “Temos também lá um centro de documentação sobre Macau, totalmente informatizado”, nota, sublinhando que é fundamental que não se perca a memória da comunidade. “Só assim será possível perpetuá-la e, sobretudo, transmitir aos mais novos a história dos seus antepassados e de Macau”.

A sede social (com três pisos, uma cave e um jardim) permite a realização de muitas iniciativas ao longo do ano. Uma das mais marcantes realiza-se a 24 de Junho, dia da cidade de Macau. “Cerca de 300 pessoas costumam reunir-se para festejar o Dia de S. João e assinalar a vitória sobre os holandeses. No jardim é rezada uma missa campal”, explica.

 

Palestras e lançamento de livros

 

A Casa de Macau em Lisboa organiza ainda algumas acções culturais, como palestras e lançamento de livros. O jornalista João Botas lançou lá o seu livro sobre o Liceu de Macau, que foi apresentado pelas historiadoras, com ligações a Macau, Beatriz Basto da Silva e Celina Veiga de Oliveira. O clube de bridge e de canasta reúne-se duas vezes por semana e os mais jovens dispõem de uma sala com mesas de bilhar e de ténis de mesa e matraquilhos.

A gastronomia tem também muitos adeptos. No primeiro andar funciona uma cozinha e uma zona de restauração, o que possibilita o encontro dos associados à volta dos tradicionais pratos macaenses. “A Casa de Macau em Lisboa tem o privilégio de ser um dos raros lugares de Portugal onde podem ser encontrados sabores tipicamente macaenses ou chineses. Os nossos chefes de cozinha têm largos anos de experiência especialmente em gastronomia do Sul da China. Os nossos cozinhados são confeccionados com ingredientes e produtos tradicionais chineses”, revela. As refeições, cujas reservas devem ser feitas com 24 horas de antecedência, são servidas às quartas-feiras (almoço) e sábado (almoços e jantares). Como reza a tradição, os Chás Gordos animam alguns dias festivos, como o Natal ou a Páscoa.

A liderar a Casa de Macau desde Abril de 2006, Álvaro d´Andrade destaca ainda as actividades desportivas. “A escola de Tai Chi Chuan tem cerca de duas dezenas de alunos, que já conquistam prémios a nível nacional. No último campeonato, disputado em Dezembro, conquistaram uma medalha de ouro e outra de prata”, refere.

A Casa de Macau é desde 2005 um Centro de Cultura e Desporto (CCD) do INATEL. É o resultado do protocolo celebrado pelas direcções de ambas as entidades, prevendo igualmente o desenvolvimento do intercâmbio de actividades culturais, recreativas, turísticas e desportivas entre os respectivos associados

Antigo funcionário do Banco Nacional Ultramarino, o presidente da Casa de Macau não esconde que a colectividade pode desempenhar um importante papel na relação entre as autoridades da região administrativa especial e entidades portuguesas. “Temos colaborado, por exemplo, com a delegação da RAEM, os Serviços de Turismo ou a Embaixada da China na realização de algumas iniciativas de divulgação de Macau e da China”, esclarece, salientando a visita, em Setembro do ano passado, de Xu Zhe, subdirector do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM.

 

Récitas em patuá

 

A candidatura do patuá a património intangível da UNESCO tem o apoio total de Álvaro d´Andrade. “A preservação do patuá não é uma tarefa fácil. Por isso, estamos a tentar fazer, com a ajuda da Fernanda Robarts, algumas récitas. Não temos a possibilidade de montar espectáculos com faz o Miguel Senna Fernandes, mas vamos procurar manter o dialecto vivo”, sustenta.

A realidade de Macau pode ser acompanha na sede com a leitura de alguns jornais e revistas que se publicam na região administrativa especial. A Casa de Macau mantém um sítio na internet e edita uma folha informativa e um boletim.

A passagem de testemunho às gerações mais novas é outra das suas preocupações. Álvaro d´Andrade sabe bem o que isso significa, já que entre 1985 e 1993 regressou ao território para mostrar a sua terra à mulher e às filhas. “Manter vivo o orgulho de ser macaense e dar a conhecer Macau em Lisboa deve ser uma das nossas apostas”, garante, a finalizar.

G.L.

 

O orgulho de ser macaense

 

As Casas de Macau dos Estados Unidos têm tanto de membros como de actividades. Ao longo do ano, multiplicam-se as acções, sempre com um piscar de olho aos jovens. O número de associados reflecte-se na presença nos encontros das comunidades macaenses. No mais recente, as três Casas dos Estados Unidos trouxeram 464 macaenses

 

É um local carregado de recordações. Raquel Remédios viveu no antigo Hotel Bela Vista, actual residência oficial do cônsul-geral de Portugal na RAEM, durante a II Guerra Mundial. Era uma refugiada de Hong Kong, colocada por “sorte” no hotel, um dos locais criados para o efeito. “Era o melhor centro de refugiados de todos, a vista era impressionante, o mar estava já aqui, nunca imaginei nesses dias que Macau se tornaria assim”, recorda.

Naquele tempo, ainda criança, Raquel Remédios também não podia imaginar que um dia, há 43 anos, emigraria para os Estados Unidos. Mais ainda, que se tornaria na presidente daquela que é uma das mais velhas Casas de Macau da diáspora, a União Macaense Americana (UMA), fundada no final dos anos 50 do século passado.

Cerca de meio século de história ajudam a explicar a vitalidade e o número de membros da UMA. “Temos cerca de 850 membros, a maioria macaenses de Macau, Hong Kong e Xangai. Estamos divididos agora por quatro secções, em São Francisco e Los Angeles, cada uma delas responsável por diferentes actividades ao longo do ano”, explica Raquel Remédios, presidente da UMA e também responsável por uma das secções. Com tantos membros espalhados pelo mais populoso estado americano, a UMA acabou por atrair associados pouco ou nada ligados a Macau, “juntaram-se por força de intercasamentos ou atraídos pela nossa comunidade”, justifica.

 

Preservar o patuá

 

O Lusitano Club da Califórnia é também um campeão dos números. Tem cerca de 700 membros, “mas normalmente só juntamos cerca de 300 nas nossas actividades porque as autoridades locais não permitem maiores aglomerações”, explica Maria Roliz, presidente do Club. Apesar das limitações camarárias, existem actividades suficientes para agradar aos diferentes gostos das sete centenas de associados. “Regularmente, temos aulas de cultura e língua portuguesas, de culinária ou feiras de gastronomia, para que as comunidades portuguesas nos Estados Unidos, ou outras, saibam mais da nossa cultura e herança macaenses. Estamos também a tentar preservar o patuá, através de um espectáculo que queremos pôr de pé”, enumera num só fôlego Maria Roliz. É com a mesma rapidez que ainda acrescenta o tradicional piquenique e a concorrida festa de Natal, “actividades feitas a pensar em todos os elementos da família e sempre muito concorridas”.

A gastronomia parece ser a receita escolhida pelas três Casas para aguçar a curiosidade alheia e dar a provar a comunidade macaense. De facto, a comida das origens é um dos pratos fortes das actividades da Casa de Macau (USA), com cerca de 250 membros. “Um dos jantares que organizamos é o da Primavera (no Ano Novo Lunar), para promover a amizade sino-macaense e celebramos também o dia 24 de Junho, dia de São João, padroeiro da cidade de Macau”, afirma Henrique Manhão, presidente da Casa de Macau (USA). A associação, composta por 80 por cento de chineses e macaense de Macau e 20 por cento de luso-descendentes, vai estrear-se, em Dezembro deste ano, nas celebrações de Nossa Senhora Padroeira das Comunidades Macaenses. Em todas as festarolas, a gastronomia, a música e por vezes o conhecimento dos mais entendidos, são convidados garantidos. “Na comemoração de 24 de Junho, por exemplo, damos ênfase à cultura, à história e à identidade de Macau e de Portugal, através de pequenas palestras”, conta Henrique Manhão.

Na composição e no programa das festas, as três Casas dos Estados Unidos gozam de aparente boa saúde. No entanto, também sabem que são precisos herdeiros que prossigam a história da diáspora. “Tentamos atrair os jovens através de actividades que os envolvam como a genealogia, para que descubram as suas raízes”, afirma Maria Roliz. Neste piscar de olho aos mais novos, o Lusitano Club colocou vários deles na direcção, envolvendo-os nas actividades e no futuro da instituição. O ensino da cultura macaense aos mais novos poderá ter um novo fôlego quando a biblioteca da sede do Lusitano for reaberta e oferecer para consulta livros sobre Macau.

 

A comida atrai os mais novos

 

Raquel Remédios não sabe de cor a lista de actividades, pois são várias as secções e a ela cabe-lhe estar à frente de uma e de olho em todas. Mas, pela enumeração improvisada, nota-se que os mais novos são normalmente tidos em consideração pela UMA. “Na minha secção, por exemplo, temos um evento de dança todos os anos, actividades desportivas, como o bowling. Outras secções, mais importantes, têm eventos todos os meses. Há o ‘dia do casino’, durante o qual jogamos mahjong e diferentes jogos de cartas ou a missa de Acção de Graças”, enumera Raquel Remédios. A dupla presidente (de Casa e de secção) reconhece que, quem emigrou há dezenas de anos, teve que adaptar-se ao país de acolhimento, no entanto, “nós, provenientes do Extremo Oriente, ainda nos agarramos às nossas raízes”. Inevitável, portanto, que a comida portuguesa e macaense seja servida à mesa das festas “e acho que é precisamente a comida que traz até nós os jovens macaenses já nascidos nos Estados Unidos. Eles adoram a nossa comida”, assegura.

Henrique Manhão sabe que não é tarefa fácil. “A pouco e pouco temos que incutir-lhes o orgulho de ser macaense, para que eles continuem as tradições.” Os ‘eles’ a que se refere são os mesmos para quem a Casa de Macau nos Estados Unidos criou o dia da Juventude Macaense. “A partir dos trinta anos é que se tornam mais interessados, perguntam sobre a história de Macau e de Portugal, querem saber o que nos trouxe à América, querem conhecer heróis e escritores como Luís de Camões”, explica Henrique Manhão. Nestas conversas que mantêm com os mais velhos, deixam escapar algumas admirações quando descobrem que Portugal esteve mais de 400 anos em Macau, que Luís de Camões pode ter passado pela gruta com o mesmo nome ou que o fundador da República da China, Sun Yat-sen, viveu no território dos seus pais.

O passado histórico é o que normalmente melhor prende os jovens nascidos na diáspora. Por isso, cada vez que há romaria a Macau, as Casas regressam com um carregamento de livros e imagens sobre o território. Como conta Maria Roliz “de regresso, quando há festa, mostramos os vídeos sobre os sítios históricos. Eles podem nunca ter ido a Macau mas já conhecem as Ruínas de São Paulo ou o templo de A Ma.”

Eles, os jovens, provavelmente vão dizer: ‘Uau!’, como normalmente acontece cada vez que as Casas dos Estados Unidos mostram, orgulhosas, a terra das suas origens. Ou quando, como aconteceu no último Encontro, vários jovens das Casas americanas conhecem no terreno a terra de que desde sempre ouviram falar.

M.P.

 

Manter viva a chama da Casa “Down Under”

 

Com cerca de 800 membros, a Casa de Macau Inc – Austrália assinala com pompa e circunstância algumas datas mais significativas para a comunidade, como o Natal, Dia de São João ou o Ano Novo Chinês, com convívios entre os macaenses que residem nos vários estados da Austrália.

Uma das dificuldades diz respeito à dimensão do país e ao facto de, por exemplo, uma viagem entre Perth e Sydney demorar cinco horas, De qualquer modo, duas vezes por ano, a Casa organiza encontros da direcção, presidida por Yvonne Herrero,  com representantes dos vários estados. Daniel Badaraco, residente em Perth, representa a comunidade da Austrália Ocidental. Saiu de Macau em 1962, “para evitar ir à tropa e porque não tinha oportunidade de emprego”, explica. Mas não foi logo para a Austrália. Viveu em Hong Kong durante 17 anos, onde trabalhou no Hong Kong and Shanghai Banking Corporation, até à altura em que “era claro que os rapazes de Macau já não tinham oportunidades em Hong Kong”, conta. Uma história semelhante a muitas outras de macaenses que da região vizinha rumaram a países como os Estados Unidos, Canadá ou Austrália. Em Perth a comunidade é reduzida, sendo composta por pouco mais de 20 membros da Casa da Austrália. Já no estado de Nova Gales do Sul, especialmente na cidade de Sydney, vive uma comunidade composta por 450 macaenses, membros da Casa de Macau, também designada “Casa Down Under” ,  representando mais de metade do total de associados. Em 2007, foi, finalmente, adquirido um imóvel que serve de sede permanente da Casa, um passo importante para a operacionalidade das actividades da instituição. Além de uma sede, a Casa de Macau adoptou há pouco mais de um ano um hino escrito pelos músicos da comunidade macaenses Patrick de Sousa e Carlos Rosário, intitulado “Casa Down Under”

O desafio desta Casa, cujas actividades começaram no início da década de 90, é manter viva a chama da identidade e cultura macaense no futuro, um objectivo central da instituição cujo lema é “Keeping the Macanese Community Alive”, ou seja manter viva a comunidade macaense. Para as gerações mais jovens, o grau de pertença a Macau é diferente do que sentem os pais ou avós que nasceram em Macau e transportaram consigo uma vivência que os marca indelevelmente. É também por isso que os Encontros das Comunidades Macaenses são fulcrais, não servem apenas para rever velhos amigos e familiares espalhados pelo mundo, mas são importantes para que as segundas e terceiras gerações de macaenses tenham contacto com o local onde tem origem a sua comunidade. Daniel Badaraco salienta que “a juventude tem uma atitude diferente uma vez que não nasceu em Macau”, por isso “é fundamental que os encontros continuem e perdurem durante muitos e bons anos”. As visitas das famílias macaenses radicadas na Austrália, acompanhadas pelos filhos e netos, são uma forma “eficaz” de manter “o elo de ligação” intergeracional a um território que está “sempre em mudança”. Para alguns dos que vieram ao Encontro das Comunidades Macaenses a cidade está quase irreconhecível, mas Daniel Badaraco tem acompanhado as transformações de perto, já que tem vindo a Macau com regularidade nos últimos anos. Apesar dessas mudanças, “Macau é sempre a minha terra”, garante. Depois de 17 anos em Hong Kong e 30 na Austrália não esconde que gostava de passar parte da reforma em Macau, “uns meses cá outros lá, na Austrália”.

J.C.M.

 

Vender Macau aos brasileiros

 

Na maior cidade brasileira e principal centro financeiro da América Latina, São Paulo, funciona a maior casa dos macaenses em todo o mundo. No Rio de Janeiro, a realidade é distinta, mas em ambas as metrópoles respira-se o mesmo sentimento: dar a conhecer Macau aos brasileiros e manter vivo o orgulho de ser macaense

 

Como sucedeu com centenas de macaenses nas décadas de 60 e 70 do século passado, Júlio Branco trabalhou em Hong Kong antes de partir para o Brasil. “Depois do liceu só em Portugal podíamos fazer os estudos superiores, já que em Macau não havia universidade. Pagar os estudos em Lisboa era caro, a parte financeira atrapalhava um bocado”, recorda o presidente da Casa de Macau em S. Paulo. “A melhor opção era ir para Hong Kong estudar e trabalhar, já que no território era complicado entrar na função pública e a parte comercial estava limitada às firmas Nolasco e Rodrigues. Macau não oferecia nada!”.

O futuro de Macau e de Hong Kong era ainda uma incerteza, mas a passagem dos dois territórios para a China “era uma questão de tempo”, comenta.

Na agora região administrativa vizinha trabalhou 12 anos, nomeadamente no Consulado de Portugal e no Hong Kong Shanghai Bank, “onde havia uma grande gratidão pelos macaenses que não deixaram a cidade durante a guerra”. Embora satisfeito com a sua situação em Hong Kong, em 1973 decidiu ir para o Brasil, “na altura muitos macaenses que trabalhavam na antiga colónia britânica partiram para o Canadá, Austrália e Estados Unidos, mas a minha escolha foi outra”.

Se fosse hoje não teria tomada essa decisão. “Se tivesse uma bola de cristal não tinha saído”, garante, já que a realidade actual de Macau “é completamente diferente, o território desenvolveu-se muito”.

A experiência ganha em Hong Kong foi muito útil no Brasil. “O domínio do inglês foi muito importante. Os brasileiros estavam à procura de pessoas com experiência e estavam a abrir-se ao exterior”. Com facilidade ingressou no poderoso Grupo Pão de Açúcar.

 

Primos pobres

 

Trinta e cinco anos depois, é o líder da maior Casa de Macau no Mundo, que tem 300 sócios e amplas instalações. Fala com orgulho da sede, propriedade da Fundação Oriente. “Temos pavilhão e funciona como residencial para alguns aposentados”, nota, lamentando que “não haja estruturas para tratar de alguns sócios que têm problemas de saúde”.

Localizada na zona de Interlagos, pintada com as cores do Palácio da Praia Grande, dispõe de piscina e tem uma área de 5000 metros quadrados.

Os naturais de Macau e descendentes residentes em S. Paulo costumam reunir-se aos domingos. “Cerca de 80 pessoas, algumas vezes mais, convivem na Casa de Macau. Nos dias comemorativos, como o Dia de Macau, Natal, Ano Novo Chinês, Dia de Portugal ou aniversário da Casa o número de participantes é maior”, esclarece Júlio Branco.

No Rio de Janeiro, o panorama é diferente, já que a Casa de Macau não tem tantos meios como a de S. Paulo. “Somos os primos pobres”, diz com alguma ironia, Carlos Branco, irmão de Júlio, que reside naquela cidade brasileira há várias décadas.

Fundada em Junho de 1991, a Casa do Rio de Janeiro tem 50 sócios efectivos, mas o número de participantes nas suas iniciativas ultrapassa a centena. As datas mais marcantes da comunidade, como o Ano Novo Chinês ou o Natal, servem para o encontro dos macaenses, familiares e amigos do Rio de Janeiro.

Radicado no Brasil há quase quatro décadas, o presidente da instituição lembra que tem pouco dinheiro para dinamizar as actividades. “Temos uma pequena casa, a garagem foi convertida em salão de festas, portanto, não temos grandes hipóteses de atrair as pessoas para a sede”, acrescenta Pedro Almeida.

Na Casa do Rio de Janeiro realizam-se mensalmente encontros de confraternização. “Cada sócio leva para o encontro um prato. Um prato macaense, português ou chinês. O lema é: faça o seu prato», esclarece. “Temos ainda algumas actividades desportivas como karaté, badminton ou o mahjong”, adianta.

Como sucede em outros países de acolhimento, atrair os mais novos para as actividades associativas não é tarefa fácil. “Os jovens revelam muito interesse em descobrir as suas raízes, mas as deslocações a Macau, por exemplo, são muito caras”, reconhece Pedro Almeida.

 

Atrair os mais novos

 

Interessar os mais novos pelas coisas de Macau é também um dos objectivos da Casa de Macau em S. Paulo. “Durante anos as nossas preocupações eram outras e só muito recentemente é que começámos a trabalhar com os jovens», diz Júlio Branco. As chamadas segunda e terceira gerações “querem conhecer Macau, mas a viagem é muito cara”. As novas tecnologias “facilitam muito, pois é possível acompanhar o que se passa no território”, mas passar pela RAEM “é fundamental para os que já nasceram no Brasil conhecer a terra dos seus pais”.

Os dois dirigentes associativos elogiam a decisão da Comissão Organizadora do último Encontro dos Macaenses de convidar três jovens a deslocarem-se à região administrativa especial e aplaudem a eventual realização de um Encontro de Jovens.

O líder da Casa do Rio de Janeiro não esconde que a falta de verbas impede a realização de outras iniciativas. “Os jovens lançaram a ideia de criar uma página na internet, mas como custa dinheiro manter o projecto não andou para a frente por falta de dinheiro”, observa Pedro Almeida. “Não temos secretária, contínuo, etc, somos obrigados a fazer tudo em regime de voluntariado, o que obriga a roubar horas ao convívio da família. Depois do trabalho, a Casa ocupa o nosso tempo”, diz, sem esconder alguma mágoa com a falta de recursos financeiros.

Em S. Paulo a realidade é bem diferente. A Casa de Macau está a desenvolver esforços para manter bem vivo o patuá e criou um Grupo Coral, que actuou na edição 2007 do Encontro dos Macaenses, interpretando inclusive algumas canções em mandarim. Foi também criada uma delegação da Confraria da Gastronomia Macaense.

 

Macau está diferente, mas continua a ser a minha terra

 

A maioria da comunidade macaenses naquela importante cidade brasileira vive sem grandes dificuldades e há mesmo alguns empresários bem sucedidos, como é o caso de Herculano Airosa, que patrocinou a deslocação de 75 membros ao VI Encontro das Comunidades Macaenses. A este propósito, Júlio Branco não tem dúvidas em afirmar que os macaenses podem “vender” a RAEM aos brasileiros. “Há um longo caminho a percorrer e os primeiros passos foram agora dados com a vinda a Macau de uma missão de empresários de S. Paulo. A prioridade devem ser as pequenas e médias empresas”, sublinha.

Ao olhar para a realidade actual da região administrativa sspecial, Júlio Branco reconhece que já não é a mesma Macau. “É diferente, mas continua a ser a minha terra. Sinto-me bem aqui e até gostava de passar seis meses aqui e o resto no Brasil. A transição suave foi fundamental para transmitir esta confiança”, remata poucas horas antes de regressar a S. Paulo depois de mais de um mês na Cidade do Nome de Deus.

G.L.

 

Quatro Casas, mas o mesmo traço de união

 

Não há nenhum país que tenha tantas Casas. São quatro, divididas em partes iguais por Toronto e Vancouver. Para além das diferenças geográficas, separam-nas também a composição dos membros ou um passado um pouco conturbado. Semelhantes são, porém, as celebrações ligadas aos costumes de Macau, chineses e macaenses, e os passeios pelo campo

 

Em 1967, deixava para trás o Oriente e emigrava para o Canadá. Quando chegou a Toronto, Sérgio Rui de Pina encontrou apenas umas cinco famílias macaenses. O número foi crescendo com o passar dos anos, o tempo acabou também por deslocar Sérgio Rui de Pina para Vancouver. E por lá continua. Hoje, é o presidente da Associação Cultural de Macau (Vancouver), a mais antiga Casa do Canadá. “Nasceu em 1990, mas já bem antes disso, nos anos 70 ou 80, havia a necessidade de criar uma associação.Faltava o apoio”, recorda Sérgio Pina. Com a entrada na década de 90 chegou o necessário apoio,  acompanhado, porém, do desacordo. As discordâncias entre membros da Associação Cultural, na ocasião com 350 membros, ditou a cisão e a partida de vários associados.

Em Vancouver, nascia assim uma segunda Casa. A discórdia, no entanto, arrastou-se pela última meia dúzia de anos, tendo por base os fundos destinados à compra das sedes das Casas de Macau. O desfecho surgiu em Agosto de 2007, quando o dinheiro foi dividido entre as duas Casas de Vancouver. “Comprámos a sede logo em Setembro, mal recebemos o dinheiro. Agora podemos fazer mais festas e maiores actividades, já que dispomos de um espaço nosso, não precisamos de alugar”, refere com orgulho António Amante, presidente da Casa de Macau (Vancouver). Mas, mesmo quando a Casa não tinha uma casa, diferentes actividades iam preenchendo o ano e as vontades dos cerca de 200 membros. “Pelo menos de dois em dois meses temos festas e há o piquenique anual. Natal, Fim de Ano, Dia de São João e Dia de Portugal são datas sagradas”, enumera António Amante.

A alguns milhares de quilómetros, na margem do lago Ontário, estão sediadas as outras duas Casas do Canadá. Curiosamente, o Macau Club (Toronto) e Casa de Macau no Canadá (Toronto) partilham instalações. Apesar das origens das duas associações estarem ancoradas em Macau, a composição difere ligeiramente, uma vez que o Club é sobretudo composto por chineses de Macau. Dos 350 membros, apenas alguns são macaenses e portugueses que vivem em Toronto. “Nos anos 90 começou a chegar muita gente de Macau. Era preciso arranjar um sítio onde se falasse desta nova experiência da emigração, onde nos pudéssemos ajudar uns aos outros”, explica Joseph A. Chen, vice-presidente do Macau Club Toronto. Em 1993, passaram das palavras ao acto, com a criação do Club. Desde então, os encontros da associação funcionam como uma espécie de terapia. “Gostamos de nos juntar, de conversar sobre Macau, dos tempos antigos do território e desta nova vida no Canadá, um sítio muito diferente, no estilo de vida ou no clima. Temos muito a aprender e partilhar”, refere Joseph Chen. Estas partilhas repetem-se pelo menos uma vez por mês e são acompanhados por mahjong e gastronomia de Macau. Apesar dos chineses estarem em larga maioria no Club, à mesa há um empate: comida chinesa e comida macaense alternam-se todos os meses. E para que os sabores não saiam trocados, o Club também organiza aulas de culinária.

 

Como se estivéssemos em Macau

 

O calendário chinês comanda as actividades desta associação, por isso, a cada novo ano lunar, há festa rija. ”Festejamos como se estivéssemos em Macau, com diferentes jogos, comida, caligrafia e pinturas chinesas”, conta o vice-presidente.

Ao longo do ano lunar, vão aparecendo igualmente as aulas de tai chi e as danças de salão, precisamente na mesma morada da Casa de Macau no Canadá (Toronto). As instalações não parecem estar subaproveitadas, dada a soma de eventos de ambas as Casas. “Na primeira quinta-feira de todos os meses, reunimo-nos das duas às nove e meia. Aparecem cerca de 50 pessoas, há jogos de cartas, mahjong, jantar e muita conversa”, lembra Mónica Alves, presidente da Casa de Macau de Toronto. Os antepassados macaenses dominam esta associação e os seus quase 400 membros. “A maioria tem origem macaense, nasceu em Macau ou Xangai. Depois há algumas excepções que foram trazidas para a ‘família’ e que gostam da nossa cultura”, sublinha Mónica Alves, nascida e criada em Hong Kong, mas filha e neta de macaenses.

A milhares de quilómetros de distância das origens, preservar a identidade não é um jogo de fortuna ou de azar. De facto, não é uma questão de sorte, exige empenhamento e um trabalho contínuo. “Cada vez que os nossos associados vão a Macau, vão logo à livraria abastecer-se de livros de comida portuguesa e/ou macaense”. Ainda segundo António Amante, da Casa de Macau (Vancouver), a teoria dos livros é depois colocada em prática nas festas, sobretudo pela “comissão de senhoras que fazem a comida e atraem muitos gulosos”. Outras ‘comissões’ da Casa de Vancouver são responsáveis pelas aulas de português e pela ligação a associados que fisicamente estão distantes. “Temos membros que moram no Hawai, na Europa ou no Japão mas que têm ligações a Macau, a Portugal ou à China. Como não podem formar mais nenhuma Casa, juntam-se às já existentes”, explica António Amante.

 

A questão da língua

 

Quem também se junta, em regime de (verdadeiro) voluntariado, são os jovens do Macau Club Toronto. “Temos um grupo de jovens que gosta de vir ajudar sempre que há festa. Eles ajudam a servir a comida e no resto da logística e acabam por compreender melhor Macau”, garante Joseph Chen. Uma compreensão que por vezes é travada pela língua, como refere Sérgio Rui de Pina, da Associação Cultural de Macau (Vancouver). ”É mais difícil cativar os nossos jovens porque não há uma língua homogénea, como acontece, por exemplo, nas Casas de Portugal ou do Brasil. Para nós é um problema, temos que falar inglês para chegar a todos”, lamenta. A questão linguística é, aliás, assunto recorrente durante as reuniões.

Na afirmação da identidade, o funcionamento das Casas e os Encontros das Comunidades são peças fundamentais. Mónica Alves confirma. “A nossa comunidade é muito boa. Está fortemente presente em todas as actividades que a nossa Casa organiza.” Mais difícil, por razões geográficas, será a participação massiva dos membros em todos os encontros das comunidades que se realizam em Macau, onde “eu ainda sinto aquela coisa, tenho aquele sentimento. É o lugar mas também são as pessoas”, afirma com um largo sorriso a presidente de uma das Casas baseadas em Toronto.

Apesar da distância que as separa, não seria de estranhar que no Outono, as quatro Casas do Canadá se cruzassem algures no país. Quase todas elas organizam anualmente uma excursão pelo campo para apreciar a mudança das cores da natureza. O piquenique anual é o que também não falha nos respectivos programas das festas.

M.P.