Olé, Olé! Momentos Gloriosos!

A dobrar a década de 30 do século passado, quando a Tuna Macaense foi criada e actuava em casamentos, baptizados e bailaricos, seria pouco provável adivinhar que, mais de 70 anos depois, o grupo ainda estaria vivo para contar a sua história. Contar e cantar, nomeadamente durante um jantar-conferência do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos de Pequim

 

A ‘Tia Anica de Loulé’ não cumpriu os mínimos olímpicos mas, por convite, vai ser uma das canções participantes de Pequim 2008. De facto, o tema da Tuna Macaense vai fazer parte do repertório a apresentar pelo grupo, no final de Junho, durante um jantar-conferência sobre o maior evento desportivo mundial, promovido, precisamente, pelo Comité Organizador dos Jogos Olímpicos. “O convite verbal chegou ainda no ano passado, através do Instituto de Desporto de Macau. Logo depois de uma actuação, perguntaram-nos se estávamos dispostos a ir aos Jogos Olímpicos. E nós, logo respondemos: ’sim senhor, é um prazer!’”, recorda Filomeno Jorge, aliás, Russo como gosta de ser conhecido. Um prazer que chegou de surpresa. “Nunca pensámos nisto. É uma honra representar Macau nos Jogos Olímpicos. Queremos levar a nossa cultura mista, a nossa música diferente, fruto dessa mistura que nem Hong Kong tem”, assegura Pedro Santos, que se divide entre percussão e baixo.

A Tuna Macaense quer levar a cultura aos Jogos mas também uma música nova, criada de propósito para fazer coro ao espírito. “Pensei numa música, cuja tradução é ‘Momentos Gloriosos’, que seria assim: ‘Olé, olé, olé, olé, olé, olé, olé!… Glory Moments!’”, canta Russo, o bandolim, voz (em patuá), guitarra e líder da Tuna Macaense.

“Actuação fora de portas, canta a música portuguesa e macaense”. A frase bem pode tornar-se ditado da Tuna, tal o peso da tradição. Com efeito, em Pequim, a banda não vai mudar os hábitos e, por essa razão, vai cantar temas em português e patuá: “‘Macau Sã Assi’, uma canção tradicional portuguesa com a qual ganhámos um concurso de composição de letras do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM); ‘Macau’, uma linda música dos Thunders; ou ‘Azinha, Panchita’, um tema novo que quer dizer Azinha, faz mais rápido, faai di!faai di!”, explica Russo com sorriso largo.

As músicas e letras da Tuna Macaense têm sido afinadas ao longo dos últimos quinze anos, no entanto, são normalmente a banda sonora de um Macau e de um passado mais distantes. “As músicas levam-nos aos anos 50, 60 ou 70, por exemplo, quando ali no D.Maria, havia pessoas que levavam o rebanho para a zona. Também fazem lembrar a feira das velharias na Rua de Nossa Senhora do Amparo, com as coisas espalhadas pelo chão à venda”, conta Pedro Santos que, através da música ‘Macau’ dos Thunders, vê imagens da Baía da Praia Grande: “suave, com os triciclos andar ali à volta a transportar os turistas. És tranquila e bonita, canta a canção. Uma tranquilidade que já não existe”. Por sua vez, Russo imagina estar em San Ma Lou, São Lázaro ou São Lourenço ao som de ‘Macau Sã Assi’.

Mas Macau já não é assim e a Tuna Macaense começou a ensaiar os acordes da mudança. O desenvolvimento do território, os novos hotéis, casinos e aterros dão letra às mais recentes canções escritas em mandarim. Curiosamente, a versão chinesa de ‘Titi Bita Di Lilau’ foi premiada em 2006 pelo Instituto Nacional de Músicos da China e Fundação Macau.

 

Disco em patuá

 

O futuro, porém, fala sobretudo em patuá, uma vez que a Tuna está a planear lançar um disco no próximo ano só com temas na “língua dos nossos antepassados”, como costuma explicar Pedro Santos às plateias de fora. “Não tem sido fácil porque já se perdeu o patuá falado antigamente. Temos composto as músicas apenas com letras escritas por Adé”, lamenta Victor Pereira, o homem da bateria mas também da voz, como quase todos.

O grupo dos oito, com alguns irmãos à mistura, divide-se por viola, baixo, guitarra, bandolim, instrumentos de percussão, de teclas e vozes que cantam em diferentes idiomas. “O mais recente elemento é Arnaldo Gomes que toca baixo, teclados, bateria e canta em tailandês, mandarim, português e mandarim.

Dá para todas as línguas”, brinca Russo. “Desde estudantes que gostamos de música e sentimos que temos que manter a tradição. Se não continuarmos a cantar em patuá, isto acaba, mais cedo ou mais tarde. Temos que continuar”, afirma Victor Pereira, em jeito de promessa, enquanto garante que sente o mesmo prazer de tocar, como nos tempos em que era miúdo.