Plataforma para Pequim

A qualidade das instalações desportivas e das infra-estruturas hoteleiras atraíram os comités olímpicos de nove países para realizar estágios em Macau. Aqui vão estar muitos candidatos a medalhas nos Jogos de Pequim

 

A festa dos Jogos Olímpicos começa mais cedo em Macau, quando em meados de Julho começarem a chegar as delegações desportivas de nove comités olímpicos que escolheram a RAEM para realizar os estágios de preparação para as Olimpíadas.

Atletas de Portugal, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde, Moçambique,  Grã-Bretanha, Kuwait, Argentina e Rússia trazem a Macau, que não pode participar nos Jogos de Pequim por não fazer parte do Comité Olímpico Internacional (COI), o perfume olímpico. Para as autoridades da RAEM a presença no território de mais de 400 participantes nas Olimpíadas é motivo de orgulho. José Tavares, vice-presidente do Instituto do Desporto (ID), confessa que a adesão “ultrapassou as expectativas”, garantindo que “não há qualquer problema no que diz respeito à capacidade de resposta de Macau”. No entender do Governo, ao acolher estes estágios, “Macau desempenha um papel de ajuda e apoio a Pequim e à China continental, uma vez que sendo uma alternativa, aliviamos a sobrecarga de delegações em algumas cidades chinesas”. Manuel Silvério, vice-presidente do Comité Olímpico de Macau (COM) sublinha que “a presença destas delegações contribui para o engrandecimento e promoção de Macau, na medida em que os representantes dos vários países e territórios têm também uma boa oportunidade para usufruir da oferta turística da RAEM”.

 

Infra-estruturas de primeiro nível 

 

Depois de ser palco em 2005 dos Jogos da Ásia Oriental (JAO), em 2006 dos Jogos da Lusofonia (JL) e no ano passado dos Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC), a RAEM tem já uma estrutura montada para tratar de aspectos logísticos, de transporte e ao nível de instalações desportivas e hoteleiras. Aliás, uma das razões que está na origem da presença de nove comités olímpicos no território tem a ver com “o facto de as infra-estruturas desportivas de Macau, algumas das quais construídas propositadamente para acolher os eventos multi-desportivos dos últimos anos, estarem de acordo com os mais altos padrões internacionais”, afirma José Tavares. Ou seja, o avultado investimento que foi despendido na construção das infra-estruturas desportivas começa a ter frutos para além dos eventos internacionais que decorreram na RAEM entre 2005 e 2007. Manuel Silvério, líder da organização daquelas três competições, salienta que “valeu a pena fazer esse esforço de construção de equipamentos e melhoria do parque desportivo de Macau”. Prova disso, diz, “é o facto de no território estarem comités olímpicos nacionais com vários atletas candidatos a medalhas nos Jogos de Pequim”.

 

O contingente britânico 

 

Além da qualidade das instalações, a pequena dimensão do território faz com que “o tempo de deslocação entre os hotéis e os recintos desportivos seja reduzido a cinco ou dez minutos”, assinala o vice-presidente do ID. De resto, “essa foi a principal razão invoca pela delegação britânica para escolher Macau para estagiar”. O Comité Olímpico Britânico traz a representação de maior dimensão, fazendo deslocar à RAEM atletas de 15 modalidades, numa delegação que inclui mais de 200 pessoas. Quer isto dizer que em Macau podem vir a estar alguns atletas britânicos de atletismo que conquistaram medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, como é o caso de Kelly Holmes, vencedora das provas de 800m e 1500m ou o quarteto que ganhou a final de 4 x 100 metros.

Da Rússia vem apenas uma modalidade, mas a escolha é de “primeira água”, uma vez que em Macau vão estar as nadadoras que conquistaram as medalhas de ouro nas provas de natação sincronizada, em Atenas. Quase todas as delegações que estagiam na RAEM decidiram trazer as selecções de natação, o que é explicado por José Tavares pelo facto de “a piscina olímpica de Macau ter condições condizentes com os níveis exigidos para as competições de topo a nível mundial”.

 

A forte presença lusófona 

 

Na preparação para os Jogos Olímpicos, os países lusófonos marcam uma presença significativa no lote de comités olímpicos que vão estar em Macau em Julho e Agosto. Portugal decidiu utilizar a RAEM como local de estágio para modalidades em recinto coberto, trazendo as selecções de badminton, tiro, trampolins, natação e ténis de mesa. A equipa de natação já conhece bem os cantos à casa, uma vez que em 2007 estagiou em Macau rumo aos Campeonatos do Mundo de Natação que decorreram em Melbourne. Um ano antes tinha preparado na Piscina Olímpica de Macau, na ilha da Taipa, a participação nos Campeonatos do Mundos de Natação em Piscina Curta, realizados em Xangai.

O Brasil terá em Macau atletas de duas modalidades: atletismo e natação. À semelhança de Portugal, a natação brasileira também já estagiou na RAEM, na preparação dos Mundiais de Xangai, em 2005. O Brasil apresenta para os Jogos de Pequim um grupo de nadadores com ambições de surpreender e lutar por medalhas, como são os casos de César Filho nos 100 metros e Kaio Almeida, 200 metros mariposa, ambos medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos, realizados em 2007 no Rio de Janeiro.

De Moçambique vêm as selecções de atletismo e natação, ao passo que Cabo Verde escolheu Macau para realizar os estágios das equipas de atletismo, boxe, taekwondo, judo e basquetebol. Timor-Leste estará presente com uma pequena delegação de atletismo. A forte componente lusófona “materializa o papel de Macau enquanto plataforma com os países lusófonos”, assinala Manuel Silvério, que também preside à Associação de Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP), cuja sede é na RAEM.

Além deste nove comités olímpicos, outros dois acabaram por desistir de estagiar em Macau. Os Estados Unidos da América planeavam trazer algumas modalidades, mas “houve problemas de compatibilidade de calendário”, revelou Manuel Silvério.

A África do Sul também manifestou interesse em estagiar em Macau, mas pretendia trazer 18 modalidades, numa altura em que já não era possível acomodar uma delegação tão numerosa.

 

Sonho olímpico vivo

 

A situação de Macau no contexto do movimento olímpico internacional é sui generis. Acolheu os Jogos da Ásia Oriental, em 2005, os Jogos da Lusofonia, em 2006, os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto, em 2007, faz parte do Conselho Olímpico da Ásia (COA) e da Associação dos Comités Olímpicos Nacionais, mas não pertence ao Comité Olímpico Internacional (COI). Por isso não é possível à RAEM estar presente nos Jogos Olímpicos realizados no país de que faz parte, ao contrário de Hong Kong que compete nos Jogos Olímpicos desde 1952, em Helsínquia.

Apesar de ter um estatuto político semelhante à região administrativa especial vizinha, Macau nunca conseguiu ver concretizado o sonho de aderir à família olímpica internacional, porque o COI nunca apreciou a candidatura apresentada pelo COM no final dos anos 1980. Pouco depois de Macau ter formalizado o pedido de adesão, as regras mudaram. O COI apenas permite a entrada de países soberanos na organização. Desde então, o “dossier” de Macau tem estado congelado. Sabe-se que o COI não tem abordado a questão da RAEM por causa das implicações que teria a entrada do COM face a outros pedidos pendentes. No entanto, Manuel Silvério salienta que “a razão está com Macau”, ao mesmo tempo que sublinha o contributo da RAEM para o movimento olímpico internacional, como os eventos multi-desportivos que estão sob o chapéu do movimento olímpico internacional e com os estágios para os Jogos de Pequim. “Macau tem mostrado trabalho, capacidade organizadora e autonomia”, garante Manuel Silvério, que também ocupa o cargo de vice-presidente do COA. O sonho por isso continua vivo para que um dia os jovens de Macau possam ter a oportunidade de viver os Jogos Olímpicos.