Qual é a dança, qual é ela?

É uma única dança portuguesa, com uma música forte, alegre e com impacto, que pode ter entre um minuto e vinte segundos a três minutos. Muito provavelmente, será uma das mais curtas actuações do Grupo de Danças e Cantares de Macau, mas ficará registada como uma das mais simbólicas do seu percurso. Afinal, o grupo vai actuar na pré-cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Daí todo o secretismo. Qual é a dança, qual é ela?

 

 

Estádio Nacional de Pequim, ou Ninho de Pássaro. Dia 8 de Agosto. A hora ainda não está definida, mas será sempre antes da Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. É o pré-espectáculo que entretém, “enquanto o público está a entrar e à espera do grande acontecimento, será a zona de entretenimento para poder apaladar o espectáculo que se segue”, explica João Fonseca, presidente da direcção do Grupo de Danças e Cantares de Macau.

“Acho que vai ser o marco histórico para o grupo. É um dos maiores espectáculos do mundo, onde vamos representar Macau e também a cultura portuguesa. Toda esta junção é um momento único. E eu não quero perdê-lo por nada”, afirma cheio de convicção João Mexia, no grupo desde novo, levado pela mãe, Isabel Telo Mexia, uma das fundadoras. Lao Tan, chegou mais tarde ao grupo, lá pelos inícios de 2000. A agora vice-presidente nem duvida de que “é uma boa oportunidade, é uma viagem especial na minha vida. Como sou amadora, nunca imaginei que pudesse de alguma forma participar nos Jogos Olímpicos.”

Ora, ser ou não ser surpresa, eis a questão, explicada por João Fonseca: “A primeira reacção foi de surpresa, mas ao mesmo tempo, não foi uma decisão que não estávamos à espera. Macau é um espaço multicultural, onde não se pode fugir à presença portuguesa, com mais de 400 anos. Ora uma delegação que vai representar Macau terá que ter uma componente portuguesa, uma componente que dê um cheirinho da comunidade local, onde convivem as duas culturas”. Trocado por miúdos, e ainda nas palavras do presidente do grupo, “não era uma surpresa que sim, nem era uma surpresa que não”. Até porque a própria China tem sido uma das maiores fãs da Lusofonia.

 

À conquista de Pequim

 

Tratadas as burocracias, ensaiados a dança e o cantar, de 29 de Julho a 9 de Agosto, 43 elementos do grupo, entre músicos, dançarinos, cabeçudos e bombos, partem à conquista de Pequim e de sonhos dos tempos de criança. “Estar nos Jogos Olímpicos é um sonho que todos nós temos. Eu sempre disse: ‘um dia gostaria de estar presente na cerimónia de abertura’. E vou estar, talvez nos bastidores, a ver a partir de um ecrã, mas vamos poder respirar o ambiente de tão grande organização”, congratula-se João Fonseca.

“O momento que vai ficar para sempre”, segundo João Mexia, é um marco olímpico de uma história que deu os primeiros passos e toques em 1991. Nasceu como Grupo de Danças e Cantares do Clube de Macau, mas anos depois, ficou-se pela primeira parte da designação. Desde sempre, o grupo multiplicou-se em actividades, “passou por momentos de fados, momentos mais tradicionais de cantares, tivemos cantares alentejanos, de Trás-os-Montes, Beira Alta. Tentámos cruzar tocata, cantata e as danças”. João Fonseca acrescenta ainda várias fenómenos culturais como as vindimas ou a desfolhada, também representados pelo grupo no passado.

1999 marcou a saída de muitos elementos do grupo, de malas feitas para Portugal. Foram vários cantadores e instrumentistas. Ficaram os instrumentos. “Chegámos a ter quatro ou cinco acordeões, agora temos uma gaita de beiços e uma concertina”, lamenta João Fonseca. Mesmo desfalcados de instrumentistas, o grupo continuou sempre fiel ao princípio de dançar e cantar tradições do norte ao sul português, sem esquecer Açores e Madeira, viajando depois a Goa, Damão e Diu e, claro, aterrando em Macau, através do tema Bastiana, cantado em patuá. Dos corridinhos algarvios, segue um baile mandado, também da região sul portuguesa, passa depois para a chamarrita dos Açores, vira para o bailinho da Camacha da Madeira, para as saias do Alto Alentejo ou para o fandango do Ribatejo, onde domina o sapateado, e roda para a tranca da Serra da Estrela, que não dispensa os paus. “E tenho que falar no Minho e Trás-os-Montes, senão ficam zangados comigo, e também nas Beiras. E o vira da Nazaré”, enumera João Fonseca alguns dos 120 números de danças e músicas que compõem o repertório actual do Grupo de Danças e Cantares. No grupo, sons e movimentos saem sempre de braço dado com os trajes típicos. E também eles vestem todas as regiões e ilhas portuguesas e as respectivas formas de vida.

 

O papel do folclore na divulgação da cultura

 

Após 1999, cursos de dança tradicional portuguesa trouxeram mais elementos chineses, que depois arrastaram amigos e conhecidos.

“Como sou professora de língua portuguesa, aproximei-me do grupo porque queria conhecer melhor a cultura portuguesa e, assim, enriquecer a minha vida profissional. Através do folclore, convivo com portugueses, melhorei muito o meu português e tenho aprendido a cultura e os costumes”, conta com orgulho Lao Tan.

“O que distingue e o que provavelmente os chineses gostam é que a nossa música e dança são diferentes das chinesas e outras que são quantificadas em passos: um, dois, três, quatro… cinco, seis, sete, oito. A nossa dança não é assim, é uma dança de alma, de coração”, garante João Fonseca. Há coreografia e passos a respeitar, é certo, “mas cada um dança de forma pessoal, interpreta à sua maneira. E o folclore português é isso.”

E este folclore português dançado pelas gentes de Macau tem já uma história de 17 anos, que também passou por vários países asiáticos e Portugal. E aqui, durante uma dúzia de dias do ano de 2002, o Grupo de Danças e Cantares deixou saudades. Afinal, não é comum ver-se um só grupo a dançar e a vestir o folclore de todas as regiões portuguesas. Mais, e esse mesmo grupo composto por muitos chineses, com a dança tradicional portuguesa no corpo. “Muitos portugueses estavam  surpreendidos por ver as danças folclóricas dançadas por outros. Estranhavam, porque não conheciam a realidade de Macau”, aponta João Mexia.

João Fonseca não esquece, por exemplo, o espectáculo do grupo “na aldeia do Seixo, muito típica. Foi uma festa brava, até às tantas, dançámos com as velhinhas e os velhinhos, os novos delirados com as nossas chinesinhas. Foi tudo uma simbiose de vinho e de um bom entrecosto e uma boa bifana com pão caseiro, numa festa popular e autêntica, com gente simples. Memorável!” Tanto, que os velhinhos não os queriam deixar sair de lá, sempre a pedir por mais uma modinha. “Foi uma grande viagem, adorei! Fui também frequentar um curso de Verão e aprendi muito, para além de que os nosso espectáculos permitiram-me conhecer melhor a vida dos portugueses. Nunca sonhei com tanto”, confessa Lao Tan.

Os elementos do grupo escrevem várias páginas de momentos altos, nomeadamente nas paragens asiáticas, como em Malaca, “recebidos pelas pessoas de coração aberto que choram à nossa partida”, refere João Fonseca. E há também o episódio de terem actuado a 19 de Dezembro de 1999, no sarau cultural que marcou o fim da administração portuguesa de Macau e, dois dias depois, a 21, participaram numa cerimónia já organizada pelas autoridades da RAEM.

Um dos próximos pontos altos já está marcado, é a 8 de Agosto, em Pequim. Quanto à incógnita da actuação, vai manter-se até aos Jogos Olímpicos.

Até lá, aceitam-se apostas.

 

Mariana Palavra