Pequim organizou com enorme sucesso os Jogos Olímpicos. Durante 17 dias, a China transmitiu ao Mundo a imagem de um país moderno e desenvolvido, que já é uma das grandes potências do século XXI. No final das provas era unânime o comentário de jornalistas, atletas, técnicos e dirigentes: foi a melhor edição de sempre dos Jogos Olímpicos.
O presidente do Comité Olímpico Internacional, Jacques Rogge, sintetizou bem o que se passou na capital chinesa: “Com estes Jogos o Mundo conheceu melhor a China e a China conheceu melhor o Mundo”.
Em termos desportivos, Pequim 2008 vai ficar ligado aos recordes de Michael Phelps e de Usain Bolt. O nadador americano ganhou oito medalhas e bateu sete recordes do Mundo, ultrapassando a mítica marca obtida pelo seu compatriota, Mark Spitz, em Munique 72 (sete medalhas e outros tantos recordes do Mundo). Phelps, que já se sagrou 14 vezes campeão olímpico (seis em Atenas), prepara-se agora para bater a marca da ginasta ucraniana Larissa Latynina, que em várias edições dos Jogos Olímpicos ganhou 18 medalhas (nove de ouro, cinco de prata, quatro de bronze). Em Londres tentará ser o atleta mais medalhado de sempre (às 14 de ouro, soma duas de bronze em Atenas 2004).
O jamaicano Usain Bolt foi outra das grandes vedetas de Pequim 2008. Três medalhas de ouro, o que já não acontecia desde Carl Lewis em Los Angeles 1984 e três recordes mundiais, um dos quais de “outro mundo” (200 metros). O antigo recordista, Michael Johnson, já apelidou Usain Bolt de “Super Homem II”.
Da selecção chinesa, que garantiu 51 medalhas de ouro, num total de 100, destaque para o ginasta Wei Yang, que arrebatou também três medalhas. O mesmo sucedeu com a nadadora australiana Stephanie Rice.
A americana Nastia Liukin, que nasceu na Rússia em 1989, deixou Pequim com quatro medalhas (uma de ouro, três de prata e uma de bronze). O etíope Kenenisa Bekele, ganhou os 5000 e 10000 metros com recordes olímpicos e Elena Isinbayeva, fã de Cristiano Ronaldo, bateu pela 24ª vez o recorde mundial. “Gosto de me sentir sozinha em prova e quero que seja assim durante muitos anos. Sentia muita tensão no público nos momentos dos meus saltos e, também por isso, adorei ter batido o meu recorde (5,05 metros). Para já ninguém me pode bater”, comentou no final, admitindo que pode chegar “aos 5,15 ou 5,20 metros dentro de quatro anos”.
A americana Natalie Coughlin, seis medalhas, uma de ouro, promete regressar em Londres. Em Atenas conquistou cinco medalhas. Já há quem lhe chame o Phelps de saia.
Os Estados Unidos que conquistaram menos 15 medalhas de ouro que a China, regressaram a casa com 110 medalhas, número nunca antes alcançado.
A Rússia, longe dos tempos da antiga União Soviética, obteve menos 20 medalhas do que em Atenas 2004. Em sinal oposto, a Grã-Bretanha, que vai organizar os próximos Jogos Olímpicos, ganhou mais 17 medalhas.
Portugal ficou longe dos objectivos traçados, mas conquistou uma medalha de ouro (Nelson Évora, triplo salto) e uma da prata (Vanessa Fernandes, no triatlo), o que nunca tinha sucedido.
15 medalhas para o Brasil
O Brasil, que sonha com a organização dos Jogos Olímpicos em 2016, foi o país lusófono com melhores resultados. Os atletas brasileiros alcançaram 15 medalhas (três de ouro, quatro de prata e oito de bronze), igualando o que tinham feito em Atlanta 96. Em Atenas ganharam 10 medalhas, cinco títulos olímpicos e duas de prata e três de bronze.
O nadador César Cielo, que estagiou em Macau a caminho de Pequim, garantiu duas medalhas, uma de bronze e outra de ouro, tornando-se o primeiro nadador brasileiro a ganhar uma prova olímpica. “Não tem sensação mais fantástica que olhar o número 1 na frente do seu nome no ecrã gigante duma competição como esta. Estou no melhor momento da minha vida. Agora sou campeão olímpico, um sonho que tinha desde criança”, disse o brasileiro, que também tem excelente aproveitamento académico na Universidade de Auburn, no Alabama, Estados Unidos.
Duas duplas masculinas, no voleibol de praia, levaram para casa as medalhas de prata e de bronze e na vela o Brasil conquistou a primeira medalha na classe 470 feminina. A selecção feminina de voleibol arrebatou, pela primeira vez, a medalha de ouro e o conjunto masculino não conseguiu vencer na final os Estados Unidos. Destaque também para o judo com três medalhas de bronze.
No atletismo, realce para Maurren Higa Maggi que ganhou o salto em comprimento. “Com a Naide Gomes a briga ia ser dura, mas eu ganhava”, disse no final.
O futebol voltou a falhar o ouro, garantindo apenas o bronze, enquanto as “canarinhas” repetiram o desaire na final com os Estados Unidos.
Ainda não foi em Pequim que Angola conquistou a primeira medalha olímpica. João N’tyamba não terminou a maratona, as equipas de basquetebol masculino e andebol feminino classificaram-se na 12ª posição, a dupla de voleibol de praia foi 19ª e as duas nadadoras angolanas não passaram das eliminatórias.
A moçambicana Maria Mutola não conseguiu nenhuma medalha, mas obteve um excelente quinto lugar nos 800 metros. Depois do ouro em Sydney e de bronze em Atlanta, a tri-campeã mundial dos 800 metros despediu-se em beleza dos Jogos Olímpicos.
Os restantes países lusófonos marcaram presença em Pequim com poucos atletas, com o objectivo de ganhar experiência, como sucedeu com Cabo Verde. “Ganhar mais cultura, mais experiência e maior nível de competição” foi muito importante para os nossos atletas: Nelson Cruz (maratona) e Wania Monteiro (ginástica)”, reconheceu o presidente do Comité Olímpico de Cabo Verde, Franklin Palma.
S.Tomé e Príncipe levou a Pequim três atletas, Alcino Vaz (canoagem), Nael de Almeida e Celma Graça (atletismo), a Guiné-Bissau também participou com três atletas: Holder da Silva e Domingas Togna (atletismo) e Augusto Midana (luta greco-romana) e Timor-Leste levou aos Jogos Olímpicos dois maratonistas (Mariana Dias Ximenes e António Ramos).
De Naide Gomes a Liu Xiang
São dois nomes grandes do desporto chinês e português, mas não brilharam em Pequim 2008. Liu Xiang, campeão olímpico e mundial dos 110 metros barreiras, desistiu por lesão, nas eliminatória. Naide Gomes, campeã mundial em pista coberta, não conseguiu o apuramento para a final.
Os noventa mil chineses que estavam no Estádio Olímpico e os milhões que acompanhavam pela televisão não queriam acreditar no que estava a suceder. A principal figura do desporto da China regressava aos balneários do Ninho de Pássaro agarrado à perna e exibindo grande sofrimento no rosto. Poucos minutos depois, o treinador Sun Haiping, perante as câmaras de televisão, chorava e mal conseguia explicar que não tinha sido possível superar a lesão no tendão de aquiles. Foi o pior momento para a delegação chinesa, que tantos êxitos teve, mas também alguns falhanços, como o de Liu Xiang ou de Du Li, que era a grande candidata no tiro e saiu da competição a chorar: “a culpa da minha desgraça foi desta terrível pressão de ter de competir em casa e ganhar em casa”. Foi apenas quinta classificada.
A milhares de quilómetros a esperança em Naide Gomes era também enorme. Mas a antiga campeã europeia de pista coberta não se adaptou à velocidade da pista do Estádio Olímpico (preparada para a obtenção de grandes marcas) e não conseguiu saltar para se apurar para a final. Depois de dois saltos nulos, o terceiro deixou-a longe da marca que a podia levar ao ouro.
Mas não foram apenas a China e Portugal que tiveram grandes falhanços nos Jogos Olímpicos.
A brasileira Fabiana Murer, candidata a uma medalha no salto à vara, não foi além do 10º lugar, depois da organização ter trocado as suas varas, o que deixou a atleta bastante nervosa.
O espanhol Francisco Javier Gomez, a Vanessa Fernandes do triatlo masculino, não foi além do quarto lugar e as estafetas americanas dos 4×100 metros falharam a transmissão do testemunho nas meias-finais, o que as afastou da luta pelas medalhas. O vencedor da Volta a França, Carlos Sastre, ficou atrás do português Nuno Ribeiro, que foi 27º na prova de estrada, que ligou a célebre Praça Tiananmem à não menos famosa Muralha da China.
Roger Federer, então número um mundial do ténis, contentou-se apenas com a medalha de ouro em pares, já que em singulares foi eliminado nos quartos-de-final pelo americano James Blake.
Vencer a leucemia
Depois de oito medalhas em Pequim, Michael Phelps garante que “gostaria de encontrar aquela professora que, quando eu era pequenino, chamou a minha mãe a uma reunião e lhe disse que eu nunca seria ninguém na vida”.
O nadador de Baltimore advertiu que provou na capital chinesa que “ para mim não há nada impossível” e assegurou que “é mais fácil ganhar oito medalhas do que aprender mandarim. É a coisa mais difícil que tentei fazer na minha vida”. Para os próximos meses um desejo: conhecer o antigo basquetebolistas Michael Jordan e o número um do golfe, Tiger Woods.
Mas nos Jogos Olímpicos há grandes histórias, que não se circunscrevem apenas à conquista de medalhas, como é o caso de Maartenu Weijden. O holandês que ganhou os 10 quilómetros de águas abertas quer vencer a leucemia, que lhe foi detectada há vários anos. Maartenu Weijden, que tem como ídolo o campeoníssimo Lance Armostrong (ganhou sete vezes a Volta à França e também ultrapassou um grave problema de saúde), espera agora conquistar um título mais importante para a sua vida: a medalha de ouro da saúde.
Natalie du Toit foi a primeira atleta a classificar-se para as provas olímpicas e paraolímpicas. A sul-africana competiu nos 10 quilómetros de águas abertas. Um acidente de mota, aos 17 anos, não lhe tirou a vontade de competir. “A tragédia da vida não é falhar as metas a que te propões, é não ter metas para alcançar”, diz com um sorriso nos lábios. “Sempre sonhei participar nos Jogos Olímpicos e o facto de ter perdido a perna esquerda nunca me fez desistir desse sonho”, acrescentou Natalie du Toit.
A porta-estandarte da Polónia também participou nos Olímpicos e nos Paraolímpicos. Com 19 anos, Natalia Partyka nasceu com uma deficiência no braço direito, mas isso não a impediu de se dedicar ao ténis-de-mesa.
Medalha aos 41 anos
A americana Dara Torres, que começou a competir em Los Angeles, aos 17 anos, ganhou três medalhas em Pequim. Com 41 anos, a antiga repórter da cadeia televisiva ESPN, já ganhou 12 medalhas. Vive em Parkland, perto de Coral Springs. Toda a alimentação é integral, faz ioga, pilates e musculação. Tem a trabalhar só para si em full-time dois fisioterapeutas, dois massagistas, treinador de força fora de água, treinador de velocidade, nutricionista e educadora de infância para cuidar da filha.
Bolt “não é humano”
O que Usain Bolt fez em Pequim surpreendeu todo o Mundo, incluindo antigos campeões como Michael Johnson. “Junta velocidade incrível a passada larga. Essa combinação é fatal”, disse o agora comentador de televisão e antigo recordista do mundo.
Usain Bolt, 22 anos, 1,96 metros, 86 quilos, que na Jamaica treina numa pista de relva e não no tartan, é um atleta do século XXII. “Usain não é humano. É desmoralizante correr com Bolt”, disse Kim Collins, sexto classificado nos 200 metros.
O pai de Usain Bolt diz que tudo se deve “à mandioca jamaicana!”. O brasileiro Sandro Viana, eliminado nos quartos-de-final dos 200 metros, vai mais longe:”Bolt está três níveis à frente de toda a gente, o que é bem estranho. A biomecânica mostra que, para correr os 100 metros, um atleta, mesmo de ponta, precisa de mais de 45 passos. Ele deu 39. Seja o que for, não o saberemos em Pequim. Foram precisos oito anos para a Marion Jones ser desmacarada…”
Londres promete fazer melhor
Depois do tenor espanhol, Plácido Domingo, e de Song Zuyin, uma das mais famosas cantoras chinesas da actualidade, terem interpretado A chama do amor, Londres teve, na cerimónia de encerramento, uma entrada de rompante no Estádio Olímpico. O autocarro vermelho na pista, com a inscrição London-Beijing-London arrancou enormes aplausos quando começou a actuação do guitarrista dos Led Zeppelin, Jimmy Page, e da cantora inglesa Leona Lewis. Mas a maior ovação foi para o futebolista David Beckham, que não perdeu a oportunidade de horas antes do encerramento ver o seu amigo Kobe Bryant ganhar o ouro no basquetebol. “Vimos o que os chineses fizeram e tenho a certeza de que seremos melhores. Sem dúvida”, disse o jogador, que é embaixador dos Jogos 2012. “Sou um rapaz do leste de Londres, estou muito feliz de participar neste momento”, acrescentou a antiga vedeta do Manchester United e Real Madrid.
Kobe Bryant não vai mudar de nome
“Eu sei, nós sabemos, que se quisermos continuar a ser americanos só temos um chance: ganhar o ouro. Se isso não acontecer, eu vou virar italiano, vou ser… Kobe Giovanni!”. A frase é da estrela americana Kobe Bryant e foi dita na conferência de imprensa de apresentação da equipa de basquetebol dos EUA, realizada no centro de imprensa a 6 de Agosto.
A 24 de Agosto, último dia dos Jogos Olímpicos, os espanhóis, nomeadamente o seu colega de equipa nos Los Angeles Lakers, Pau Gasol, quase obrigaram Bryant a mudar de nome.
Na fase final de um desafio épico, foi “obrigado” a demonstrar todo o seu valor e com dois triplos garantiu o triunfo. E assim sempre pode manter o nome…
Pontapé no árbitro…
Os Jogos Olímpicos devem caracterizar-se por enorme fair-play, mas há atletas que não conseguem suportar a pressão. Foi o que sucedeu ao campeão olímpico em Sydney, Angel Valodia Matos.
Depois de ter sido declarada a sua derrota na luta pela medalha de bronze, na categoria de + 80 kg, no taekwondo, o cubano agrediu a pontapé o juiz sueco Chakir Chelbat, que ficou a sangrar da boca.
A Federação Mundial de Taekwondo decidiu imediatamente banir o atleta e o seu treinador, Leudis Gonzalez, da modalidade.
Tudo aconteceu no segundo assalto do combate, quando Angel Matos vencia por 3 a 2 e sentiu uma dor no pé direito. Caído no chão, o cubano tentava recuperar, quando finalmente se levantou o árbitro sueco declarou a vitória do lutador do Cazaquistão, alegando que a recuperação médica demorou mais do que é permitido. Uma decisão que irritou o cubano que se “atirou” ao árbitro. O treinador também não gostou da decisão do árbitro e gritou: “o combate estava comprado”.
…sem medalha
O sueco Ara Abrahamian foi expulso dos Jogos Olímpicos e teve de devolver a medalha de bronze conquistada na luta greco-romana (84kg). O sueco, prata em Atenas 2004, queria sagrar-se campeão olímpico, mas perdeu nas meias-finais com o italiano Andrea Minguzzi.
Um combate que, segundo Ara Abrahamian, foi mal arbitrado. Depois de receber a medalha de bronze, atirou-a para o chão e foi embora. “Não me importa esta medalha, eu queria o ouro”, disse.
A Comissão Disciplinar do Comité Olímpico Internacional não gostou da atitude do sueco e retirou-lhe a medalha.