Tão longe…e tão perto

Uma empresa guineense na província chinesa de Guangzhou. Um estudante nigeriano em Cantão. Uma companhia aérea da Etiópia com 14 voos semanais para a China. Já não é só a China que quer chegar aos novos mercados africanos. O reverso da medalha também já existe

 

Quando chegou o intervalo de quinze minutos, os jornalistas dirigiram-se às cadeiras situadas à frente do palco e pediram a Ruth Sereti Solitei para lhes dar uma entrevista. A embaixadora do Quénia, na China, mostrou-se surpreendida pelo pedido. Porque não entrevistavam o representante do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas na China ou o Chefe do Executivo de Macau, perguntou. Ruth não entendia o interesse dos jornalistas por ela, mas a verdade é que o seu discurso no Fórum para a Cooperação das Empresas da China e dos Países Africanos continha a frase chave daquela reunião de dirigentes. No meio da sua intervenção, a embaixadora dissera “agora, a África está pronta para a China”.
O Fórum, organizado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) com o Conselho de Negócios China-África (China – Africa Business Council) no dia 23 de Maio sob o tema ‘Oportunidades de negócios, benefício para todos os intervenientes’, estava integrado na Exposição de Exportadores de Chá que juntou, em Macau, embaixadores e conselheiros de vários países africanos, assim como representantes da China durante três dias.

A encabeçar a lista dos 12 intervenientes do Fórum, que discursaram durante pouco mais de duas horas e meia, Edmund Ho, Chefe do Executivo da RAEM. “A China e os países africanos são velhos amigos e parceiros em pé de igualdade, com relações bem consolidadas entre os seus empresários”, começou por dizer Edmund Ho, abençoando assim as relações comerciais entre os dois gigantes. A China desejava mais África, e, segundo a embaixadora do Quénia, a África estava pronta para a China.

Ruth lá acedeu, com um sorriso, aos media, explicando que “nós não somos estranhos uns para os outros, mas agora está a começar uma nova era”. A embaixadora tentou não falar no caso específico do Quénia, mas englobar as necessidades africanas nas suas respostas. “Nós precisamos de estradas, energia, comunicações. E todo o continente tem de ser desenvolvido, porque se o meu país tiver estradas em bom estado, por exemplo, de nada lhe servirá, se não puder circular com segurança nos países vizinhos.”. Ruth Sereti Solitei admitiu que a maioria da economia dos países africanos está baseada na agricultura, e “há oportunidades de negócio, queremos convidar as empresas chinesas a conhecer-nos melhor e queremos aprender com elas”. Só no Quénia existem, segundo a embaixadora, cerca de uma centena de empresas chinesas que geralmente operam na área imobiliária, construção e comunicações. E o Quénia responde, exportando produtos agrícolas para a China. Como o chá. “No que toca ao chá, o Quénia é o país africano que mais exporta. De Mombaça saem as folhas de chá de Moçambique, da Tanzânia, do Zimbabué. O Quénia junta tudo e vende”, explica Mohammed Heiza, um consultor egípcio de chá, presente na Exposição de Exportadores de Chá, que aconteceu paralelamente ao Fórum. Segundo Renaud Meyer, igualmente participante do fórum como representante do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas na China, o início da Cooperação Sul-Sul, nos anos 60, mais pareceu um slogan e um tópico de discussão do que uma realidade concreta. “Só nos últimos anos é que as relações comerciais e os investimentos emergiram. As estatísticas oficiais chinesas adiantam que as relações bilaterais entre a China e a África aumentaram de 40 mil milhões de dólares americanos em 2005 para 73 mil milhões em 2007. Por seu lado, o investimento chinês nos países africanos foi de 317 mil milhões de dólares americanos em 2004 tendo chegado aos 519 mil milhões de dólares americanos em 2006”.
Em Novembro de 2006, o Presidente da República, Hu Jintao, discursava no Fórum para a Cooperação entre a China e África, em Pequim. Foi um dos momentos mais importantes das relações entre África e China, palavras que marcaram o futuro. Hu Jintao garantiu que duplicaria a assistência dada aos países africanos até 2009 e acrescentaria cinco mil milhões de dólares americanos ao Fundo de Desenvolvimento China-África, de forma a encorajar as empresas chinesas a investir em África. Segundo o jornal “China Daily”, no mesmo Fórum, Paul Kagame, presidente do Ruanda disse que “as empresas chinesas podem vir a ter um papel determinante nos nossos processos de desenvolvimento”.

Será que a China conseguirá fazer o que os fundos das Nações Unidas e a boa vontade de milhares de Organizações Não Governamentais nunca conseguiram?

Para Renaud Meyer, as intenções da China irão contribuir para atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, definidos na Declaração do Milénio, adoptada em 2000, pelos 189 Estados Membros da Assembleia-Geral das Nações Unidas. No prazo de 25 anos, pretende-se erradicar a pobreza extrema e a fome, atingir o ensino primário universal e criar uma parceria global para o desenvolvimento.

 

A China e a Etiópia

 

Longe vão os dias em que o mundo se afligia com a agonia dos etíopes, crianças deixadas à fome e à sede sem esperar mais do que um último sopro. As imagens já desapareceram dos media, mas embora a pobreza ainda não tenha desaparecido, Haile-Kiros Gessesse, embaixador da Etiópia na China, explica que o seu país já não é o mesmo, tendo crescido dez por cento nos últimos cinco anos. A principal força do país é a agricultura e é aqui que a China entra. “Temos muitos investidores estrangeiros na Etiópia, mas os chineses são uma das mais largas comunidades. Aliás, a Ethiopian Airlines tem 14 voos semanais para a China”, explica Gessesse, acrescentando que o seu país sempre foi muito aberto a outras culturas. “Nós nunca fomos uma colónia e sempre aceitámos refugiados, portanto somos um povo muito hospitaleiro que está habituado a ter outras culturas no seu território”.

Com um sorriso que não esconde o orgulho, o embaixador admite que os últimos dez anos é que marcaram um grande aumento do investimento chinês na Etiópia. “A comunidade chinesa é das maiores que temos, sobretudo a explorar a agricultura. A Etiópia é um país que produz muito sésamo, feijão, café e, neste momento, está a desenvolver muito a área da floricultura”.

Segundo um artigo publicado no “Sunday Times”, no dia 20 de Abril de 2008, existem cerca de 800 empresas chinesas em África. E o argumento é só um. “As empresas privadas chinesas querem investir no exterior porque têm capital para o fazer”, explicou Li Yi Ning, vice-presidente do sub-comité de Economia da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, [organismo consultivo político da China], durante o Fórum para a Cooperação das Empresas da China e dos Países Africanos.

 

Um empresário guineense na China

 

A China tem dinheiro para investir. Mas não se limita a isso. A China tem bons preços. Se em qualquer cidade, bairro ou rua onde se instalaram as ‘lojas dos chineses’ existem queixas dos comerciantes locais que não aguentam a competitividade dos preços, também a nível mundial isso se faz sentir.

“A China tem os melhores preços, a Europa e a América são muito caras, então nós exportamos da China aparelhos de electrónica e mobiliário para África”,  explica Abou Bacar Atallo.

Natural da Guiné-Conacri, está a estudar administração em Cantão, colaborando ao mesmo tempo com a empresa do irmão na província chinesa de Guangzhou. E o que é que leva um guineense a montar uma empresa na China? Os preços competitivos.

A empresa do irmão de Abou exporta para a Guiné-Conacri e para a Libéria desde 2001 e o guineense admite que, quando um estrangeiro ultrapassa as burocracias chinesas, e os serviços centrais começam a entender que as intenções dos empresários são sérias, “facilitam muito o lançamento de uma empresa estrangeira na China. Neste momento, ainda só estou a ajudar o meu irmão, estou a aprender, mas quero fazer parte da companhia, não quero sair da China”. Aos 24 anos, Abou Bacar Atallo é o rosto vivo do que a cooperação China-África pode criar.

 

O maior desafio

 

Numa das salas imponentes do Centro de Convenções do Venetian Macau, os discursos chineses são traduzidos em inglês e português. Entre os fatos escuros que a ocasião pede, os longos lustres que caem dos tectos coloridos e as cadeiras cobertas de cetim, realçam-se uns poucos rosas fuschia dos lenços com que algumas mulheres africanas enfeitaram a cabeça, uns sapatos de pele de cobra ou as bonitas tranças negras encaixadas, formando desenhos quase artísticos, quase pintados à mão. São desenhos de África em terra chinesa.

Numa das últimas filas de cadeiras, sentam-se três estudantes de Cantão. Todos eles estão a aprender os meandros económicos da administração. Dois vêm do Quénia, o outro é da Nigéria. “A China abriu as suas portas e toda a gente quer vir para cá aprender”, explica Shettima Tella Zimboh, que também admite que este contacto com a China é essencial para o seu futuro. Já não faltam empresários chineses na Nigéria, estando a maioria a explorar a área de construção. Entender os chineses e sobretudo a China é uma mais-valia para o currículo, sobretudo quando “as comunidades chinesas na Nigéria pouco sabem falar inglês, a língua oficial da Nigéria, como ex-colónia inglesa”, explica o estudante.

A língua é um dos obstáculos da comunicação entre chineses e africanos, mas ainda assim, não passa de um detalhe que o tempo deverá ultrapassar naturalmente. O maior desafio que ainda se põe, segundo Ruth Sereti Solitei, embaixadora do Quénia na China, é a comunicação das duas culturas. Ou seja, as especificidades de cada sítio. “Uma média empresa em África não tem nada a ver com uma média empresa na China. São escalas diferentes. Basta ver o tamanho deste edifício onde estamos [o Venetian é o maior casino do mundo e o segundo maior edifício do mundo], as nossas empresas são muito mais pequenas, mas funcionam perfeitamente. Para nós, são óptimas”. O conselho de Ruth é que chineses e africanos se sentem mais vezes frente-a-frente para dialogarem sobre as necessidades de cada um.

Próxima paragem: Cabo Verde.

 

A língua que junta China e países africanos

 

Actualmente, dos 53 países africanos, 48 têm relações diplomáticas com a China. Há mais de 50 anos que as duas partes têm trocas comerciais frequentes mas, com a realização do Fórum de Cooperação China-Africa (FOCAC) em 2000, a cooperação económica entrou numa nova fase de desenvolvimento.
De acordo com o Ministério do Comércio da China, desde 2003, o comércio e o investimento entre a China e os países africanos registou um crescimento de 40 por cento. A China é o segundo maior parceiro comercial da África e, em 2007, o volume de comércio atingiu 70 biliões de dólares americanos. Neste momento, África é o segundo maior fornecedor de petróleo bruto da China e é classificado como terceiro maior destino de investimento da China.
Com o intensificar das relações económicas e comerciais entre a China e os Países Africanos, foi criado o China-Africa Business Council (Conselho de Negócios China-África) em Março de 2005, e, dois anos depois, era inaugurado, em Macau, o Conselho de Negócios China-África de Macau, cuja missão é promover as trocas comerciais entre empresas e associações comerciais locais e os países africanos.
Por motivos linguísticos, históricos e culturais, Macau mantém uma relação privilegiada com os países africanos, especialmente os de língua portuguesa, pelo que a Região Administrativa Especial de Macau desempenha o papel de intermediário na cooperação económica entre os países de língua portuguesa e o resto da China.
Segundo uma fonte do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), a primeira e segunda Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa foram muito bem sucedidas, em 2003 e em 2006, respectivamente. “Logo na 1a edição do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa foi concretizado o estreitamento da parceria entre o IPIM, o CPCIC (Conselho para a Promoção do Comércio Internacional da China) e os Organismos de Promoção Comercial / Câmaras de Comércio de sete Países Lusófonos num Protocolo de Cooperação, assinado pelas partes intervenientes. O acordo passava pela realização de um Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa como uma das actividades de acompanhamento, prevendo-se a sua realização anual, em regime rotativo, nos países participantes no referido Protocolo de Cooperação”
O evento já se realizou em Xiamen (China), Luanda (Angola), Lisboa (Portugal), e Maputo (Moçambique), “tendo chegado a atrair mais de 1600 empresários da China e dos países lusófonos e a concretizar centenas de bolsas de contactos nas áreas de turismo, sector bancário, comércio de importação e exportação, agenciamento de produtos e serviços, construção civil e serviços de consultadoria jurídica”, explica a fonte do IPIM.