Costeleta à moda de Macau

Receita mais simples para o sucesso não podia encontrar. Começou por ser uma gracinha e acabou em quase todas as tascas de Macau. O pão com costeleta de porco frita, sem mais adornos, foi ideia de alguns portugueses que iam à tasca da senhora Kok Loi Hou, há mais de duas décadas, procurar um bocadinho do sabor luso. Tia Hou, como é conhecida a patroa, fazia o simples manjar para aqueles que lhe pediam e que tinham pressa na sua hora de almoço. Afinal, coisa mais simples não há.

 

Frente ao edifício da antiga Câmara das Ilhas, na ilha da Taipa, o pequeno estabelecimento de comidas e bebidas da Tia Hou era, na altura, um negócio familiar discreto. Mas os anos passaram e as mesas foram aparecendo, cada vez mais, ocupando grande parte do passeio. A filha da tia Hou, Wendy Chan, entretanto cresceu e juntou-se ao negócio. E também cresceram em número os ‘comensais’ que procuram na tasca da Tia Hou a tal sandes, conhecida em Macau como ‘chu pa pao’ – literalmente, em cantonês, “costeleta e pão”.

Preparar o sucesso implicou alguma investigação, que a Tia Hou disse ter feito. “Fui experimentando as costeletas, o pão e a forma de fritar a carne. Os clientes portugueses iam dando a sua opinião, até chegar ao que vendemos hoje em dia”. E o que vendem tem tanto de saboroso, como de exclusivo. A equipa de Wendy e Hou só prepara 500 sandes por dia, vendidas a partir da hora do almoço. Esgota-se sempre tudo. A longa fila que muitas vezes se materializa do nada à porta da sua tasca é sinal de que a receita vingou. Turistas da Malásia e de Singapura metem-se num táxi, em Macau, com destino à Taipa só para provar a célebre sandes, feita no local que a tornou famosa. Um deles, Cheryl Tay, disse que em restaurantes chineses da Malásia vendem-se sandes de costeleta de porco frita “à moda de Macau”.

Melhor homenagem a tia Hou não esperava receber: “Hoje em dia vendem-se por aí, em todo o lado, mas a minha receita é a minha. Há um segredo, que está no tempero que colocamos na carne, mas isso não digo, senão deixa de ser segredo”.

A matriarca do negócio, de grande sucesso, é uma mulher pequenina e tímida, de poucas falas. Já quase não vai à loja, deixa na mão da filha as chatices diárias. Nem lá vai comer. Mas quando aparece, mete-se em tudo. Vai à cozinha e controla o que sai nos tabuleiros para a mesa dos clientes. “Há mais de quarenta anos que tenho a tasca nesta esquina. Quando comecei a preparar a sandes, apenas uma mão cheia de ‘comensais’ cá vinha. Eram os clientes habituais, que trabalhavam aqui perto, incluindo os portugueses. Desde que um jornal de Hong Kong falou na minha sandes, há mais de dez anos, que esta romaria começou”, diz a tia Hou, sem sorrir. Está feliz com o seu sucesso, mas quem a ouve e vê até pode pensar o contrário. Parece estar nervosa, mas a filha Wendy, mais habituada a estas conversas com jornalistas, completa as frases da mãe, com o à vontade de quem nasceu em berço mais abençoado: “Nós não vendemos mais porque não podemos”, indica Wendy. “Aos fins-de-semana fazemos 800 sandes, mas não temos condições para mais”, acrescenta, com ar de quem lamenta não poder explorar melhor a sorte. As paredes da tasca estão salpicadas com os recortes de artigos sobre a sandes, escritos pela imprensa estrangeira e local, assim como com as fotografias de famosos de Hong Kong e arredores que já lhe prestaram uma visita à tasca. Mas não deixa de ser uma tasca, com mesas velhas, azulejos e mosaicos sujos e uma cozinha caótica, que dá para um pátio interior que serve também de armazém improvisado.

Mas o que torna essa sandes especial? Deve ser o pão. É pão cozido em forno de lenha. Coisa que rareia em Macau. A carne é importada do Brasil e o tal tempero que a tia Hou guarda com a própria vida remata a receita.

Amassado à mão de manhã cedo, pelo padeiro Sit, a massa descansa e depois é cortada a olho e colocada em tabuleiros dentro do forno, que é pequeno e de ferro muito velho. A tia Hou também aprendeu dos portugueses essa técnica de cozer a massa em forno de lenha. Sit, que tem os cabelos cheios de farinha e trabalha sem camisa, por causa do calor, garante que não usa nenhuma máquina para amassar: “Tudo é feito à mão”. Depois, há o processo de fritura das costeletas. “A carne tem de estar no óleo muito quente o tempo certo. Nem demasiado frita, nem mal passada. É carne de porco, tem de ser bem cozinhada”, acrescenta.

O resultado final? Um pão saboroso, fresquíssimo, de consistência forte e cor esbranquiçada, cujo miolo absorveu parte da gordura da carne frita. A costeleta é fina, quase estaladiça, e servida com osso. Normalmente quem lá vai, pede duas de cada vez…