O belo adormecido da China 

Tem cabeça de camelo, olhos de lebre e patas de tigre e há mais de dois mil anos que baila como a serpente na China. O dragão do Oriente é mais velho e amistoso que o primo ocidental. Celebrado na diáspora, adormeceu na China durante algum tempo, após a fundação da República Popular, mas em Macau sempre dançou. Está de volta ao Império do Meio para reforçar a sua identidade. É um despertar que arranca logo no Ano Novo Chinês 

 

O dragão ocidental pôs à prova a valentia de muitos príncipes nas lendas europeias, mas nasceu das trevas medievais para sair sempre derrotado. A Oriente não tem melhor aparência, mas é amado e não temido. O nobre dragão da China começou por ser conhecido como o Espírito do Rio. Nos últimos dois mil anos, dançou para imperadores, foi deus da Chuva e boas colheitas trouxe ao povo do Império do Meio, que salvou ainda de muitas epidemias. O dragão do Oriente que há muitos anos persegue a Pérola da Sabedoria chinesa é mais do que uma figura mítica auspiciosa, é o símbolo de um povo. Afinal, os chineses acreditavam que o imperador era a incarnação do dragão.

Os dragões sempre animaram a diáspora chinesa e Macau é o único sítio do mundo onde a Festividade do Dragão Embriagado invade as ruas da cidade na Primavera, garante um estudo do Museu Marítimo de Macau sobre esta celebração. Foi durante muitos anos mais fácil encontrar em Nova Iorque, em Macau ou em Paris quem tenha assistido a uma dança do dragão do que na China profunda. Mas o dragão está de volta ao seu berço e até vai passar a entrar em competições desportivas como os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.

“Devido aos seus atributos, o dragão tornou-se a partir da Dinastia Han (206 a. C. – 220 d.C.) símbolo do poder imperial. Os próprios imperadores eram encarados como incarnações do dragão. Para os letrados confucianos, este animal mítico dotado de poderes sobrenaturais representa força, virtude e honestidade. Para o povo, o dragão é uma divindade aquática”. Essa vocação dos mares ainda hoje é vivida com fervor pela comunidade piscatória de Macau. O Museu Marítimo acredita que o dragão “assume um papel preponderante” a quem faz dessa profissão o seu ganha-pão, seja em terra (Festividade do Dragão Embriagado) seja no mar (Festividade dos Barcos Dragão). É tão popular que há uns anos subiu mais alto do que nunca para dançar a 233 metros de altura, no topo da Torre de Macau, animando os céus com as suas cores berrantes e o seu corpo ondulante.

Apesar de muito celebrado noutras ocasiões, o dragão é mais popular no Ano Novo Chinês ou não fosse um grande símbolo de sorte e prosperidade. É nesta altura do ano que o dragão se engalana e chega a ter 68 dançarinos a bailar no seu ventre. Como o leão, também baila noutras cerimónias, como casamentos e inaugurações. Mas o grande ícone da China, do qual descende o povo chinês, é o grande protagonista do Ano Novo Lunar e as trupes começam a preparar os trajes garridos e a treinar os complicados movimentos desta dança, que tanta coordenação exige, meses antes da festa começar, alinhando com o leão nas festividades.

Ambos competem e entretêm o público, dançam ao som dos gongos, címbalos e tambores. O leão ainda tem mais em comum com o dragão: nasceram da imaginação dos chineses. Contudo, acredita-se que os vestígios do ás dos céus da pré-história, o Pterossauro, que chegava a pesar uma tonelada, tenham despertado a curiosidade dos chineses, levando-o à representação do dragão. Descobertas recentes de arqueólogos chineses e brasileiros fazem crer que este primo dos dinossauros tenha existido em grande número em Liaoning, uma província do Sul da China. A imagem do dragão mudou muito ao longo dos tempos. Hoje é mais delicado e florido do que nunca, mas é cada vez mais popular na China e além-fronteiras, onde seduz como uma serpente alada.

 

Os reis de todos os mares

 

O dragão pode ser Celestial, protegendo e apoiando as casas dos deuses. Também há o Espiritual que cria vento e chuva para bem da humanidade. Existe ainda o Dragão de Tesouros Escondidos. Monta guarda à riqueza que nenhum humano consegue ver. Há o Dragão de Asas e até de Chifre. O de Anéis habita as águas e o Amarelo representa aquele que emergiu do Rio Lo.

Nos tempos mais modernos foram definidos quatro dragões imperiais, que são identificáveis pelos Espíritos da Serpente dos hindus. Cada um reina nos quatro mares que fazem a fronteiras da terra habitável e os palácios subterrâneos, as suas abóbadas, são conhecidos como o Mar do Oriente, o Mar do Sul, o Mar Ocidental e o mar do Norte

 

A todo o comprimento

 

É no Ano Novo Chinês que o dragão mais se alonga para mais sorte dar a quem o vê dançar. É por segmentos que está dividido o seu corpo, medindo cada um entre 150 a 180 centímetros de comprimento. Embora possa ser composto por 46, é mais comum variar entre sete e 13 secções, sendo cada uma controlada por pelo menos quatro dançarinos. A cabeça do dragão é mais pesada do que se imagina, são 14, 5 quilos de tecidos, cordelinhos e armações para um corpo de 284,5 centímetros, que pode ser manobrado por mais de 68 pessoas.

Durante a dança, cada bailarino segura uma haste de alumínio com a qual manobra a secção do corpo do dragão que lhe compete. A orientação é determinada por uma esfera dourada, a Pérola da Sabedoria Chinesa, que se movimenta em frente do dragão.

 

Prole de toda a espécie

 

Reza a lenda que o dragão tem nove filhos, assemelhando-se os mais velhos a uma tartaruga, um tigre, um lagarto e um búzio. Tanto o quinto como o sexto filhos do dragão saem ao pai, mas o mais velho era amarelo e apreciava música e o outro assustava qualquer cetáceo apesar de ser mais pequeno. O sétimo lembra um lobo e o oitavo um leão que gostava de se sentar e apreciar os fuminhos do incenso. O nono filho do leão tem as feições de um chacal por gostar de matar, mas segundo outra lenda era um Pixiu, uma figura feroz mas auspiciosa com corpo de cavalo e cabeça de dragão.

 

Um pai pré-histórico

 

É muito provável que o dragão seja inspirado nos répteis voadores da pré-história. Os pterossauros são fósseis muito populares. A sua presença mais antiga data aproximadamente de há 225 milhões de anos. Totalmente extintos, os pterossauros desapareceram há 65 milhões de anos. Nesse intervalo de 160 milhões de anos, esses animais alados reinaram nos céus da Groenlândia à Austrália, tendo sido detectadas cerca de 150 espécies.

 

Um dragão contudo…

 

Em aparência os dragões são um híbrido de muitos animais. Se os chifres significam longevidade, as orelhas de búfalo denotam sucesso nos exames imperiais chineses. Os olhos de tigre são um sinal de poder e as garras de águia dão nota da sua valentia, enquanto a cauda de peixe lhe dá flexibilidade e os dentes de cavalo são marca da sua diligência.

 

Cores com bons feitios

 

Há dragões de muitas cores e feitios mas não é à toa que um é vermelho e o outro é verde. A primeira cor representa excitação do dragão, enquanto a segunda traz boas colheitas. Já o prateado ou dourado simbolizam prosperidade. Alguns autores dizem que o dragão pode ainda ser azul, preto e branco. Mas de todos estes, o amarelo é o mais reverenciado.

 

Dança de standards

 

Gruta da Nuvem

Remoinho

Padrão Tai Chi

Enfiando as Moedas no Fio

À Procura da Pérola

Dragão Cuspindo a Pérola

Dragão Enrolando-se na Coluna