Entre a cerimónia e a superstição

As regras de boa educação vêm normalmente de tradições com séculos. Entre os chineses, o respeito pelos mais velhos aparece em primeiro lugar numa memória colectiva dos princípios confucionistas. Mas no dia a dia do país, é à mesa que se encontram mais normas sobre o que se deve ou não fazer

 

Os convidados à mesa ficam sempre virados a Sul” responde a senhora Yao à pergunta sobre regras de boa educação a seguir entre chineses. Uma resposta rápida que dá a impressão de simplicidade. Contudo, as regras são mais complexas do que parecem.

A importância da mesa e o orgulho na gastronomia nacional é facilmente perceptível quando se conversa sobre etiqueta. Para a senhora Yao isto reflecte-se por ser a refeição um momento em que se une a família e onde começam as regras de educação. “Manejar os pauzinhos é-nos ensinado desde que aprendemos a comer sozinhos” diz.

E faz sentido começar pelos “pauzinhos”. Não os inclinar, não os cruzar, não os espetar em arroz ou numa tigela são normas elementares ensinadas às crianças. Na mesma ordem de ideias não se deve fazer barulho com os pauzinhos e nunca os apontar a ninguém. “Quem bate com os pauzinhos na tigela da comida está a chamar a pobreza” dizem.

Tratam-se de princípios que atravessam todo o país. A Norte ou a Sul as regras são as mesmas. Interrogados sobre diferenças de província, a maior parte dos chineses considera que regionalismos não se aplicam quando se trata de comer. Mas para algumas pessoas bater com os pauzinhos pode significar chamar a morte.

Ao referir pratos especiais numa ementa, as populações mais costeiras definem a importância da posição do peixe na mesa, enquanto que mais no interior, onde a ementa passa sobretudo por partes de carne, nem sempre parece tão natural definir para onde se vira o peixe.

“A cabeça é a parte mais nutritiva do peixe” explica uma natural de Qingdao. “Por isso deve ser dada à pessoa mais importante – o convidado ou o elemento mais velho.” Nunca com a cauda virada para os convidados, a posição do peixe é definida de acordo com o local onde cada um se senta. Um raciocínio que deixa perceber que o peixe, como o convidado, ficam a olhar para Sul. Superstição e História que se cruzam e virado a Sul é sempre melhor que a Norte.

À semelhança da comida também na bebida devem seguir-se regras. Os mais novos servem os mais velhos e nunca se começa pelo próprio copo. A quantidade deve corresponder a três quartos do copo. Encher de mais é indelicado. Nas casas de chá e nos restaurantes explicam que o bule não pode apontar para ninguém da mesa. Um jovem chinês explica que “não podemos apontar nem com os dedos, nem com os pauzinhos, nem com os bules”. Desta forma, ao servir o chá vira-se o bule para o exterior e, de preferência, sem estar na direcção de ninguém. “Dá azar e dar azar a alguém é ser mal-educado” conta a sorrir a senhora natural de Qingdao. O lema de que a cortesia é recíproca viaja desde há centenas de anos com a cultura do país.

 

Entre a cidade e o campo 

 

“Hoje aceitam-se hábitos novos porque recebemos cada vez mais estrangeiros” explica o senhor Hu, reformado de Pequim. A modernização rápida significou a entrada de ideias novas. Para Hu isto não alterou a forma de estar chinesa mas em pequenos detalhes, o antigo empregado de escritório diz reconhecer diferenças. “Entre amigos próximos nunca se agradece na China” conta. “Mas entre os estrangeiros estão sempre a dizer Obrigada” continua. Um pequeno detalhe que leva a que, entre estrangeiros os chineses agradeçam muito mais.

Numa viagem entre a cidade e o campo notam-se mais diferenças devido ao facto do campo estar ainda mais fechado a influências de fora. No interior é normal encontrar os mesmos princípios de relacionamento. No entanto, como refere o senhor Hu “ainda é raro ver casais de mão dada na rua”.

Mas a importância do saber estar à mesa, sentar-se bem sem mostrar as solas dos sapatos e nunca apontar de maneira nenhuma, são princípios transversais de etiqueta na China. De Norte a Sul.

 

Dicas olímpicas

 

Que idade tem e quanto é que ganha?” Duas perguntas que servem para aproximar pessoas e que não representam para os chineses, nenhuma forma de intromissão. Uma explicação das primeiras diferenças entre a China e o Ocidente. Enquanto que, por exemplo, nos países europeus as perguntas entre desconhecidos não costumam referir números, na cultura chinesa, perguntar o preço da renda de casa ou da diária de um hotel serve apenas para aproximar.

Durante a realização dos Jogos Olímpicos no ano passado em Pequim, os conselhos para estrangeiros de visita à República Popular multiplicaram-se entre guias turísticos e panfletos de boas-vindas.

O Governo apostou na explicação da sociedade tradicional realçando a importância dada às pessoas mais velhas. No entanto, para quem chegava de fora, era explicado que na China pessoas desconhecidas não se tocam como forma de cumprimento, ao contrário do que sucede na Europa. Apenas o aperto de mão é permitido como apresentação.

 

 

Por outro lado, a importância da “face” surgia numa explicação de evitar confrontos verbais e onde regatear preços era definido apenas como uma forma de convívio.

Na comida também eram ensinadas regras havendo inclusive desenhos sobre como manejar os pauzinhos. A preparação olímpica apostou na divulgação do país. Os voluntários foram na maior parte das vezes a primeira imagem de Pequim e da China, espalhados pelo aeroporto e pela cidade. À espera de encontrar um cenário completamente diferente do Ocidente, muitos estrangeiros acabaram por se sentir mais integrados do que pensavam ser possível. E esta foi uma grande vitória das boas-vindas chinesas.