Uma vida em alguns minutos

Antes mesmo que lhe perguntem (porque passam a vida a fazê-lo), Pierre-François Métayer esclarece de imediato que é um puro francês... embora não se sinta como tal. Um francês que, nascido de fresco, veio viver para Macau, onde frequentou escolas chinesas. Quando voltou a Paris, em idade de adolescência, já levava na ponta da língua o cantonense e o mandarim. O regresso a Macau fica marcado por um minuto e picos de programa diário, transmitido na televisão local

 

Sabe de cor as datas da sua infância em Macau. Um regresso ao passado detalhado (e forçado) para obter autorização de residência. “Sou muito preciso com os números porque recentemente pedi o meu BIR, sei donde é que vim, quando vim, a que horas nasci o que sou, sei tudo. Perguntem-me!”, desafia Pierre-François Métayer. Resposta (simplificada): nasceu em Paris em 1981 e, um ano e qualquer coisa depois, os pais decidiram mudar-se para Macau. Aqui ficaram durante quase uma década.

Pierre-François começou desde cedo a frequentar instituições de ensino em língua chinesa. A primeira experiência foi num infantário da Penha. Mais tarde ingressou na Escola Ricci, onde permaneceu três anos, de 1985 a 1988. “Lembro-me de estarmos de pé e termos de cantar em coro orações, em cantonense. Como [o filme] os Coristas”, recorda.
Habituou-se cedo a ser diferente, o único não-chinês. “Eu era o único branco, no meio de chineses. Ainda por cima, eu não era bonito, tinha um angioma na bochecha. Tinha que lutar, tinha que sobreviver ”, refere o aluno que era conhecido na escola como Kuai Lou ou Kuai Chai [Diabo velho ou menino Diabo, tradução livre de nomes atribuídos aos ocidentais em cantonês].
A diferença, no entanto, nunca esteve na língua. “Eu não sei o que é aprender chinês, nunca tive qualquer dificuldade, foi natural”. Mas, se o cantonês não era um problema, “o alfabeto em inglês era… eFo, eLo, eZed.” Por isso, os pais de Pierre-François colocaram-no, de 1988 a 1991, na Escola das Nações, onde também começou a aprender mandarim pela primeira vez. Seguiu-se o estudo a partir de casa, através do Centre National d’Enseignment à Distance (centro nacional de ensino à distância). “Aprender o ‘complemént d’objet direct, l’imparfait du subjonctif’… Victor Hugo…Mas quem é este?”, lembra com um sorriso. Ao mesmo tempo, tinha lições privadas de mandarim e de inglês, enquanto continuava a aprender cantonês na rua.
Em 1992 regressou a França e estranhou. “ Era muita diversidade. Por exemplo, aqui eu nunca tinha visto um negro, só brancos e amarelos, não percebia isso de colónias…Estava confuso e tinha problemas na escola.”
A relação com a escola foi inconstante. Aos 15 anos decidiu deixar os estudos, passou depois por três anos de formação em hotelaria, mas sem nunca largar o mandarim (e os caracteres), através de aulas privadas.
Pierre-François não demorou muito tempo a concluir que sem estudos não havia trabalho, por isso, terminou o ensino secundário e, em 2001, rumou a Pequim. “Já em 1997 e 1998 tinha lá ido estudar um mês, ‘cheirar o ambiente’”. Cheirou, gostou e voltou para estudar seis meses mandarim. Na verdade, desviou-se desse objectivo e andou pelo país com um amigo a dar aulas de inglês. Até que parou: “quis revelar a minha verdadeira paixão. Desde que eu era pequeno, quando vivia em Macau, eu queria ir a Hong Kong e conhecer a Fei Fei e o Jackie Chan [dos actores mais famosos da região]. Eu queria ser actor, queria estar dentro da caixa, dentro da televisão ”. Foi por isso estudar para a Beijing Film Academy (Academia Cinematográfica de Pequim). Seguiram-se dois filmes, sete séries de televisão e um programa na CCTV4 para ensinar mandarim. Mas Pierre-François queria mais. “No meio audio-visual da China, um estrangeiro não tem grande esperança porque as produções são chinesas e os estrangeiros têm sempre papéis de padres, missionários ou engenheiros. Ser actor, e estrangeiro, significa esperar por um telefonema…

” Um lamento de pouca dura, já que Pierre-François decidiu, em 2007, regressar a Macau e Hong Kong e produzir-se a si próprio. “Cantonese in One Minute” foi o seu primeiro trabalho, entretanto comprado e transmitido pela Teledifusão de Macau. “Foi o resultado de uma mistura de muitos conselhos, de muitas opiniões cozinhadas. Um pouco disto e daquilo e deu um bom cozinhado. Um minuto porque eu queria ser rápido e divertido. Não é uma aula de gramática ou apenas uma piada, são ambas as coisas”, explica o produtor, realizador e apresentador do programa que ensina algumas palavras básicas de cantonês. Mas também há quem se queixe da velocidade de digestão desse cozinhado: “Dizem-me que é muito rápido, que têm que suster a respiração quando vêem o programa, total silêncio, ‘calem-se, calem-se’”.
Agora, Pierre-François não quer parar. Realizar documentários sobre a realidade local é um dos projectos. Mas, ‘one minute’ depois, o que se segue? “Vem aquilo que vocês estão à espera…”, deixa no ar. Muito provavelmente mais um minuto de qualquer coisa. Fica o suspense.