A dama de Xangai

Empresária de sucesso, a antiga presidente da Assembleia Legislativa vai dedicar-se à gestão de um fundo de caridade. Nasceu em Xangai, mas há mais de 40 anos que reside em Macau, depois de passagens por Montreal e Paris

 

Xangai, Hong Kong, Montreal, Paris e Macau. Cinco cidades que fazem parte do percurso de uma mulher de personalidade forte, determinada, frontal, que durante 10 anos liderou a Assembleia Legislativa. Longe vão os tempos em que o pai a mandou para Macau para trabalhar numa empresa têxtil que acabara de fundar. “Lembro-me como se fosse hoje: entrei num velho barco em Hong Kong cerca da meia-noite e cheguei aqui a Macau era já dia. Foi um grande choque para mim – depois de Paris passei a viver numa pequena aldeia parada no tempo. O Hotel Lisboa tinha acabado de aparecer, para se tomar um café só havia o Hotel Sintra, nas ruas quase não se viam automóveis… O meu pai tinha aberto pouco tempo antes (1968) uma fábrica e achou que aí é que eu devia começar a ver o que era a vida. Não fazia a menor ideia do que era um negócio, não sabia como lidar com um banco, foram tempos difíceis. A empresa pagava-me 700 patacas mensais. Durante dois anos não tive outro remédio que não fosse andar de bicicleta”, disse em Fevereiro de 1993 à revista Macau.

Já passaram mais de 40 anos, período em que Susana Chou criou uma bem sucedida carreira profissional e política. Antes de abandonar os negócios para se dedicar, em exclusivo, à presidência do órgão legislativo, chegou a ser a rainha dos têxteis, com empresas em Macau, na China, nas ilhas Maurícias e na Índia, além de ter interesses em outro sectores e ser a representante de importantes marcas como a Mitsubishi, Karlsberg, Pepsicola, Seven Up, Mobil, Água do Luso e Air France, entre outras. Divorciada, foi casada durante alguns anos com um médico português, não tem filhos. Uma das sobrinhas sucedeu-lhe à frente das empresas.

Nasceu em Xangai (o pai refugiou-se em Hong Kong quando Mao derrotou Chiang Kai-Chek), onde regressou mais tarde para se formar em engenharia. Depois tirou uma pós-graduação em Montreal e estudou também em Paris, onde vivia no ano mágico de 1968.

Entra para a política pela mão de Carlos Assumpção. Em 25 de Abril de 1976 é eleita na lista da ADIM (Associação para a Defesa dos Interesses de Macau) para a I Legislatura da Assembleia Legislativa. Não participa na II Legislatura (1980-1984), mas em Agosto de 1984 regressa à AL pela via indirecta, representando os interesses económicos. Em 1992 vive um momento decisivo na sua carreira política e que revela bem o seu carácter. Os “arranjos” nas listas pelo sufrágio indirecto deixam Susana Chou fora da Assembleia Legislativa. Com o apoio de amigos portugueses, como Leonel Alves e Jorge Neto Valente, resolve candidatar-se no sufrágio directo e garante a continuidade no Hemiciclo. José Manuel Rodrigues era o número dois da lista União para o Futuro de Macau (UNIF), mas não foi eleito.

De 1996 até 2009 foi eleita pela via indirecta, tendo sido deputada durante 29 anos. Aprendeu português quando entrou na AL, pois como confessou ao jornalista Ribeiro Cardoso (revista Macau, Fevereiro de 1993) “uma vez deputada, percebi que tinha de aprender português e conhecer minimamente o mundo das leis”.

Com a criação da Região Administrativa Especial, assume a liderança da Assembleia Legislativa.

Quando em Outubro deixou a AL recebeu o apoio generalizado de todos os sectores, elogiando o trabalho que desenvolveu.

Nos últimos anos, teve mesmo um papel muito interventivo, não se coibindo de apontar o dedo ao Governo. Ficaram célebres as suas polémicas com a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan.

Antes de deixar a política anunciou a criação de um fundo de caridade, que criou com o dinheiro ganho (cerca de 10 milhões de patacas) enquanto desempenhou as funções de presidente da Assembleia Legislativa. “Vou recuar da primeira linha política, mas não vou sair totalmente do palco político de Macau. Vou aproveitar este fundo para servir Macau”, disse na despedida, altura em que deixou algumas sugestões, como o aumento do número dos deputados eleitos pela via directa, “uma reformulação urgente da prática adoptada no âmbito da nomeação de deputados para exercerem funções no Conselho Executivo” e que as reuniões das comissões especializadas passem a ser públicas.

Nos próximos anos continuará a representar Macau na Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, o órgão de consulta do Governo Central, que integra há mais de uma década.