Disciplina, harmonia e outras histórias de campeões

Macau já arrecadou diversas medalhas de ouro em competições internacionais na modalidade de wushu. Recentemente atletas da RAEM brilharam em Toronto, na mais importante prova daquela arte marcial. Conheça os seus segredos e alguns dos seus atletas mais conhecidos

 

Nos jardins de Macau, os pássaros anunciam o dia que chega, mas aos poucos o canto jovial emudece e outras vozes, mecânicas e bruscas, emergem. O uivo espaçado e lancinante dos primeiros autocarros demarca os limites da noite. Em menos de nada, milhares de veículos – carros, táxis, motociclos – escoam-se pelas ruas e pelas avenidas do território, e é neste momento – quando a vida implode e a cidade se transforma – que Cristina Leung regressa a casa.

Cristina faz parte de uma enorme legião informal de residentes para quem o dia desponta antes ainda do raiar da aurora e as horas mortas da madrugada constituem o cenário ideal para disciplinar o corpo e a mente. Fazem companhia aos pássaros nos jardins e nas praças de Macau, são reis do silêncio e senhores do equilíbrio, e enchem de uma quieta poesia as manhãs do território com gestos ponderados e precisos, como se pintassem sem pincéis ou pescassem sem anzóis.

O taichi (também romanizado como taiji) é a mais divulgada das artes marciais chinesas e é ainda a variante mais praticada – dentro e fora das fronteiras da China – do que se convencionou designar por wushu. O termo genérico abrange manifestações de índole diversa (quase da mesma forma que o atletismo se refere a eventos tão distintos como o lançamento do peso, os 110 metros barreiras, ou o corta-mato), mas a filosofia que está subjacente a todas elas, Cristina Leung resume-a numa só frase: “O wushu é um caminho para o equilíbrio total, a arte marcial da disciplina e da harmonia.”

A antiga praticante da modalidade e actual vice-presidente da Associação de Mestres de Wushu de Macau viu a modalidade crescer de forma exponencial ao longo dos últimos anos e saltar de espaços como o Lou Lim Ieoc ou o Jardim da Flora para a ribalta mundial das artes marciais.

Em Macau, o wushu é sinónimo de sucesso e de um sem-fim de conquistas. A modalidade foi a primeira a levar as cores da região administrativa especial ao mais alto lugar do pódio no âmbito de uma grande competição internacional. E desde que Wong Ton Ieong conquistou a primeira medalha para o território em 1990 (o bronze no evento de nanquan, na 11.ª edição dos Jogos Asiáticos), as distinções seguiram-se em catadupa, tanto na variante de taolu, quanto na variante de sanshou.

Apesar de não se constituírem como desportos em nome próprio, as duas componentes delimitam outras tantas posturas e formas de estar na modalidade. As diferenças, apesar de teoricamente subtis, são preponderantes, explica Cristina Leung: “O wushu é uma arte marcial. Toda e qualquer manifestação da modalidade alude ao combate, ainda que na categoria de taolu a evocação do combate se faça de forma velada, quase alegórica. O taolu é uma componente que valoriza a performance. Não é uma disciplina que coloque frente a frente dois competidores.”

Com a outra componente, a história muda de figura. O sanshou – termo que traduzido à letra significa qualquer coisa como “mãos livres” – remete para o wushu em estado bruto e presume o confronto directo entre dois adversários.

Menos difundida no território (mas muito aclamada no interior do país, onde se popularizou sob a designação de sanda), a variante de sanshou foi a que menos contribuiu para fazer do wushu de Macau um dos mais vitoriosos do planeta. As medalhas que elevaram o nome da RAEM aos píncaros da modalidade a nível mundial foram conquistadas nas categorias de nandao, nangun, jianshu, qiangshu e nanquan, e no mais das vezes as páginas de glória da modalidade escreveram-se no feminino. Lei Fei, Han Jing e Huang Yan Hui são três das atletas que colocaram o nome da Região Administrativa Especial de Macau nas bocas do mundo, ao conquistarem o ouro com o emblema do Lótus ao peito em paragens tão distintas como Baltimore, Hanói, Hong Kong, Pequim, ou mais recentemente Toronto, a metrópole canadiana que acolheu no fim de Outubro a 10.ª edição da principal prova internacional da modalidade.

Para o sucesso do wushu na RAEM contribuiu também o apoio dado pelas autoridades do território à organização de grandes eventos internacionais. Em 2003, o Pavilhão do Fórum foi palco da sétima edição do Campeonato do Mundo, uma prova que trouxe até Macau os melhores dos melhores entre os praticantes de artes marciais chinesas.

Em Maio do ano passado, o território voltou a acolher um novo evento de grande magnitude, com a organização no Pavilhão do Tap Siac do Campeonato Asiático. O recinto acolheu em Junho último nova prova continental, desta feita no escalão júnior. Para parte importante dos atletas de Macau que participaram na competição, o certame serviu sobretudo como antecâmara de preparação para um desafio a todos os níveis mais aliciante, a disputa do Mundial da modalidade.

O evento teve a cidade canadiana de Toronto como palco, entre 24 e 29 de Outubro, mobilizando mais de um milhar de atletas oriundos de 73 países e territórios. Pela primeira vez em mais de duas décadas, a selecção de Macau apresentou-se em prova no âmbito de um Campeonato do Mundo com uma maioria de atletas nascidos no território, depois de anos a fio em que praticantes nascidos no interior do país foram responsáveis por grande parte dos sucessos angariados pelo emblema do Lótus.

A 10.ª edição do Campeonato do Mundo marcou um virar de página para o wushu da RAEM por outras razões. Durante mais de uma década considerada a segunda maior potência mundial da modalidade, a região administrativa especial acabou por perder o estatuto para o Irão, ao não conseguir manter os níveis de eficácia averbados em 2007 na capital chinesa.

Há dois anos, em Pequim, a selecção do território conquistou um total de doze medalhas, três de ouro, cinco de prata e quatro de bronze. Em Outubro, no Canadá – fruto da incontornável necessidade de renovar a equipa –, uma representação a meio termo entre o passado e o futuro, formada por jovens sem provas dadas e por campeões inveterados, não conseguiu melhor que conquistar oito medalhas, levando por duas ocasiões o estandarte de Macau ao patamar mais alto do pódio.

Depois de, em Agosto de 2008, Han Jing ter pendurado o sabre e as sapatilhas, o seleccionador Cheang Tit Meng viu-se de certa forma obrigado a despoletar uma pequena revolução no seio do grupo de trabalho do território, com a introdução progressiva de praticantes com pouca ou nenhuma experiência em grandes competições internacionais. Atento e dedicado, o veterano treinador tentou ao longo de mais de um ano incutir uma mentalidade ganhadora nos atletas que integram a selecção, para que Macau voltasse a dar cartas nos grandes palcos do wushu mundial. A receita para o sucesso acabou por não surtir os efeitos desejados, dado que um dos principais objectivos para o evento canadiano passava por manter o território na elite do wushu mundial: “Temos um grupo de trabalho dinâmico, que combina atletas muito experientes e outros quase sem experiência nenhuma. Cabe-nos a nós utilizar o capital de experiência dos mais velhos para preparar os mais novos para a competição. Em 2007, em Pequim, a equipa era globalmente mais experiente e acabámos por conseguir o nosso melhor resultado de sempre, com um segundo lugar entre 89 delegações. Só a China foi melhor que nós. O nosso objectivo era o de manter o estatuto, mas sabíamos que não iria ser um desafio fácil”, explica Cheang Tit Meng.

Apesar de ter deixado escapar a segunda posição na trindade dos melhores do mundo, a prestação do wushu da RAEM por terras canadianas esteve longe, muito longe de se revelar um descalabro. O verde e branco das insígnias do território subiu por duas vezes ao lugar cimeiro do pódio e esteve por quatro outras ocasiões na iminência de o fazer. Jia Rui e Huang Yan Hui – os mais conceituados atletas de Macau da actualidade – não deixaram créditos por mãos alheias, conquistando o ouro respectivamente no daoshu masculino e no nangun feminino, com Huang a firmar em Toronto a mais difícil vitória da carreira.

A atleta, de 28 anos, esteve arredada dos treinos e da competição durante mais de um ano e meio, condicionada por uma lesão grave. Huang actuou no Canadá dois meses depois de ter regressado ao leitai (o tapete em que os atletas conduzem os exercícios), e a conquista do ouro não se fez sem uma grande dose de sacrifício pessoal: “Não há quem não queira vencer ou quem não dê o seu melhor sempre que compete, mas nem sempre é fácil. Fui operada ao perónio no ano passado e só recentemente, há pouco mais de dois meses, voltei a treinar. Não estava ao meu melhor nível no Canadá e essa é uma das razões por que esta medalha tem um sabor especial.”

Para Jia Rui, a 10.ª edição do Campeonato do Mundo teve o condão de o confirmar como um dos melhores praticantes de wushu da actualidade. Para além do ouro nos exercícios de daoshu, Jia conquistou ainda duas medalhas de prata nos torneios masculinos de chanquan e gunshu, variante em que defendia o título mundial conquistado há dois anos.

Xi Cheng Qing também brilhou no gunshu, na prova feminina. A veterana atleta terminou o torneio da categoria na terceira posição do pódio, averbando uma das duas medalhas de bronze conquistadas pela delegação do território no Mundial de Toronto. Wa Song Cheong, lutador que disputou o torneio de sanshou para atletas com menos de 48 kg, conquistou a outra.

O wushu de combate atingiu de resto um protagonismo inédito no âmbito da própria dinâmica interna do grupo de trabalho da RAEM, com os praticantes de sanshou a contribuírem com três medalhas (as medalhas de prata de Cai Jun Long e de Cai Liang Chan e o bronze de Wa Song Cheong) para o balanço final dos triunfos e das glórias averbados pela selecção de Macau na última edição do Mundial.

Não há, ainda assim, almoços grátis nem sucesso sem sacrifício. Para estar presente na máxima força no Canadá, o grupo de trabalho orientado por Cheang Tit Meng trabalhou no duro durante mais de um ano e meio, com os atletas a submeterem-se a 18 horas de treinos semanais e a participarem sempre que podiam em estágios e competições no Continente.

Com o Mundial em vista, a Associação Geral de Wushu de Macau e o Instituto do Desporto enviaram para Pequim durante grande parte do Verão mais de meia centena de atletas. Cristina Leung: “Estágios como o que decorreu em Pequim têm uma importância fulcral no desenvolvimento de competências por parte dos atletas, até porque não temos em Macau qualquer praticante profissional. Na capital estiveram 58 atletas, 30 de taolu e 28 de sanshou, muitos dos quais alinham ainda nas camadas de formação do wushu de Macau.”

Ho Si Hang, de 18 anos, foi uma das atletas que integraram o grupo de trabalho que fez na capital chinesa a preparação para o Mundial. Vista por muitos como a legítima herdeira de atletas como Lei Fei e Han Jing, Ho é a maior esperança do wushu do território e um produto das estratégias de formação desenvolvidas pela Associação Geral de Wushu de Macau. Nascida e criada no território, a atleta esteve em evidência na última edição do Campeonato Asiático Júnior, mas o preço a pagar pelo sucesso – confessa – nem sempre é aliciante: “Treinamos de segunda a sábado, não temos amigos, não temos férias e quase não temos tempo para a família. Mas essa é mesmo a fasquia a pagar quando queremos ser os melhores, e eu quero ser a melhor.”

Pelo mesmo diapasão alinha Jia Rui. O campeão do mundo de daoshu louva o espírito de sacrifício e dedicação com que os atletas do território se entregam à prática da modalidade. Jia elogia o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido com o intuito de chamar a atenção das novas gerações para o wushu e qualifica de heróico o exemplo dado pelas crianças que evoluem actualmente na Escola de Wushu Juvenil de Macau: “A escola é um instrumento importante, mas este tipo de escolas são para crianças que gostam verdadeiramente de wushu. Não há um meio termo na modalidade. Estas são crianças que abdicam do seu tempo livre para treinar todos os dias. São crianças que não estão com os pais ou com os amigos e que deixam de ver televisão para poder praticar a modalidade. Esta entrega é algo que deve servir de exemplo às outras crianças.”

Com quase uma década de vida, a Escola conta actualmente com cerca de meia centena de crianças e jovens inscritos, e organiza todos os anos sessões de recrutamento de novos formandos. Ho Si Hang inicou-se nas lides da modalidade em 1999 e é uma das principais referências de sucesso das estratégias de formação coordenadas pela Associação Geral de Wushu de Macau, colectividade que agrupa quase oito dezenas de clubes e agremiações desportivas. O organismo conta com mais de sete mil atletas associados, um número que faz do wushu a modalidade mais amplamente praticada na Região Administrativa Especial de Macau.

As medalhas de Macau em Toronto

Ouro:

– Jia Rui, Daoshu (Homens)
– Huang Yan Hui, Nangun (Mulheres)

Prata:

– Jia Rui, Changquan (Homens)
– Jia Rui, Gunshu (Homens)
– Cai Jun Long, Sanshou 65 kg (Homens)
– Cai Liang Chan, Sanshou 70 Kg (Homens)

Bronze:

– Xi Cheng Qing, Gunshu (Mulheres)
– Wa Song Cheong, Sanshou 48 kg (Homens)

4.º Lugar:

– Lei Su Fong/Lei Su Meng, Evento de Duplas (Homens)
– Iao Chon In, Taijijian (Homens)

O passado, o presente e o futuro do wushu de Macau

 

Lei Fei – Bela, mas não necessariamente perigosa, Lei Fei entrou para a história do desporto de Macau como a primeira atleta a conquistar uma medalha de ouro numa prova de alcance internacional. A proeza remonta a 1995 e à terceira edição do Campeonato do Mundo de Wushu. Em Baltimore, nos Estados Unidos, Lei concluiu o evento de nanquan com os mesmos pontos que Ng Siu Ching, dividindo o ouro com a adversária de Hong Kong. Quatro anos depois, na antiga colónia britânica, Lei voltou a subir ao lugar cimeiro do pódio, desta feita na categoria de qiangshu. O sucesso internacional valeu-lhe o reconhecimento das autoridades do território, com o então governador Rocha Vieira a distingui-la por duas ocasiões – em 1994 e 1998 – com a Medalha de Mérito Desportivo. Não bastasse a agilidade no tapete, Lei Fei distinguiu-se também nas “passerelles”, ao ser agraciada com o título de Miss Fotogenia no concurso Miss Macau de 1996.

Han Jing – Deu descanso ao sabre e às espadas em Agosto de 2008, e o adeus às lides da modalidade deixou os responsáveis pelo wushu do território órfãos de uma das suas mais completas protagonistas. Antes de brilhar ao mais alto nível com as cores da RAEM, venceu dez campeonatos nacionais na República Popular da China. Em 2003, o território organizou a sétima edição do Campeonato do Mundo de Artes Marciais chinesas e Han Jing foi quem mais se destacou, ao triunfar no evento de jianshu e na prova de pares, ao lado de Chong Sao Lan. Deu cartas ainda na categoria de qiangshu, ao conquistar duas medalhas – uma de prata, outra de bronze – em outras tantas edições do Campeonato do Mundo.

Huang Yan Hui – Nasceu na província de Fujian a 28 de Fevereiro de 1981, iniciando-se aos dez anos na prática da modalidade. É uma das mais bem-sucedidas atletas de Macau ainda no activo. Estreou-se nas lides internacionais em 2004, com a conquista de duas medalhas de ouro e duas medalhas de prata no Campeonato Asiático de Rangum. O ouro, Huang conquistou-o na categoria de nangun e na prova de pares. Nos eventos de nandao e nanquan, a atleta quedou-se pelo bronze do derradeiro lugar do pódio. Um ano depois, em Hanoi, tornou-se campeã mundial de wushu nandao, repetindo a vitória em Pequim em 2007. Conquistou ainda a prata no evento feminino de nangun, tanto no Vietname como na República Popular da China, e foi nos exercícios de nangun que voltou à ribalta do wushu mundial ao conquistar o ouro em Toronto.

Jia Rui – O sucesso do wushu do território não se escreve apenas no feminino. Com 22 anos (nasceu a 18 de Fevereiro de 1987), Jia Rui é já o mais bem-sucedido dos atletas de Macau, depois de há dois anos se ter sagrado, em Pequim, campeão do mundo de gunshu. Jia saiu ainda da capital chinesa com a prata no evento de daoshu, repetindo o resultado obtido em 2005 em Hanoi. Em Toronto, deixou fugir o ouro no gunshu, mas subiu pela primeira vez ao mais alto degrau do pódio na variante de daoshu. Nascido na província de Henan, o atleta deu nas vistas noutras competições, subindo ao pódio em eventos como o Campeonato Asiático da modalidade ou os Jogos Asiáticos. Em 2006, em Doha, Jia Rui brilhou no evento de changquan, regressando a casa com a medalha de bronze.

Ho Si Hang – É uma das maiores esperanças do wushu de Macau e a legítima herdeira de Lei Fei, de Han Jing e de Huang Yan Hui na demanda de novos pódios. Nascida e criada no território, começou a praticar wushu em 1999, e estreou-se ao mais alto nível em 2007, terminando a prova de taijijian do Campeonato do Mundo de Pequim na 11.ª posição. Um ano antes, em Kuala Lumpur, Ho já havia assegurado a principal vitória da ainda curta carreira, ao vencer o Campeonato do Mundo de Júniores com apenas 15 anos. Em Junho, viveu nova página de glória, ao conquistar em Macau duas medalhas de ouro na edição de 2009 do Campeonato Asiático Júnior da modalidade. No Campeonato do Mundo do Canadá não conseguiu ir além de um oitavo lugar na prova feminina de taijiquan.

As mil faces do wushu

 

Passos de dança, carícias, habilidades com e sem adereços, chutos e pontapés. Lato e envolvente, o termo wushu abarca uma míriade de movimentos, estilos e manifestações tão distintas que é por vezes difícil perscrutar um fio condutor à modalidade.

A designação generalizou-se para nomear (primeiro na República Popular da China e depois no resto do mundo) o conjunto das artes marciais de origem chinesa, mas evoluiu ao ponto de se tornar sinónimo de uma disciplina autónoma e estruturada, com forte implementação na Ásia e um pouco por todo o mundo.

À imagem do que sucede com o atletismo, o wushu é uma modalidade múltipla. Da mesma forma que utilizamos no dia-a-dia o termo “atletismo” para designar manifestações tão distintas como uma maratona, uma prova de corta-mato, um concurso de salto em comprimento ou de lançamento do peso, entre os entusiastas das artes marciais, o vocábulo “wushu” tanto se pode reportar a uma mostra de equilíbrio e perícia quanto a uma prova de força e agilidade no âmbito de um combate aceso e disputado entre lutadores de diferentes compleições.

Uma tal amplitude de estilos acabou por resultar na emergência de duas grandes variantes dentro do wushu, uma englobando disciplinas de demonstração (wushu taolu), a outra privilegiando a faceta bélica e abertamente combativa das artes marciais chinesas (wushu sanshou).

Os combates a dois, em que nenhum dos atletas se esquiva a um contacto directo e total – trocando investidas, ganchos e pontapés – são apanágio exclusivo da variante de wushu conhecida por sanshou. Também referenciada sob a designação de sanda, a modalidade disputa-se numa plataforma elevada conhecida com o nome de “leitai”. À imagem de outros desportos de luta oriundos do continente asiático, nas provas de sanshou o vencedor é decidido pelo sistema “melhor de três”, em 3 rounds de dois minutos cada: ganha quem acumular mais pontos, quem vencer um maior número de rounds, ou quem conseguir nocautear o adversário.

Todas as outras manifestações do wushu enquanto designação genérica para as artes marciais chinesas encaixam no universo do taolu. A denominação abarca várias disciplinas e eventos, com uma faceta performativa em comum, urdida e construída através de rotinas precisas e altamente artísticas. Muitos dos movimentos do taolu estão, de resto, na origem das espectaculares coreografias bélicas que catapultaram para a fama filmes como “O Tigre e o Dragão” ou “O Banquete” e actores como Jet Li, Donnie Yen ou Jackie Chan.

No cerne das competições de taolu, ao contrário do que sucede no sanshou, não está a força e a endurance, mas sim a perseverança e a performance. As disciplinas de taolu são disciplinas que desafiam a capacidade dos atletas de executarem uma série de manobras e técnicas marciais com e sem o recurso a armas tradicionais chinesas como sejam espadas ou lanças.

Os atletas são julgados por um painel de árbitros que avalia a performance de cada um dos competidores tendo por base um leque de especificações que têm em conta nuances como a técnica individual, a expressividade ou a dificuldade do exercício. As rotinas – que na maior parte dos eventos não ultrapassam um minuto e vinte segundos – podem ser coreografadas para realçar os pontos fortes do atleta ou as dificuldades inerentes a cada uma das variantes.

Do cartaz competitivo das principais competições internacionais de wushu fazem habitualmente parte dez variantes de taolu, divididas por três categorias delineadas de acordo com os adereços que se utilizam no exercício. Assim, no âmbito dos exercícios sem armas cabem variantes como o changquan (literalmente “punho longo”), o nanquan (“o punho do sul”) ou o taijiquan. No universo das performances com armas curtas entram os exercícios de daoshu (espada de corte simples), jianshu (espada de corte duplo), taijijian (performance de taiji com espada de corte duplo) e nandao (performance com espada de corte simples do sul). As três restantes variantes, do universo das chamadas armas longas – gunshu, qiangshu e nangun –, reportam-se respectivamente a exercícios com bastão, com lança, e com o adereço conhecido no âmbito do wushu pelo nome de clava do sul. Outras categorias menos divulgadas incluem ainda exercícios com sabre, adagas ou mesmo com um chicote de nove pontas conhecido pela designação de jiujiebian.