Na terceira língua

O inglês não é um dos idiomas oficiais da RAEM, mas é cada vez mais comum no território. A acompanhar esse crescimento, os últimos anos viram surgir em Macau uma imprensa em língua inglesa cada vez mais forte

 

A imprensa em língua inglesa de Macau está hoje mais dinâmica e diversa do que a sua congénere portuguesa. Aos dois jornais diários publicados em inglês, soma-se um conjunto alargado de revistas que cobrem os mais variados sectores, desde a economia ao social. Isto sem contar as publicações de carácter mais especializado.

Após a experiência falhada do jornal Macau Express, lançado nos últimos anos da administração portuguesa, aproveitando o surgimento da Air Macau e a abertura do aeroporto, seguiu-se uma nova fase, em 2004, marcada pelo lançamento da revista Macau Business (Maio de 2004), um projecto encabeçado por Paulo Azevedo, e o jornal Macau Post Daily (Agosto de 2004), liderado por Harald Brüning. Antes, em 2002, tinha ainda existido uma outra tentativa fracassada – o New Macau Times. Depois, em 2007, seguiu-se nova fase de expansão.

O mais recente capítulo da imprensa em inglês na RAEM escreveu-se em Outubro, com o “renascimento” da revista Macao. O título, propriedade do Gabinete de Comunicação Social, passou a ser produzido pela empresa local de media Macaulink, responsável pelo serviço económico trilingue Macauhub e o serviço MacauNews (em inglês e chinês simplificado), ambos disponíveis na internet. Segundo a empresa, cujo director é Gonçalo César de Sá, que recentemente deixou a agência Lusa, “a edição de Outubro é a primeira de um novo ciclo da revista Macao em língua inglesa, que passa a ser produzida trimestralmente”.

 

A pioneira

 

Se a imprensa em língua inglesa vive hoje momentos de prosperidade, em 2004 tudo era mais difícil. Foi nessa altura que Paulo Azevedo lançou a Macau Business. Cinco anos depois, o director da publicação de economia e negócios é o primeiro a dizer que o nascimento da revista mensal marcou o início da corrente etapa da imprensa em inglês em Macau. “Esta é a publicação que ficará para a história como tendo dado o pontapé de saída (…). A sua presença nos dias que correm – perdoem-me a imodéstia – é incontornável”, afirma.

Para o jornalista, “seria impensável construir uma qualquer cidade com pretensões a ser minimamente desenvolvida sem capacidade de comunicar e informar também na mais internacional das línguas”. Por isso, as publicações em inglês “estão em Macau para ficar, sem qualquer sombra de dúvida”, afiança. Até porque “Macau tem provado que consegue lançar aceitáveis e excelentes produtos em língua inglesa. Alguns deles bem superiores a publicações congéneres que se produzem na vizinha Hong Kong”, diz Paulo Azevedo.

Para o director da Macau Business, “o bom jornalismo não tem língua. Tem técnica, precisão, coerência, credibilidade e ética. Reunidas estas condições – e outras que se poderiam igualmente enumerar – o bom produto está pronto a ser consumido”.

 

O primeiro jornal

 

Harald Brüning, director do Macau Post Daily, é um dos jornalistas ocidentais com mais experiência em Macau. De nacionalidade alemã, chegou a Macau em 1985, tendo colaborado com várias agências internacionais e jornais de língua inglesa de Hong Kong, como o South China Morning Post, entre outros – durante muitos anos, foi a ligação entre Macau e a imprensa mundial. E, por isso, é também o primeiro a reconhecer que, anteriormente a 2004, “não existia um ambiente propício para ter um jornal em inglês em Macau”.

Porém, desengane-se quem pensa que o Macau Post Daily é uma publicação dedicada aos expatriados que chegaram ao território após a liberalização da indústria do jogo, em 2002. “Cerca de sessenta por cento dos nossos leitores são chineses que querem ler um jornal em língua inglesa, não são expatriados”, assegura Harald Brüning. Aliás, o Macau Post Daily é “um jornal em inglês, não é um jornal inglês”, frisa o director, sublinhando que no seu diário a língua não traz uma marca identitária associada, como acontece com a imprensa portuguesa de Macau. Traduzindo: “Não é um jornal especificamente feito para expatriados” (embora muitos dos seus leitores caibam nesta categoria), mas antes um jornal que pretende dar acesso aos seus leitores “ao mundo real de Macau, que é sobretudo chinês”. Daí que na sua maioria os jornalistas do Post sejam de ascendência chinesa.

Sobre o crescimento da imprensa de língua inglesa em Macau nos últimos anos, o responsável considera que é algo positivo. “Ter mais imprensa em inglês no território é bom para todos”, refere Brüning. O director do Macau Post Daily acrescenta ainda que não considera que a imprensa de Hong Kong seja competição directa para os jornais de língua inglesa da RAEM: “Não tenho complexos [a esse respeito]. Não aconselho a ninguém não ler o South China Morning Post”, frisa.

Para Brüning, as principais dificuldades da imprensa em inglês de Macau estão noutros campos: são os problemas em encontrar pessoal (especialmente jornalistas com suficiente conhecimento sobre a realidade local) e o facto de a língua inglesa não ser um dos idiomas oficiais do território, o que leva a que a maioria das notícias tenha como base informação em chinês ou, por vezes, em português.

O Macau Post Daily continua sem uma edição diária electrónica. Trata-se de uma opção editorial: “Colocar tudo e nada na internet é uma ideia algo contraproducente”, considera Brüning.

 

De Macau para o mundo

 

Na concorrência, o pensamento é diferente. O Macau Daily Times, lançado em Junho de 2007 por investidores locais, reformulou recentemente a sua página electrónica. O administrador do jornal, Kowie Geldenhuys, não esconde o entusiasmo: “Estamos a ter uma resposta tremenda”, afirma, satisfeito.

Kowie Geldenhuys, que foi um dos promotores do lançamento do Macau Daily Times, relembra os motivos que justificaram o aparecimento do jornal. “Com as pessoas que chegaram a Macau com os novos casinos, havia a necessidade de um outro jornal em inglês, diferente do Macau Post Daily”, recorda. Porém, hoje é o primeiro a afirmar que não há mais espaço no mercado para o surgimento de um terceiro diário em língua inglesa.

Quanto à linha editorial, o Macau Daily Times , presentemente dirigido por Rogério Beltrão Coelho, é “um jornal para informar, não para criticar”, explica Kowie Geldenhuys. Ou seja, para disponibilizar, em inglês, informação que antes apenas existia em chinês ou português – o que passa por coisas tão simples como os dados referentes às corridas do Macau Jockey Club, exemplifica. “Aquilo que as pessoas querem de um jornal, nós tentamos colocar lá”, resume.

Como a concorrência, Kowie Geldenhuys também se queixa das dificuldades em encontrar jornalistas. “Não temos gente suficiente para cobrir tudo o que acontece diariamente em Macau.” Ainda assim, o administrador pinta o futuro em tons de rosa: “Com a recuperação da economia, o reinício das obras no Cotai e o arranque de outros projectos do género, vão ser necessários mais expatriados, e, mais uma vez, serão os media em inglês que estarão lá para os informar.” Ou seja, “o Macau Daily Times só pode crescer”.

 

O social dá revistas

 

As revistas de sociedade (ou “lifestyle”) são a mais recente faceta da imprensa de língua inglesa da RAEM. Vocacionadas sobretudo para um noticiário menos feito de actualidade e mais de eventos sociais, reportagens, moda e restauração, vivem do crescimento registado por Macau neste capítulo desde a liberalização do jogo, em muito impulsionado pelo crescimento da comunidade expatriada e por uma maior exposição internacional de Macau.

A revista “Macau Closer”, lançada em Fevereiro de 2007 pelo grupo local Plural Media (e actualmente publicada em versão bilingue – inglês/chinês), é um dos títulos em língua inglesa com maior implementação no território na área do “lifestyle”. Com periodicidade mensal, está disponível na RAEM e Hong Kong.

De acordo com o director da revista, Ricardo Pinto, o impacto da “Macau Closer” foi “grande”, logo no dia do lançamento. Na altura, “havia pessoas que até diziam que não parecia uma revista de Macau”, devido ao elevado nível de qualidade gráfica e conteúdos, recorda.

A decisão de tornar a publicação bilingue (inicialmente era apenas em inglês) pretendeu tornar a “Macau Closer” acessível a todos.“Sabíamos que a revista em inglês chegava a um número bastante razoável de chineses, mas ainda deixava muita gente de fora”, explica Ricardo Pinto.

Entretanto, há novos planos no horizonte. A partir de Fevereiro do próximo ano, a publicação prende focar-se mais na área de “lifestyle”, em detrimento dos conteúdos puramente noticiosos. Em termos de balanço, nas palavras de Ricardo Pinto, a “Macau Closer” é uma revista “com futuro e para o futuro”.

Entretanto, outras publicações foram nascendo. O destaque vai para a criação, em Maio de 2007, da versão local da “Tatler”, uma marca de prestígio na imprensa internacional destinada à alta sociedade. A publicação, sedeada em Hong Kong, está a cargo do grupo editorial Edipresse e tem uma periodicidade trimestral.

Há também o caso das revistas mais especializadas. A “Inside Asian Gaming” é um exemplo. Focada na indústria do jogo, foi lançada em Junho de 2007 e tem periodicidade mensal. Pouco vocacionada para o social, aposta mais em informação para os membros do sector.

No extremo oposto, surge a “Destination Macau”, publicada bimensalmente pelo Red Ant Media Group, baseado em Hong Kong. Colocada nas bancas pela primeira vez em 2006, incialmente sob o título “Destination PRD”, a publicação haveria de dar origem à “Destination Macau” e “Destination China”. Dedicada ao turismo e “lifestyle”, é bilingue (inglês/chinês).

Mais recente é a experiência da “Sign-In Macau”. Dirigida por Jenny Oliveros Lao, a revista foi lançada em Outubro de 2008, com periodicidade bimensal e versão bilingue (inglês/chinês). Este ano, a publicação lançou o concurso de beleza “Macau Cover Girl”, um projecto para encontrar modelos para figurar na sua primeira página.

“Originalmente, o nosso foco principal era a cultura e o público potencial os expatriados a trabalhar em Macau”, recorda Jenny Oliveros Lao. No entanto, depois de muitos dos nossos leitores terem abandonado o território devido à crise económica, adicionámos mais informação nas áreas do ‘lifestyle’ e social e mudámos o nosso público-alvo para os estudantes universitários e jovens profissionais”, acrescenta.

No início, as coisas estiveram longe de ser fáceis, confessa a responsável. “Era difícil encontrar pessoas para contribuírem com artigos; mas agora já conseguimos reunir um grupo de bons contribuidores. Entretanto, a nossa maior dificuldade é conseguir gerir os recursos, já que o negócio da imprensa em Macau não é rentável”, remata.

 

TDM também aposta no inglês

 

Não é só na imprensa de Macau que a língua inglesa está a ganhar uma maior projecção. Também a Teledifusão de Macau (TDM) decidiu ampliar, desde Outubro, a sua produção própria em inglês, uma opção integrada no processo de lançamento de vários novos canais. Tal incluiu a ampliação do telejornal no idioma de Shakespeare de 15 para 30 minutos e o lançamento de talkshows em língua inglesa. A meta passa também por legendar em inglês mais programas falados em português – actualmente isso já acontece com a telenovela da noite e com “Música Movimento”.

“A opção destina-se a colmatar uma lacuna que considerávamos existir em Macau, por haver muitas pessoas que não falam nenhuma das línguas oficiais”, explica Manuel Gonçalves, presidente da comissão executiva da TDM.

Além disso, a aposta numa ampliação da grelha em inglês está ligada ao lançamento do canal satélite da TDM, que funcionará até ao final do ano em regime experimental e que no futuro vai chegar a todos os países de língua portuguesa – para já, pode ser visto em Hong Kong. Manuel Gonçalves explica que este canal pretende ser uma montra da China para a lusofonia e dos países de expressão portuguesa para o continente chinês. Daí que a língua inglesa seja um instrumento de comunicação essencial, já que muitos chineses ultramarinos e macaenses no exterior não dominam o chinês nem o português.

Além disso, “o inglês é hoje uma língua que toda a gente fala – na região da Ásia-Pacífico, é mesmo uma segunda língua em muitos países”, diz Manuel Gonçalves. “Tudo aquilo que é veiculado em inglês atinge uma proporção bastante maior”, acrescenta.

O responsável reconhece que a situação da língua inglesa na TDM ainda “não é a ideal, mas estamos a trabalhar para criar um produto mais completo”. Por agora, a programação em inglês “não ganhou autonomia em termos internos” e funciona sob a coordenação do departamento de informação em português da estação, acrescenta o presidente da comissão executiva da TDM. Quanto a eventuais novos programas em inglês, “irão acompanhar o desenvolvimento da comunidade não chinesa e não portuguesa em Macau, mas sempre de uma forma equilibrada”, promete o responsável.

Em termos de pessoal, também há algumas dificuldades. Os programas em língua inglesa “funcionam suportados por pessoas que falam chinês e português”, fruto de “sinergias” internas na TDM. Manuel Gonçalves diz que “é difícil arranjar pessoal em Macau”, e, por isso, a estação foi obrigada a recorrer ao exterior – já foi contratada uma jornalista na Malásia.