O mandarim

Mais de 10 anos antes de assumir o cargo, já era apontado como o futuro líder de Macau. Com carisma e um pensamento moderno, Edmund Ho foi sempre visto como “o homem certo, no lugar certo”

 

Filho de Ho Yin, antigo líder da comunidade chinesa, Edmund Ho começou a ser falado como o primeiro Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau nos finais da década de 80 do século passado, mais de uma década antes de ser eleito para o cargo.

Em 1984, o então Governador Almeida e Costa tinha-o convidado para integrar o Conselho Consultivo, mas o primeiro sinal evidente de que assumiria os destinos de Macau, após a transferência de administração, aconteceu em 1988 quando passou a integrar a Assembleia Legislativa. Foi logo eleito vice-presidente da AL, tendo substituído no cargo outra figura da comunidade chinesa, Chui Tak Kei, tio do futuro Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, e pai do deputado José Chui Sai Peng.

Macau tinha acabado de entrar no chamado processo de transição (a Declaração Conjunta tinha sido assinada a 13 de Abril de 1987 por Zhao Ziyang e Cavaco Silva). Os temas mais importantes de Macau passavam então pelo crivo do Grupo de Ligação Conjunta (o órgão de consulta de Lisboa e Pequim sobre os assuntos de Macau).

“Aprendi com o meu pai que ninguém pode ter sucesso independentemente do meio que o rodeia. Os cargos que me ofereceram não foram uma promoção, mas uma oportunidade de aprender e  de me desenvolver”, disse ao Expresso em Agosto de 1986.

Na Assembleia Legislativa discutiram-se muitas das matérias que ajudaram a preparar o território para a transferência de administração. Apesar da sua juventude, começou a revelar a sua capacidade de hábil negociador. Quando os deputados portugueses e chineses evidenciavam divergências ou diferentes pontos de vista, Edmund Ho utilizava, quase sempre com sucesso, o pedido de intervalo nas sessões plenárias. Depois de alguns minutos de conversações nos bastidores, o consenso surgia quando pouco tempo antes parecia uma meta difícil de alcançar.

Com 31 anos foi eleito vice-presidente da Associação Comercial e, em 1993, integrava já o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional. Mais tarde, passou a liderar a toda poderosa Associação de Bancos e a presidir à assembleia-geral de várias associações e colectividades locais. No Comité Olímpico substituiu na fase final da década de 90 o comendador Morais Alves, mantendo vários contactos com Juan Samaranch, na altura o indiscutível “patrão” do Comité Olímpico Internacional. Morais Alves, Edmund Ho e Manuel Silvério não conseguiram, no entanto, assegurar a entrada de Macau para a família olímpica.

Integra a comitiva do Governador de Macau em várias visitas ao exterior, nomeadamente a Portugal, Moçambique, Brasil e União Europeia. Conhece os dirigentes políticos de Portugal, com quem mantém boas relações. A escolha do líder da RAEM não passava por Lisboa, mas Edmund Ho tranquiliza as autoridades portuguesas, que viram desde o primeiro momento no filho de Ho Yin a figura ideal para assegurar a transferência de poderes. Jorge Sampaio, Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres recebem-no em audiência no Palácio de Belém e em S. Bento.

Foi, portanto, com naturalidade que a 15 de Maio de 1999 foi eleito o primeiro Chefe do Executivo da futura Região Administrativa Especial. Com 163 votos (Stanley Au teve apenas 34 votos). Um bom prenúncio já que aquele número significa vida eterna. Gosta de ver televisão e de ler, o que fez menos vezes nos últimos anos, e é amante do karaoke. Em 1993, no final dos trabalhos da Comissão de Redacção da Lei Básica, interpretou, num restaurante local, uma das suas canções preferidas: “My Way”.

Formado em gestão de empresas pela Universidade de York, Canadá, onde viveu 10 anos, com enorme carisma e beneficiando do apoio generalizado da população, garantiu uma transição suave, para a qual tanto tinham trabalhado os negociadores portugueses e chineses.

Nos primeiros anos de mandato, gere, com acerto, o momento menos bom da economia local, responde aos efeitos da pneumonia atípica, e concretiza a liberalização do jogo – que acabaria por mudar Macau. Foi nesse período um político em estado de graça. É, provavelmente, em todo o mundo, o político que mais tempo manteve o apoio generalizado da população.

No segundo mandato, as coisas complicam-se, sobretudo a partir do escândalo Ao Man Long. “Apesar de tudo o que se passou, não há dúvidas que continua a ser o político mais preparado, o homem que tem uma visão para Macau, que percebe os caminhos que a RAEM deve traçar. Mas a complexidade da gestão não lhe permitiu fazer tudo o que idealizou para Macau”, comenta um jornalista português há muito radicado na RAEM.

Não se sabe ainda o que vai fazer no futuro, mas parece evidente que continuará a ter um importante papel em Macau. A experiência ganha ao longo dos últimos 10 anos “não deve ser desperdiçada”, e Edmund Ho pode ajudar a consolidar o princípio “um país, dois sistemas” e a afirmação da RAEM na região e no mundo.