A planta das mil virtudes

O bambu é forte e elástico, emocional e sensível. Uma planta das monções, apesar de também poder ser encontrada em altas montanhas, está associada a diversas facetas da vida humana. Usa-se com múltiplas finalidades e, para além de ser ornamental, simboliza a virtude

 

Até à nossa chegada à China, o bambu pouca existência tinha no meio quotidiano em que vivíamos, aparecendo raramente em jardins. Mas quando viajávamos pelo Sul da China tínhamos oportunidade de encontrar o bambu por todo o lado e constatar a utilização de todas as partes que o compõem. A mais surpreendente utilização, pelas magníficas estruturas a que dá origem, é nas construções feitas para servirem de andaimes. A cozinha chinesa, por exemplo, faz uso dos rebentos de bambu (zhusun), como das suas folhas e da cana. Provámos o arroz cozido em canas de bambu, os bolos de arroz glutinoso (zong) embrulhados em folhas de bambu e, em Sichuan, o licor verde de folhas de bambu.

Antigamente o caule do bambu estava muito ligado ao quotidiano já que a sua utilização ia desde a construção de redes de canalizações para transportar a água do rio e levá-la a irrigar os campos às jangadas, tendo havido também pontes e casas feitas deste material. Muitas das armas, como as varas das lanças e os arcos e flechas, eram feitas de bambu, tal como o lança-fogo.

Em placas de bambu ficaram registados caracteres com momentos da história da China, que formaram os primeiros livros. Conta-se que Confúcio tinha o Livro das Mutações, Yi Jing, assim gravado e, de tanto o manusear, teve que mudar os atilhos de cabedal que atavam as placas umas às outras.

Arbusto muito apreciado nos jardins, do bambu faz-se ainda mobiliário e talham-se esculturas.

Sentados em cadeiras e usando mesas feitas com canas de bambu, comíamos com pauzinhos, (kuaizi) feitos igualmente de bambu. Muitas especialidades gastronómicas eram servidas em cestos de bambu, que servem para cozer a vapor os alimentos.

Também vimos pessoas transportando cargas pesadas distribuídas nos extremos da vara de bambu que, devido à flexibilidade cadenciada pelo caminhar, leva o contacto da vara por instantes ao ombro, o que parece retirar o peso ao que transportam, mesmo a subir as escadas de uma das montanhas sagradas chinesas. As redes de pesca de abater e os cachimbos de água, que muita gente ainda fuma nas aldeias, tudo é feito de bambu. Encontrámos ainda barcos com velas de bambu no porto de Quanzhou, na Província de Fujian.

O caule de bambu pode ser usado para fazer papel e os pincéis têm-no no cabo, assim como é o material de muitos instrumentos musicais, como as flautas ou os xilofones. Desde 1998 que existe uma orquestra, a Hwa-yun Bamboo Orchestra, que apenas usa instrumentos musicais feitos deste material. Foi pelo estudo matemático que, a partir de segmentos de diferentes tamanhos de canas de bambu, se encontrou o padrão das notas musicais na China.

Muitas são as pinturas que representam esta planta e um dos pintores que melhor a representou foi Zheng Banqiao (1693-1765).

 

História do bambu

 

Por viver muitos anos, o bambu é considerado como o símbolo da longevidade; por ser muito resistente é o símbolo da estabilidade; pela sombra que propicia é o símbolo da benevolência; a flexibilidade da cana de bambu será outro símbolo, tal como o da virtude já que parece estar dotada de alma e ser emocional. E pelo som, que quando o vento passa pela cana em música se transforma, deve ser o símbolo da harmonia.

O bambu apareceu, na escala do tempo geológico, no período Cretáceo da era Mesozóica. A floresta de bambu cobre 20 milhões de hectares de terra, sendo um por cento da área de floresta, havendo 90 géneros de bambu e perto de 1300 espécies.

A distribuição do bambu encontra-se pelos cinco continentes, mas é na Ásia onde existe em maior quantidade, seguindo-se a América. Alguns cientistas pensam que é originário da África ou Ásia, mas outros estudiosos acreditam que a planta teve a sua origem na Província de Yunnan, na China. Aí existem 39 géneros e mais de 600 espécies, numa floresta de cinco milhões de hectares, o que corresponde a 3,4 por cento da floresta chinesa.

A planta do bambu é constituída por um rizoma subterrâneo e um robusto caule, por onde circula pouca seiva. Com colmos lenhosos, ainda que flexíveis, podem emergir em tufos a partir de um rizoma comum, simples ou ramificado. Cada caule (ou colmo) é dividido em secções separadas por nós. No interior da cana, na zona correspondente a cada nó, existe uma espécie de diafragma. Esses colmos podem ter de diâmetro 10 a 20 centímetros. Dizem que, em algumas espécies, o caule chega a crescer 30 centímetros por dia e, na Primavera, apode atingir os 10 metros num mês. Mas há outras espécies que, durante toda a sua vida, apenas crescem 10 a 15 centímetros. As folhas, distintamente pecioladas, com limbo frequentemente curto, são alongadas e nascem a partir dos nós. As flores têm geralmente seis estames. Algumas espécies florescem todos os anos, enquanto outras só depois de 12 a 120 anos de crescimento e, por vezes, apenas uma vez na sua vida. Os colmos secam após a maturação do fruto.

O bambu encontra-se sobretudo nas regiões subtropicais e tropicais, como no Sul da China, mas também os há nas altas montanhas, como nos Andes e Himalaias. Todavia é onde as monções chegam que o bambu resplandece em majestosos portes.

Existem muitas espécies, mas as mais comuns são a bambusa vulgaris, a bambusa arundinacea, a dendrocalamus strictus (cujas polpas servem para fazer papel de grande qualidade) e a phyllostachys.

A variedade Moso corresponde a 80 por cento do bambu na China, sendo a de maior uso e maior valor económico. Mas há outras espécies como o bambu malhado, o bambu de cor preta, o bambu caniço, o bambu espinhoso (bambusa stenostachya) e o bambu fino e pequeno (bambusa multiplex).

Os chineses que viviam na floresta há vários milhares de anos serviram-se do bambu para fazer ferramentas, construir casas e apanhar peixe. Com ripas de bambu fizeram-se cestos, leques, chapéus cónicos usados sobretudo na Província de Guangxi e paredes para separar divisões da casa.

 

Festivais culturais do bambu

 

Sichuan é uma província montanhosa com muita água e condições ideais para o cultivo do bambu. Por tal, é nesta província que se realiza o maior número de festivais dedicados a esta planta. Assim em 2001 aconteceu em Yibin o 3º Festival Cultural do Bambu na China. Em Agosto de 2005 realizou-se, no parque Wangjianglou, em Chengdu, o 12º Festival do Bambu e, no mês de Setembro, no concelho de Qinshen, realizou-se a 1ª Expo-Arte de Artesãos do Bambu na China.

As canas de bambu adensam-se esguias e aos molhes, ocupando grandes áreas. Sichuan, situada num micro-clima, é o habitat dos poucos pandas que ainda restam soltos. Esses pandas vivem junto aos bambus, alimentando-se de rebentos e de folhas tenras.

Devido às condições ideais para o cultivo do bambu, Sichuan é famosa pela extensão plantada de bambu, considerada como de maior produção em toda a China. Após as terras terem sido desflorestadas para a agricultura e depois de estarem “cansadas”, em vez de serem reflorestadas planta-se o bambu, que cresce muito rapidamente. Assim a região de Yibin conta com mais de 60 mil hectares desta planta e numerosas fábricas que o usam o bambu como matéria-prima. Os produtos produzidos geram receitas que rondam os 120 mil renminbis por hectare. O Museu de Bambu no concelho de Changning está vocacionado para o bambu e os seus aspectos culturais.

Já na Província de Hubei realizou-se, na cidade de Xianlin, em 2003, o 4º Festival Cultural do Bambu na China. Outros festivais mais pequenos tiveram lugar ao longo de 2005: o 12º Festival do Bambu, no parque Zhizhuyuan, em Pequim, o Festival Cultural do Bambu do Norte, em Rizhao, na Província de Shandong, e o Festival Cultural do Bambu, no parque Xiaoyaojin de Hefei, na Província de Anhui.

Zona de produção do bambu Moso, o concelho de Anji, a Norte da montanha Tianmu, na Província de Zhejiang é onde se fazem pesquisas científicas à volta deste material, usando métodos modernos na sua plantação. Por isso fomos visitar o parque e o museu do bambu, perto da cidade de Anji. Com um preço de entrada de 60 renminbis, o parque está recheado de diferentes espécies de bambu, tendo um centro de investigação que nos pareceu abandonado. O parque, extensamente agradável e bem cuidado, serve de local de lazer e recreio, com espectáculos de pássaros domesticados e experiências com técnicas antigas de regadio e outros instrumentos que usavam o bambu. As variedades de bambu expostas levam logo à entrada a encontrar espécies com formas e cores estranhas, mas exemplificativas da beleza de criação da Natureza.

Também em Hangzhou, capital da Província de Zhejiang, existe o Jardim do Bambu, entre o lago Oeste e a Universidade, um dos locais onde o correr das águas e o vento ao passar entre os bambus permite usufruir de uma celestial música tocada pela natureza e que nos transporta a um meditativo estar.

Segundo a lenda, o bambu malhado de Hunan deve-se às lágrimas das duas esposas de Shun, um monarca lendário da antiga China. Ao saberem que o seu marido tinha morrido, quedaram-se num enorme pranto, que durou dias, e as lágrimas ao tocarem nos talos dos bambus pintalgaram-nos e assim os bambus originários de Hunan são salpicados e ficaram conhecidos como os bambus das Senhoras de Xiang.

 

Preparação do fio de bambu

 

Só quando à terceira vez olhámos para um serviço de chá, em que cada peça de porcelana é envolvida por filamentos de bambu entrelaçados de várias cores e tonalidades, apresentando um trabalho minucioso e esteticamente bonito, reparámos no que pensamos ser uma nova forma de artesanato. Foi na antiga cidade de Pingle, a 90 quilómetros da cidade de Chengdu, na Província de Guangxi.

O fio de bambu usado é feito por um processo que passa por mais de dez fases.

O caule do bambu tem normalmente entre 2 a 3 anos e a distância entre os nós aproximadamente de 50 a 60 centímetros, não podendo ter nenhum golpe, por pequeno que seja, na superfície.

Cortado o bambu na montanha onde lhe é também raspada a casca verde, é depois transportado para um local já no vale onde fica a secar ao Sol. Seco o caule, é cortado depois pelos nós que também desaparecem e continua-se com a secagem desses troços esbranquiçados, já divididos a meio. São depois levadas para uma estufa onde, pelo calor, em processo químico, o bambu fica com a cor vermelha acastanhada. Todo este trabalho é feito pelo senhor Yuan Hui Jiang, com a ajuda de uma máquina. Terminando, corta com uma catana em várias tiras longitudinais os caules do bambu. Estas tiras passam para as mãos da sua esposa que as abre para diminuir a espessura, com a ajuda de uma faca, que serve também para limpar as partes extremas dos nós que não desapareceram completamente. Volta a separar as camadas que formam o caule do bambu e essa operação é consecutivamente feita até que a espessura fica quase indivisível, indo depois as tiras a polir, para criar maciez.

Após terminada esta fase, as ripas de bambu de 2 cm e com pouca espessura são enviadas para a casa ao lado. Num compartimento ao fundo da casa rural, encontramos a senhora Sun Liang Ji a ripar as tiras levando-as, uma a uma, a passar por entre uma peça afiada de metal, presa na mesa. Começa com o pegar das tiras e subdividi-las pelo cortar em partes, mais ou menos de diâmetro igual. O gesto repetitivo está mecanizado e cadenciado num largo movimento que leva de uma ponta à outra o corte das ripas. Retorna ao molhe e refaz a mesma acção, criando assim o que já se parece com um fio. Enquanto o marido, o senhor Guo Jia Gui, a usar um aparelho que serve para calibrar a grossura do fio, vai ajustando a abertura feita com dois pedaços de metal cortante para fazer passar os fios pelo espaço até que atinjam a espessura desejada. Por vezes passa-lhes um verniz, usando também um outro produto químico. As ripas de madeira dividem-se e começando ele com os fios medidos aos milímetros, leva-os até chegarem aos 0,2 milímetros, que é o mais fino.

Com 48 anos, o senhor Gui desabafa: “Este trabalho parece não ter continuadores, pois já não há na nova geração quem saiba a técnica para retirar do caule do bambu as ripas, finas e lustrosas, com que se envolve a parte de fora de jarras, serviços de chá e peças quotidianas.” Fala-nos da fábrica Wan Jia que, entre 1993 a 1995 trabalhava com bambu e tinha 200 empregados. Após 1997 teve que fechar portas devido à falta de procura das mobílias, que produziam como principal produto.

De 100 quilos de bambu apenas se retiram 0,8 quilos de fio, o que leva as pessoas a considerarem ter este fio o valor da prata.

 

Bambu da sorte

 

A sul da Província de Guangdong, na ilha de Donghai, junto a Zhanjiang, encontrámos um negociante de bambu que exporta esta planta para a Holanda e Estados Unidos. Visitámos o local onde o bambu é desfolhado e depois colocado em enormes tinas de água. Os troncos individuais ainda verdes crescem durante semanas, enrolando-se pelo extremo que se encontra fora da água, em voltas helicoidais.

Outros arranjos com esta planta eram feitos com caules cortados em pequenos troços de diferentes tamanhos, amarrados em forma cilíndrica, ficando os maiores talos no centro e a envolvê-los os com metade da altura, o que cria uma estrutura em cone. O ‘Bambu da Sorte’ era feito por construções em diferentes andares. No que nos foi oferecido, no primeiro andar contamos 17 pequenos ramos com cinco centímetros, no segundo 14 ramos de sete centímetros e, no terceiro andar, sete caules com nove centímetros. Também havia pequenas construções, com apenas dois andares, onde 11 ramos mais pequenos de bambu em círculo constituíam o nível mais baixo, ao passo que o nível superior tinha seis ramos. De cada um dos troncos saía um pedúnculo de rebentos de folha. Outros arranjos com esta planta eram feitos pelo entrelaçar dos caules que criavam uma malha cilíndrica.