A lenda dos cálamos na porta: Do folclore chinês

  Reza a lenda que a certa altura houve uma grande seca à véspera do dia do duplo cinco. A esposa virtuosa de um literato pobre resolveu pendurar na entrada da casa galhos de cálamos e escrever um dístico para alegrar a passagem de seu aniversário e o feriado, ao qual dizia: “Lamento a falta […]


 

Reza a lenda que a certa altura houve uma grande seca à véspera do dia do duplo cinco. A esposa virtuosa de um literato pobre resolveu pendurar na entrada da casa galhos de cálamos e escrever um dístico para alegrar a passagem de seu aniversário e o feriado, ao qual dizia:

“Lamento a falta de fortuna, amanhã nada tenho para as oferendas;
Não deixarei a data passar em vão e fixo cálamos na entrada.”

Quando o literato chegou à porta de sua casa e viu o dístico, sentiu-se envergonhado e resolveu voltar à cidade. No caminho, viu um velho búfalo a pastar solto e decidiu levá-lo para o trocar por alguma coisa para alegrar a sua esposa. Mas mal caminhou alguns passos, o dono do búfalo apareceu e levou o literato ao tribunal acusando-o de roubo.

— Qual o motivo que levou você a pegar um búfalo alheio em plena luz do dia? — perguntou o magistrado ao literato.

— Ao chegar em casa, — respondeu o literato constrangido. — Vi na porta o dístico que a minha boa esposa escreveu e me senti muito envergonhado com a minha falta de capacidade de sustentá-la condignamente.
O magistrado não acreditou que uma mulher do interior pudesse escrever poesia e mandou-a chamar à sua presença, quando ela chegou, perguntou-lhe:

— O dístico pendurado na porta foi escrito por você?
“Lamento a falta de fortuna, amanhã nada tenho para as oferendas;

Não deixarei a data passar em vão e fixo cálamos na entrada.”A esposa apressou-se em ajoelhar-se perante o magistrado e respondeu:

— Vossa Excelência, o poema foi escrito por mim, mas não percebo onde eu tenha acometido falta.

— Você não cometeu nenhuma falta não, — comentou calmamente o magistrado — porém, o seu marido levou um búfalo alheio e está respondendo a essa acusação. Qual deverá ser a sua punição?
A esposa percebeu a gravidade da situação e lamuriou:

— Meu marido conhece as leis e as infringiu, deve ser punido exemplarmente!
O magistrado satisfeito com a resposta da mulher, disse-lhe:

— De acordo com a lei, devo punir o seu marido à prisão, mas como você irá sobreviver? Já que você sabe compor poesia, eu ordeno-lhe que redija um poema sobre o ocorrido e, caso me agrade, darei a você uma boa recompensa.
A esposa acatou a ordem do magistrado de imediato e após refletir por alguns instantes, escreveu:

“As águas do rio Amarelo escoam para o leste, mas não lavam a vergonha desse acto
Não sou a fada tecelã e o meu amado não é o pastor, para quê pegar o búfalo?”

Ao ler o poema, o magistrado comentou em sonora gargalhada:

— Você não é a fada, mas se eu condenar o seu marido à prisão, vocês ficarão separados como a tecelã e o pastor.
E a recompensou com certa quantia em ouro e mandou o casal de volta para casa.
A partir daí, pendurar cálamo na véspera do duplo cinco se tornou um costume muito popular, para atrair fortuna para casa.

Tradução: Márcia Schmaltz