Cidade antiga de Langzhong

Situada no nordeste da Província de Sichuan, Langzhong não é uma cidade qualquer. Em diversos momentos a História cruzou as suas ruas e habitou as casas abençoadas pelos ventos auspiciosos do fengshui. Por isso conta-se hoje entre as cidades antigas mais famosas da China, sendo um local procurado por excursões turísticas e, de uma maneira geral, os que andam em busca de vestígios de um passado distante
Cidade antiga  de Langzhong

Trazemos Langzhong, situada na parte nordeste de Sichuan, como uma das quatro cidades antigas mais bem preservadas da China. Mas após o táxi nos deixar na parte sul da cidade antiga, revendo o trajecto desde o terminal de autocarros, situado fora da cidade, e a parte nova, questionamo-nos sobre o que estamos aqui a fazer. Antecipadamente avisados de que a cidade rapidamente vai perdendo o seu carácter, a sensação de nos terem enganado com tal título continuou ao caminharmos por ruas vazias e com um grande número de casas, acabadas de construir, a imitar as antigas. Logo nos lembramos do que quinze dias antes assistíramos em Jishou, na província de Hunan, aquando da inauguração da renovada parte antiga de uma aldeia Miao. Mentalmente revisitámos lugares como Yangshuo, Dali e Lijiang, por onde há vinte anos passáramos e desde então periodicamente visitamos, apercebendo-nos da evolução do turismo na China. De aldeias e cidades pacatas, onde a população vivia o seu dia-a-dia tranquilo, sem pressas, tornaram-se de tal maneira conhecidas que as excursões turísticas agora regulam os horários dos habitantes. Muita da população deixou o centro e foi viver para as novas zonas periféricas, perdendo os lugares o seu antigo charme. Distanciados por estes pensamentos, nem demos conta de que a paisagem mudara. Caminhamos próximo do centro, já com casas térreas antigas verdadeiras e uma vida na rua a reflectir a pacatez de um quotidiano sem grandes preocupações. A disposição melhorou e a sorte logo sorriu.
Langzhong é uma cidade recheada de História e, apesar de ter sido descaracterizada pela construção de edifícios durante a segunda metade do século XX, está agora a refazer a sua parte antiga.

Uma viagem pela cidade

Uma das vantagens da cidade antiga, que tem pouco mais de 1,5 quilómetros quadrados de área e deveria estar na classificação das mais procuradas pelos turistas, é a população ainda aí viver o seu quotidiano familiar. Pelas ruas pedonais, onde apenas veículos de duas rodas podem circular, vemos mulheres sentadas ao sol conversando, enquanto as crianças tomam o pequeno-almoço de sopa de arroz e uma espécie de rissóis cozidos a vapor. A maior parte das casas são térreas, feitas em madeira e colocadas umas encostadas às outras, com pátios interiores e os compartimentos virados para a rua ocupados por lojas, que são um dos sustentos das famílias.

Aspectos da cidade antiga

 

Casais de turistas dedicam-se a fazer compras dos produtos tradicionais de Langzhong, como os edredões de seda, o vinagre Bao Ning feito de arroz, milho e da casca de trigo e o fruto da amoreira, que também serve para fazer vinho medicinal, que pode ser igualmente feito com outros frutos e raízes. Mas o produto mais comprado é o bife Zhang Fei. E nem de propósito, pois após visitar a torre-pagode Zhongtian (ver texto “Zhang Fei e os Três Reinos”) encontramo-nos perante o templo de Zhang Fei, construído há 1700 anos. Como relíquia cultural que é, está desde 1996 sob protecção do Estado.
Zhang Fei (167-221), também chamado de Yide, nasceu com pele escura em Zhuojun, hoje Zhuozhou, na Província de Hebei, onde se encontra outro dos três templos existentes na China dedicados a este general Shu. Zhang Fei encontrava-se em Langzhong à frente de uma das zonas militares Shu e aqui viveu apenas sete anos, os últimos e mais intensos da sua vida, que lhe deram fama, sendo por isso muito querido pela população.
Uma placa com a sua caligrafia encontra-se à porta de entrada do templo. Reproduz a história da vitória deste estratega general sobre o exército Wei. Na sala seguinte à da entrada do templo, aparece uma estátua vestida com todos os adornos de imperador e com a imagem de Zhang Fei. Sabendo que nunca fora imperador, a explicação é-nos dada mais tarde pelo senhor Tang Shaoyou, professor de inglês e guia para personalidades estrangeiras que visitam a sua cidade, já que é um estudioso da história de Langzhong e de tudo o que a ela está ligado. A nossa conversa aborda muitos temas, como Fu Xi aqui ter sido concebido e a Deusa Mãe do Oeste, Xiwangmu, aqui ter vivido; o astrónomo Luxia Hong, que introduziu melhoramentos importantes na esfera armilar, nasceu nesta cidade durante a dinastia Han do Oeste; e Zhang Daoling, o fundador do tauismo religioso, passou por ela para propagar a sua doutrina. Langzhong era ainda um dos poucos locais onde se realizavam os Exames Imperiais e também a cidade-modelo do feng shui ou geomancia chinesa (ver texto “Uma cidade abençoada”).

 

Langzhong é uma cidade recheada de História e, apesar de ter sido descaracterizada pela construção de edifícios durante a segunda metade do século XX, está agora a refazer a sua parte antiga

 

Quase todos estes assuntos estão registados no seu livro Follow Me to the Fairyland of Langyuan, escrito em inglês e chinês. Langyuan é o nome antigo da cidade, que aparece depois de 713, chamando-se antes Longyuan mas, como o imperador Xuan Zong (712-755), da dinastia Tang, tinha esse mesmo nome, teve o da cidade que ser mudado. Langyuan, que designava o jardim Paraíso, continuou a ser muitas vezes assim chamada pelos poetas, mesmo depois de passar a ter o nome de Langzhong. A troca de conhecimentos é feita no hotel Qin Jia e, porque aí estamos hospedados, não pagamos os cinco renminbis de entrada para visitar um edifício do início da dinastia Qing. Ao contrário das casas térreas de madeira, este edifício com 400 anos é de pedra, sendo constituído por uma sucessão de pátios ladeados pelos quartos. Outros edifícios como este podem também ser visitados, contendo todos uma parte museológica, e num deles pudemos ver, para além de potes da dinastia Tang, todo o processo para a produção do vinagre gravado em desenhos expostos nas placas de madeira. A visita a muitos dos monumentos da cidade, como as torres-pagode Huaguang e Zhongtian e outros referenciados acima, é paga, mas é possível adquirir um único bilhete que dá acesso aos locais mais importantes, por uma quantia que corresponde a quase metade do despendido ao comprar bilhete a bilhete.
Após a morte de Zhang Fei, foi-lhe dado o título de Marquês Huan (Huanhou). Passados mais de mil e quinhentos anos, já durante a dinastia Qing, um governador da província de Sichuan começou a compilar as histórias deste grande general e reportou-as ao imperador Jiajing (1796-1820), que logo percebeu tratar-se de uma grande personagem da história e lhe conferiu o título póstumo de imperador Huanhou. Por isso lhe foi erigida uma estátua.

 

 

Mas quando chegou o momento de lhe colocar os atributos, depararam-se com um problema. Se Zhang Fei fora ministro do imperador Liu Bei, não poderia ser ao mesmo tempo imperador e ministro e, por tal, a estátua de Zhang Fei como imperador tem segura pelas duas mãos a placa de jade que o ministro levava quando ia resolver assuntos do Estado com o imperador. Resolvido assim o problema, Zhang Fei tornou-se um imperador espiritual no coração do povo e, por outro lado, um leal ministro, e isto caracteriza a população de Langzhong.
Ao fundo do templo está o mausoléu com o corpo de Zhang Fei, mas a cabeça encontra-se enterrada em Yunyang, na municipalidade de Chongqing, onde está o terceiro templo dedicado a este herói do período dos Três Reinos.
O senhor Tang fala-nos da intenção de se voltar amuralhar a cidade e nós pudemos ver as obras do passeio ao longo do rio, que já se estão a realizar.
A nossa estadia em Langzhong, pensada para quatro dias, vai-se prolongando à medida do que na cidade vamos encontrando. Como todos os dias aparecem novos motivos de interesse, constantemente adiamos a partida, sentindo ser esta uma das nossas cidades preferidas na China.
No trajecto de regresso ao terminal de autocarros consciencializamos o valor turístico de Langzhong em comparação com outras localidades anteriormente visitadas. Não conseguimos compreender a falta de interesse por parte dos turistas, tanto nacionais como estrangeiros, para aquele sossegado lugar recheado de História e de ancestrais saberes.