Por esta China acima

Foi convidado para um seminário na Academia de Belas-Artes de Pequim e o único artista ocidental na colectiva The Butterfly Effect, uma iniciativa que aconteceu em Shenzhen e que serviu para mostrar o que é a arte contemporânea da Grande China. José Drummond vive em Macau há quase duas dezenas de anos e tem uma relação especial com o Interior do País, que se estende também à música

Por esta China acima

 

Veio para Macau “por causa da China, logo à partida”, porque achou que “era uma belíssima porta para aprofundar aquilo que o país era na altura”. O intuito manteve-se, até porque a China “está em constante mudança”. José Drummond tem uma relação próxima com o que se faz no Interior do País, que se adensou nos últimos anos. A partir do Inverno de 2004, percorreu “um número enorme de cidades” chinesas no seu estatuto de DJ. Recentemente, e numa outra vertente profissional, a de artista plástico, viajou até Pequim e Shenzhen.
O repto enviado pela capital chinesa não se tratou de um convite vulgar, daqueles que aparecem todos os dias. Teve, na origem, uma explicação singular: José Drummond é vice-presidente e membro activo da Art for All, associação de Macau que se encontra também presente em Pequim. Foi comissário do Human Emotions Project (HEP), uma colectiva que, depois de ter passado por Macau, chegou à capital. “Lá, a exposição foi montada de uma forma diferente, acabou por ter bastante público, de tal modo que acabámos por prolongar o seu tempo de exposição”, explica o artista plástico.
Uma coisa levou à outra. O impacto do HEP em Pequim fez com que o Departamento Experimental da Academia de Belas-Artes de Pequim tivesse convidado José Drummond, nascido em Lisboa e residente de Macau há 17 anos, para um seminário sobre vídeo arte e os trabalhos que estavam no HEP.
Tratou-se de uma sessão destinada sobretudo a estudantes da instituição de ensino e artistas da capital. “Estava bastante gente, superou as expectativas que tinha. Fui muito bem recebido, tanto por parte dos responsáveis da Academia, como depois pelos estudantes”, afirma, em jeito de balanço sobre a experiência.
José Drummond esteve duas horas a mostrar vídeos e a falar sobre o que é a vídeo arte, procurando “estabelecer parâmetros e ligações”. A interacção surgiu rapidamente. “Foi muito curioso porque estivemos mais de uma hora numa sessão de perguntas e respostas, bastante interessante. Do ponto de vista profissional, foi muito saudável, porque me deu espaço para perceber outros mundos, e estar num patamar de relação com o público de uma forma diferente, numa grande academia como é a de Pequim.”
O seminário foi conduzido em inglês, com tradução em mandarim. “Alguns alunos tentaram ultrapassar a barreira da língua, não passarem pela intérprete, fazendo a pergunta directamente em inglês, o que provocou uma interacção maior.” Este esforço para evitar a mediação levou a “momentos bastante engraçados nesta relação Ocidente-Oriente”, mas que, realça, foram “muito naturais”.

 

“As pessoas não são as reais, não é isso que tem importância”, diz. “O que me interessava era explorar esse mundo de fragilidade e de esperança em que as pessoas promovem um determinado ‘eu’ com o qual gostam de ser vistas e que poderá não corresponder, na sua totalidade, à realidade. Isto pode ser levado ao ponto de algumas pessoas considerarem que são bonitas ou mais novas do que são, porque podem disponibilizar fotografias tiradas quando eram mais jovens ou identificarem-se com determinadas estrelas de cinema.” Em The Pretender aborda-se o “leque de variedades nesta relação da criação de perfis na Internet”.
Para a realização do vídeo, o artista contou com a participação de várias estudantes chinesas, que se voluntariaram para vestir a pele daspersonagens virtuais que José Drummond construiu a partir da correspondência recebida. De todos os trabalhos feitos nesta disciplina, foi aquele que implicou uma maior produção, mais meios e recursos humanos. E apresenta uma diferença significativa em relação ao que o artista tem vindo a fazer nesta sua fase mais recente: não entra como ‘modelo’ do seu vídeo, ficando do ‘lado de fora’ da imagem, o que, “em termos formais, resulta numa mudança”.
Todas as personagens “são muito semelhantes, o que é interessante”, refere. “O vídeo tem um efeito de câmara circular, o que tem a ver com a ideia de que, de algum modo, estas personagens criadas na Internet acabam por funcionar um pouco como a bailarina na caixa de música. São bonecos que andam à volta no seu próprio eixo.” Conclusão: em The Pretender Drummond procura analisar este “mundo de emoções e de falsidades que podem estar associadas, a forma fácil como as pessoas se expõem mas que, ao mesmo tempo, pode ser fabricada”.

 

Da pintura ao vídeo

Nascido em Portugal em 1965, José Drummond é um artista multifacetado, que tem vindo a trabalhar cada vez mais em vídeo. “Os meus estudos são na pintura, na realidade nunca fiz nenhum curso de vídeo, daí que se possa dizer que sou um autodidacta.” O vídeo entrou na vida do artista plástico quando a pintura deixou de bastar.
“Precisava da intervenção de outros aspectos plásticos na minha atitude enquanto criador.” O primeiro vídeo foi realizado em 1994, seguiu-se um interregno de quatro anos, em 2004 voltou a este meio de expressão artística. “Entretanto tive uma série de experiências pelo meio. Nos últimos três, quatro anos, a produção aumentou, tenho feito bastantes mais. Uma das grandes razões tem a ver com as possibilidades técnicas que hoje são permitidas e que antes não eram tão acessíveis.”
É difícil comparar a pintura e o vídeo – são meios diferentes. “No meu processo de largar a pintura, passei pela fotografia, o que, mais tarde, ajudou a cimentar o vídeo. Hoje em dia já praticamente não faço fotografia, e retornei à pintura, o que é curioso”, analisa. Mas, neste regresso, quando as suas séries de quadros são vistas como um todo, está lá a noção de imagem em movimento. “É quase como se fossem key frames de animações ou de vídeos, há uma ligação muito próxima entre esta pintura que tenho feito e o vídeo”.

 

Durante os dias que passou em Pequim, o artista plástico português realizou o trabalho de vídeo arte que, uma semana mais tarde, levou a Shenzhen, e que pôde ser visto até ao final do mês passado. Na capital encontrou disponibilidade ao nível dos meios técnicos para conseguir concretizar a sua peça. “Por isso, esta minha estadia em Pequim foi bastante positiva, mesmo a esse nível. Sinto que as pessoas em Pequim são muito abertas e muito curiosas, o que é uma vantagem para elas, porque aproveitam todos os pequenos momentos com um ocidental para tentarem saber um pouco mais da cultura dele e por que razão também está o ocidental interessado na cultura chinesa”, observa.