À Moda de Macau

Uma pequena volta pelas ruas de Macau num daqueles fins-de-semana agitados da cidade mostra-nos uma variedade de montras coloridas, algumas mais modestas outras mais elaboradas, muitas com produtos de designers locais
À Moda de Macau

A revista Macau quis ir saber mais sobre como anda a moda na cidade. O que se tem feito nos últimos anos pelas indústrias criativas e o lançamento de novos cursos de design tiveram certamente um impacto na produção de roupa e acessórios nativos desenhados em Macau. Para saber sobre esse impacto nada mais directo do que ir à procura dos jovens criadores que, com investimentos de poucas patacas, mergulharam no mercado do fashion design.
De todos os cantos e ruas comerciais de Macau o melhor lugar para se ir à procura destes mesmos jovens aventureiros será, como nos confirmaram inúmeros clientes, o centro comercial da Rua Pedro Nolasco da Silva (popularmente conhecida na comunidade portuguesa como “Rua das Mariazinhas) Sun Star City.  Mal se entra sente-se o frenesim típico da cidade. Os olhos demoram a adaptar-se à falta de luz natural e é difícil encontrar pontos de referência porque se é assaltado por milhares de imagens de produtos de todo o tipo. O primeiro destino é a loja Skin, situada no segundo andar do edifício. 

 

À flor da pele

Na loja pintada de vermelho forte, salta logo à vista o estilo descontraído de Yoko Chan, a jovem de 20 e poucos anos (não quis dizer a idade). Com um ar confiante, e enquanto atendia uma série de clientes, foi contando como era complicado ter uma loja e ser designer ao mesmo tempo. “À volta da parede, as fotografias que se vêem são tudo criações minhas” disse, apontando para a parede onde se podia ver uma sequência de imagens, “não consigo vender só as minhas peças originais, tenho que encomendar muita coisa da China e de Hong Kong. Contudo, na Skin, tudo parece ser do último grito da moda. “Sim, dá muito trabalho escolher a mercadoria, tem que se ter em conta o que os clientes gostam e o que as outras lojas já têm” explica enquanto devolve um troco. Yoko responde à próxima pergunta antes de ela ser feita “quando desenho as minhas roupas quero que elas sejam bonitas mas confortáveis e é isso que tento vender na minha loja. Principais influências?”, repete enquanto pensa, “talvez o Japão e a Coreia” conclui.

Aceita, com um ar envergonhado tirar fotografias no sofá de veludo vermelho encostado ao canto, mas insiste que não está nos seus melhores dias. “Consigo preços competitivos porque vou sempre à China buscar os materiais, a confecção é feita maioritariamente em Macau” termina com um ar decidido. Quanto ao que acha da moda em Macau, esta estilista da terra pensa que o que se faz ainda é pouco. “É preciso que haja mais pessoas interessadas para que se comece a criar um estilo próprio da cidade.” 

 

De malas e carteiras 

Ao som do pop chinês que toca no fundo da agitação de fim de tarde, vira-se a esquina e encontra-se uma loja diferente que capta a atenção. A A02 só vende carteiras e pequenos estojos. É um espaço pequeno mas criativo onde as pessoas se tropeçam para entrar, tal é o interesse. Aoman é a jovem responsável pelo estabelecimento, um dos quatro de que é proprietária. Licenciada em design gráfico pelo Instituto Politécnico de Macau, conta que “sempre soube que queria fazer qualquer coisa relacionada com as artes”. “Em Macau há muita gente que sabe fazer roupa mas que não tem condições para trabalhar sozinha, pelo que prefere trabalhar em grandes empresas”, explica com um ar tranquilo. Da sua vasta colecção de carteiras e malas nota-se um cuidado com a originalidade. Usa padrões e cores que as distinguem do resto e nota-se facilmente o background de design gráfico. Em certos casos um certo interesse pelo retro adivinha-se também no uso de estampados que lembram os anos 60 e 70 do século passado.
O design é cem por cento made in Macau. Quanto ao trabalho de montagem, é feito em parte aqui mas também no Interior do País. “A escolha dos padrões é a parte mais importante e eles são a minha principal inspiração”, acrescenta. Aoman entusiasma-se pelo interesse demonstrado e, simpaticamente, oferece um pequeno catálogo com as suas últimas criações. “É tudo desenhado e concebido por mim, desde os cartões de visita até ao formato das carteiras”. Aqui também se nota algum cuidado com o marketing dos produtos. As fotografias que folheamos são de profissionais e os textos que as acompanham são escritos em chinês e inglês.
Em relação à moda em Macau, a designer pensa que ainda é difícil ignorar as influências das outras cidades asiáticas. O mercado é pequeno e ainda há pouco contacto entre os profissionais desta área. Contudo, acrescenta num tom mais optimista, há cada vez mais profissionais a serem formados em design e as novas ofertas deste tipo de formação são promissoras.  

 

Sensibilidade e bom senso

No terceiro andar deste centro de comercial, que tem nada menos do que oito andares dedicados maioritariamente à moda feminina, encontramos uma loja bem iluminada e que chama a atenção pelo brilho dos cetins e das rendas. O cenário é diferente. Num ambiente mais romântico, de vestidos de festa faustosos, encontramos duas meninas tímidas que vão chamar a dona do estabelecimento.
Ali, entre sacos escondidos e bocados de tecido ainda espalhados pelo chão, aparece-nos uma senhora discreta e com um ar levemente cansado. Feitas as apresentações em inglês, acrescenta que percebe o idioma mas prefere falar em cantonês.
Encontramos um percurso de vida diferente. Esta mulher de negócios sempre trabalhou na área das vendas, mas é a primeira vez que se lança sozinha. As suas roupas não são exactamente desenhadas por ela, explica com cuidado, elas são o resultado de muitas pesquisas, que lhe sugerem ideias. Estas são depois alteradas cuidadosamente para as tornar mais “atraentes à clientela local.
Esta maneira de pensar o mercado da moda tem a sua razão de ser. “Tudo o que é preciso é ter uma boa noção do que as pessoas querem, e em Macau faltava um lugar onde se pudessem comprar vestidos para ocasiões mais solenes”. Embora confeccione a roupa que vende e esta não seja completamente original, adivinham-se bastantes aptidões de costura, enquanto vai rapidamente tirando as medidas a uma cliente. Ela confirma esta ideia e diz que sempre gostou de moda, “sempre senti uma inclinação para estas coisas e esse é o segredo de qualquer negócio.
Numa expressividade que quase dispensa a tradução, explica no que é que as clientes ocidentais divergem das orientais. Se as primeiras dão mais relevância a parecerem sexy, já as segundas preferem dar nas vistas pela roupa que usam em vez das formas físicas. “Mas no fim são todas iguais, querem estar bonitas no dia da festa”, conclui com um sorriso cúmplice.

 

… as clientes ocidentais divergem das orientais. Se as primeiras dão mais relevância a parecerem sexy, já as segundas preferem dar nas vistas pela roupa que usam em vez das formas físicas

 

Aqui, rodeados de rendas, plumas e lantejoulas, percebemos que a moda não é só design e confecção e que, muitas vezes, um pouco de sensibilidade e bom senso são decisivos.
De sensibilidade percebia também Mr. Lei (como quer ser chamado), o jovem estilista da loja em frente. Com um estilo mais relaxado e casual esta loja chamava a atenção pela sua montra original e os baixos preços que apregoava. Sengundo Lei, que tinha montado o espaço em conjunto com os colegas do curso de design do IPM, o mais importante é ser competitivo.
“O que mais gosto é de desenhar e mandar fazer as roupas, mas infelizmente o negócio é difícil, acabamos por ter de encomendar quase tudo de fora. Coreia , China e Taipé são os principais fornecedores”.
Já de sacos na mão, descemos os três andares nas vagarosas escadas-rolantes e saímos para o exterior ainda com os olhos cheios das 300 lojas que existem nos oito andares do edifício. 

 

Laboratório de traços

O próximo destino é o Albergue da Santa Cada da Misericórdia, espaço em que presentemente se desenvolvem diversas iniciativas culturais. O que nos rodeia já não são luzes florescentes nem há a azáfama habitual de Macau. Pelo contrário, somos convidados a gozar do bocadinho de sol que ainda se faz ao fim da tarde. É neste lugar agradável que a loja Lines Lab está instalada.

Clara Brito abre a porta com um sorriso convidativo, sempre com um ar moderno e vestida com as linhas simples que caracterizam o seu estilo. À volta já não há nada dos interiores elaborados das lojas do Sun Star City. Paredes brancas, jogos de luz e um espelho encostado à parede fazem o décor do espaço minimalista.
É este mesmo minimalismo, em contraste com as sedas garridas que vemos penduradas, que nos mostra que encontrámos um padrão diferente. Já não se vê as roupas que se usam por aí. A roupa parece ter toda um estilo próprio e bem definido onde impera o design.

Clara Brito considera que ainda é difícil, no momento presente, afirmar que existe uma moda de Macau

 

Enquanto nos sentamos na mesa ao canto da sala, a designer vai contando que já está em Macau há seis anos e que, em conjunto com Manuel CS, também designer, montou este projecto que, além da roupa, também abrange o desenho industrial.
A conversa toma então outro rumo, a designer vai explicando como a loja foi um sucesso de que não estava à espera. “Nunca pensámos que este se tornasse no negócio principal”. Pensa que o sucesso se deve ao esforço de inovação e porque, com tantos turistas (especialmente os vindos de Hong Kong), foi fácil criar um interesse pela moda de autor, coisa que até há poucos anos não se via na RAEM. Ao longo destes anos a Lines Lab nunca ficou parada. Além de ter conseguido fazer crescer o lucro, fez-se também um grande investimento de tempo e dedicação no meio artístico da terra, com a criação de associações como a “853”, além da participação na Associação de Designers de Macau.
Clara Brito considera que ainda é difícil, no momento presente, afirmar que existe uma moda de Macau. Sente que ainda há uma grande influência europeia e que se pode ver, pela reacção dos clientes quando a vêem atrás do balcão, que os ocidentais ainda são olhados sob estereótipos antigos. Acrescenta ainda que os objectivos do público vão mudando.
“As pessoas em Macau já se vão habituando a dar algum dinheiro por roupa, que, não sendo dos estilistas de topo, oferecem qualidade e originalidade. Se há algum tempo o cliente gastava dinheiro na esperança de comprar estatuto agora ele já vai à procura de outra coisa.”

 

 

Mas para criar uma indústria é preciso uma série de coisas que Macau, apesar de estar a dar os primeiros passos nesse sentido, ainda não tem. São, por exemplo, precisas revistas de moda, desfiles e divulgação.”
Quando se lhe pergunta se acha que a geração mais nova prefere influências asiáticas, a estilista fica com um ar pensativo. “Nunca tinha pensado nisso (risos), mas sim, estou a pensar nas meninas vestidas à maneira dos desenhos animados japoneses “ confirma. “Penso que não é só as influências asiáticas, é também uma nova forma de ver a moda. Eles pegam em peças para as quais nós temos usos específicos e já pensados há muito tempo e dão-lhes a volta, talvez o mesmo que nós fazemos quando vestimos as cabaias tradicionais.