Retrato: Tânia Sales Marques, astrónoma

  Não consegue precisar a idade em que a escolha foi feita, mas recorda-se bem dessa noite. “Era miúda, estávamos a passear de carro, vínhamos de Coloane para Macau, e o céu estava límpido. Na altura, ainda se viam as estrelas em Macau. Fiquei entusiasmada a olhar para elas.” Perguntou ao pai quem é que […]
Retrato: Tânia Sales Marques, astrónoma

 

Não consegue precisar a idade em que a escolha foi feita, mas recorda-se bem dessa noite. “Era miúda, estávamos a passear de carro, vínhamos de Coloane para Macau, e o céu estava límpido. Na altura, ainda se viam as estrelas em Macau. Fiquei entusiasmada a olhar para elas.” Perguntou ao pai quem é que estudava o céu. A palavra “astrónomo” ficou gravada na mente e a “ideia fixa” foi levada por diante. Tânia Sales Marques é astrónoma, tem 28 anos, um percurso académico nos Estados Unidos e em Londres, e vontade de se dedicar, um dia destes, à investigação.

 

Filha de pai macaense e de mãe portuguesa, Tânia Sales Marques nasceu e cresceu entre culturas. Em casa sempre se falou português, mas os hábitos e costumes macaenses estiveram igualmente presentes. “São aquelas tradições como a gastronomia, a língua, ouvir o patuá em casa da minha avó. O meu pai, sendo macaense, acabou por influenciar também a nossa educação”, explica.
O cantonês que fala aprendeu-o cedo, vem dos tempos da escola primária. “Na altura, tinha muitos colegas macaenses que falavam chinês em casa, pelo que me habituei a falar cantonês.” Para a aprendizagem contribuíram também os canais de televisão em língua chinesa. “Quase todas as crianças da minha geração viam os desenhos animados na televisão chinesa. Em casa da minha avó falava-se muito cantonês e eu passava muito tempo lá, via as novelas chinesas.” Embora compreendesse o idioma, houve alturas em que não o falava. Os anos passados fora de Macau também não ajudaram à manutenção do vocabulário. “Hoje em dia já falo muito melhor”, afiança.
Tânia Sales Marques decidiu aos 16 anos que queria ir para os Estados Unidos estudar astronomia, “o melhor local da época” para quem se interessa pela área. “Fiz o curso, fiquei lá quase cinco anos. Depois passei por Portugal, estive em Inglaterra dois anos e meio e então regressei a Macau.”
À chegada, colaborou com o Centro de Ciência de Macau, ainda na fase de projecto. Agora, dá aulas de Matemática e Física na Universidade de São José. “Gosto muito do ensino. No Centro de Ciência o ensino era não formal, fazia-se de forma indirecta. Acaba por ser diferente quando estamos envolvidos na evolução de um aluno. Estamos ali diariamente a transmitir conhecimentos, a ensinar a pensar – que é, acima de tudo, o mais importante.”
O facto de ser astrónoma desperta curiosidade entre alguns dos seus alunos, mas não em todos. Trata-se de “uma ciência interessante, mas não são muitas as pessoas que queiram estudá-la a fundo”, constata. Em Macau, existe uma associação que se dedica à astronomia, mas apenas como hobby. “Não é uma área de interesse muito comum”, reconhece. A astronomia tem ainda um lado filosófico: “É sempre bom sabermos de onde vimos. Todos nós queremos saber quem somos e porque é que estamos aqui. Através da astronomia, essas questões acabam por ser mais definidas. Aprendemos mais sobre o universo e o nosso lugar nele”.
Em Macau já há alguma pesquisa na área científica que escolheu, mas não especificamente nos assuntos que mais interesse lhe suscitam. Por isso, a jovem astrónoma não descarta a possibilidade de voltar a sair para fazer o doutoramento. Não que seja fácil deixar Macau, mas já o fez uma vez. E regressou. “Macau é a casa. E volta-se sempre a casa.”