D. José Lai, Bispo de Macau

A evangelização não é uma batalha perdida
Por mim, não tenho muita dificuldade de aproximação. Todos os anos me convidam para ir visitar o Interior do País.
Dez anos após a transição, quase tantos quantos o episcopado de D. José Lai, o prelado olha para trás e traça um diagnóstico da situação dos católicos em Macau sob administração chinesa. Numa cidade aberta ao mundo, as mudanças afectaram o povo de deus. Há novos fiéis, com novos problemas e expectativas, novas exigências sociais, de evangelização e de diálogo com o continente. Nesta entrevista a D. José Lai diz que é preciso encontrar vocações nas famílias cristãs de Macau, em nome da subsistência da língua portuguesa

 

Que mudanças assinala na vida da Igreja católica local ao longo deste dez anos de vida da RAEM? 

Durante estes dez anos a composição da população católica alterou-se. Antes era mais simples: chineses, portugueses, macaenses. Agora há várias origens. Existe uma maioria de filipinos, e chegaram vietnamitas, indonésios, de Singapura, Malásia, Austrália, Estados Unidos, Europa, Canadá.

 

E houve uma mudança de bispo.

Sim, desde 1999, temos dois bispos locais: D. Domingos e D. José Lai.

 

Neste seu episcopado que preocupações tem? Que é que considera mais problemático?

Como Bispo de Macau temos preocupações na área da educação, da pastoral nas paróquias, na evangelização, e também, no campo da acção social, obras que a Igreja tinha já desde princípio do século XVI. Acho importante para o serviço dos habitantes de Macau. Neste período, tivemos também de pensar na formação não só do clero, mas na formação de leigos e na participação activa dos leigos naqueles campos de que falei. Pouco a pouco, tivemos de pensar, sob o espírito do [Concílio] Vaticano II, que a diocese necessita formar leigos.

 

Ao longo destes dez anos nunca houve uma Carta Pastoral. Porque é que preferiu nunca escrever qualquer documento de orientação?

Sim, não tive essa intenção de escrever. Estou escrevendo todos os anos mensagens, sobretudo, na época de Natal onde transmito as minhas ideias e também tenho tido reuniões com párocos, nas escolas, por minha iniciativa. Para mim, prefiro este trabalho, em conjunto com os meus colaboradores, em vez de publicar apenas um papel.
Em 2007, o actual pontífice escreveu uma Carta à Igreja da China, em que defende que a Igreja se faça ao terreno e regresse à evangelização. Que iniciativas concretas é que a diocese tem desenvolvido neste aspecto?

Para mim, é um apelo ao aprofundamento do catolicismo e a fazermos as nossas acções pastoral, educacional e social. O Concílio Vaticano II já tinha essas orientações. Nós, em Macau, perguntamo-nos como implementar esses princípios.

 

A Igreja católica confronta-se hoje com um clero envelhecido e falta gente fluente em português…

O mais importante é saber se há vocações em Macau, porque muitos dos aqui nascidos já falam português. Para quem vem de fora é mais difícil. O mais importante para mim é saber desta vocação dos habitantes de Macau. Já estamos a fazer alguma coisa nas paróquias, a ver se há possibilidade de uma semente ocasional. Há dois anos, formei a Comissão Promotora para a vocação sacerdotal e chamei vários grupos da Igreja católica, paróquias, associações laicas, dos centros de pastoral juvenil, das congregações, para trabalhar em conjunto neste sentido. Houve já alguns resultados com gente a entrar para o seminário. Enviamos dois seminaristas para o seminário de Hong Kong porque ali há mais vida comunitária.

 

Porque existe esse risco de, mais tarde ou mais cedo, se acabarem as missas em português, pois se não há, no clero, falantes da língua…

Por isso é que é importante encontrar vocações dentro das nossas famílias cristãs, nas nossas paróquias e nas nossas escolas.

 

Mas numa sociedade com as características de Macau, em que o materialismo é omnipresente…

Sim, eu acho importante que os cristãos aqui em Macau façam a sua vida dentro do espírito católico e caritativo. Por exemplo, um patrão deve tratar os seus operários com esse espírito católico. É importante pôr em prática o Evangelho. É importante a vida. Sobre o materialismo e os casinos, a mesma coisa. Se vemos que qualquer membro da família vive com um problema ligado ao jogo, ou à droga, temos de pensar como ajudar essa família cristã.

 

Há registos anuais de conversões?

Sim, por ano, em média, temos cerca de 200 baptismos de adultos.

 

Qual deveria ser a missão principal destes dos seminaristas que, em princípio, serão ordenados em breve?

Acho que devem conhecer os principais problemas de Macau. Durante este tempo de formação também podem ver as circunstâncias de Macau e ver as suas possibilidades para ver onde podem vir a ser aplicadas.

 

Mas onde é que acha que devem ser aplicadas?

Acho que devem ser orientadas, sobretudo, para as famílias e juventude.

 

Acha que é nesse campo que se sentem maiores fragilidades?
Sim, porque agora os pais estão sempre muito ocupados com os seus empregos e os mais jovens sentem essa falta de comunicação entre pais e filhos. Temos de ver como ajudar o mútuo entendimento entre gerações, como podem as famílias ficar mais unidas.

 

Senhor D. José, quais são, neste momento, as suas relações com as autoridades do Governo Central?

Por mim, não tenho muita dificuldade de aproximação. Todos os anos me convidam para ir visitar o Interior do País. O Gabinete de Ligação convida-me a escolher o lugar que quero visitar. Tenho feito umas visitas às dioceses da China continental. Acho que isso faz bem: conhecemo-nos uns aos outros e, depois, vemos de que é que a Igreja precisa.

 

Lancelote Miguel Rodrigues, padre, 87 anos

É uma das figuras emblemáticas da Igreja local. Nasceu em Malaca, descendente dos portugueses que aí se fixaram, em 1923. Reside em Macau há 75 anos e o seu trabalho destacou-se, na Unesco, junto dos refugiados que ao longo do século passado arribaram a Macau. Trabalhou no interior da China junto de populações mais pobres. Era conhecido como o homem dos americanos em Macau.

De forma muita aberta o fazia, admite. O seu trabalho foi elogiado pelo anterior papa João Paulo II e chegou a receber uma medalha das mãos da rainha de Inglaterra, Isabel II, que o designou Sir Lancelote. “Mas Sir Lancelote é o da Távola Redonda. Eu sou o Lancelote da garrafa redonda”, em referência ao seu apreço pelo bom whiskey, que não desdenha.

 

Luís Ruiz Suarez, padre jesuíta, 92 anos

Espanhol, chegou à China em 1941, depois de ter ensinado em Cuba, na mesma escola em que estudava Fidel Castro, e exercido na Bélgica na sequência da expulsão dos jesuítas do território espanhol, em 1931, pelo governo republicano. Aprendeu mandarim em Pequim, mas em 1942, com o espoletar da II Guerra Mundial e o conflito entre Estados Unidos e Japão, foi obrigado a sair da capital. Foi ordenado em 1945 e destinado à missão religiosa de Anking. Aí foi feito prisioneiro pelo exército comunista, em 1951, tendo padecido de febre tifóide. Acabou expulso da China e foi nessa circunstância enviado pela hierarquia para o território português de Macau. Assim doente, colaborou no auxílio aos refugiados na distribuição de víveres. Em 1986, já com 73 anos, começou a trabalhar nas leprosarias na Província de Guangdong, e chegou a ser responsável por centenas destas instituições em toda a China. Com esta idade, já não percorre Macau de mota, uma das peculiaridades do sacerdote nonagenário, que com este percurso de vida é uma das referências maiores do clero local.

 

Luís Sequeira, padre jesuíta

Foi o superior da Sociedade de Jesus, em Macau, e é responsável do Colégio Mateus Ricci. Luís Sequeira, em Macau desde os anos 70, é uma das figuras da Igreja católica intelectualmente mais interventivas na sociedade local. Faz parte dos quadros da Universidade de São José, sendo Pro-Reitor, e é vice-director do Instituto Ricci de Macau. Esteve envolvido em trabalho de orientação espiritual, e foi durante anos responsável pelos Exercícios Espirituais, em Macau e em várias partes do mundo, em especial entre as Irmãs Missionárias da Caridade, tendo feito amizade com a Madre Teresa de Calcutá.