O ano do coelho

A presença do coelho na astrologia, apesar de ainda ser matéria controversa, encontra-se apoiada principalmente na característica de velocidade, enquanto outros reportam à respectiva capacidade reprodutiva
Leitora da Universidade de Macau; Doutoranda em Linguística

O Ano Novo lunar vindouro em  3 de fevereiro de 2011 corresponde ao coelho no zodíaco chinês. A tradição de identificar um dado ano a um animal remonta a mais de 3000 anos e visava facilitar a contagem da passagem das horas, dos meses e do ano.
Os estudos antropológicos realizados a partir dos achados em escavações arqueológicas indicam que o surgimento desse sistema astrológico está relacionado aos doze clãs primitivos existentes na planície central chinesa e seus respectivos totens, figuras de devoção e protecção, do qual o coelho não fazia parte. No seu lugar, assentava-se o qilin
(麒麟), animal mitológico com o aspecto de cervo, coberto por escamas, que passou a ser de uso exclusivo do clã Ji
(姬), quando fundou a dinastia Zhou (1100-256 a.C.).
As investigações também indicam que o elenco dos animais no zodíaco sofreu alterações ao longo do tempo e a sua presença reflecte importância cultural à sociedade chinesa. Nesse sentido a presença de um animal pode relacionar-se ao aspecto de ameaça, como o tigre, a serpente e o rato, ao aspecto económico, como o búfalo, o cavalo, a cabra, o galo, o cão e o porco, ou ao aspecto da representação mitológica, como o dragão.
O “registo oficial” do coelho no zodíaco chinês apenas ocorreu na dinastia Han (206 a.C. – 220), através do registro em Sobre a balança de Wang Chong (27-97), onde relaciona os animais zodiacais aos ramos terrestres (地支), associado ao tempo, para facilitar a memorização.
Num dos mitos sobre o surgimento do zodíaco chinês consta que, numa determinada altura, a Terra foi atingida por uma grande seca e os homens ainda não dominavam a arte do cultivo do arroz. O imperador celestial, apiedado com a situação calamitosa humana, resolveu promover uma corrida com início pela hora mào (卯) (correspondente às cinco horas da manhã) do dia mào (卯), do mês mào (卯), do ano mào (卯). Os doze primeiros animais que primeiro chegassem ao palácio celestial levariam as sementes para o plano terrestre e seriam imortalizados como constelações.
Naquele tempo, o galo possuía chifres e o dragão pediu-lhe emprestado, já que não tinha nada para lhe enfeitar a cabeça e prometeu-lhe devolver no palácio celestial. O galo de boa-fé emprestou-lhe.
Chegada à hora da largada, o rato que ia ao lombo do búfalo, ao aproximar-se do portão celestial, pulou na sua frente e obteve o primeiro lugar, enquanto o búfalo ficou em segundo. O porco, ao ver a trapaça, grunhiu em protesto e foi castigado com o último lugar. O tigre que vinha logo depois ocupou a terceira posição. O coelho vinha atrás, seguido pelo cão que lhe mordeu a perna. A falta grave impingiu ao cão o castigo de penúltima posição, e o coelho classificou-se em quarto lugar. O dragão devido ao seu porte vistoso e ao chifre elegante, foi avistado de longe pelo imperador celestial que o condecorou com a quinta colocação e, tanto agradou o deus, que anunciou que o seu filhote ficaria em sexto. Contudo, como o filho do dragão estava muito retardatário, surgiu a serpente que disse: “Então eu fico em sexto, pois sou o seu parente mais próximo e o dragão é o meu padrinho!”, e assim, a cobra num gesto oportunista, ficou classificada em sexto lugar. O cavalo e a cabra chegaram juntos, um querendo dar lugar ao outro. O imperador celestial muito apreciou a educação deles, e os condecorou com a sétima e a oitava classificação. O macaco estava ainda longe, contudo, no último momento se agarrou numa e noutra nuvem, e chegou a tempo de se colocar em nono lugar, seguido pelo galo. O cão e o porco devido às faltas cometidas ficaram em décimo primeiro e décimo segundo.

 

 

Depois das condecorações, os animais retornaram ao plano terrestre com as sementes de arroz, as quais as pessoas passaram a cultivá-las. O dragão depois de receber o elogio do imperador celestial, decidiu ficar com os chifres do galo. Para se esconder da ave, nunca mais apareceu na Terra, enquanto o galo, todos os dias, cocoreja ao céu pedindo ao dragão que lhe devolva os seus chifres. Como o gato é de origem egípcia, o felino não constava na versão original do mito, apenas mais tarde é que o emendaram, justificando a ausência do gato, devido ao rato não tê-lo acordado a tempo para participar da prova. Outros estudiosos dizem que tendo a presença do maior felino no zodíaco, dispensou o gato.
Assim, o coelho figura como o quarto animal e corresponde ao quarto ramo terrestre mào (卯), que compreende das cinco às sete horas do dia, ao quarto mês e ao elemento madeira. A presença do coelho na astrologia, apesar de ainda ser matéria controversa, encontra-se apoiada principalmente na característica de velocidade, enquanto outros reportam à respectiva capacidade reprodutiva. Os que defendem o ponto de vista da velocidade baseiam-se no mito, contado acima, e nas alegorias decorativas com coelhos voadores nos acessórios em coches e vasos cerâmicos ao lado do dragão, do cavalo e do cão, do período da dinastia Xia (2100-1600 a.C.). Dentre os desenhos rupestres, ainda encontra-se um grande pássaro que possui em seu ventre um círculo, cujo interior possui um coelho de jade, o qual é interpretado como eclipse solar. Pois na mitologia chinesa, o símbolo do sol é o pássaro. A grande quantidade de gravações com o coelho na lua em espelhos de bronze, datados do período dos Reinos Combatentes (475-221 a.C.), comprovam a ligação da lua com o coelho que iremos explicar abaixo.
Na natureza, o coelho é um animal indefeso que está na base da cadeia alimentar, o que lhe exige estar sempre em posição de alerta, pronto a correr para sobreviver. Provavelmente, devido a essas observações empíricas, o homem associou o leporídeo às propriedades de velocidade, esperteza, vivacidade e bondade. E independente de sua aparente inferioridade em relação aos outros animais, apenas ao coelho foi conferida a mais alta distinção na simbologia chinesa, ao torná-lo a insígnia da lua, correlacionada as crateras da face do satélite. Essas eram (ou são) vistas como um coelho de jade com um pilão a preparar o elixir da imortalidade, relacionado à longevidade, ao lado de um sapo de três patas. Segundo os historiadores, a partir da dinastia Song, o coelho de jade adquiriu cada vez mais importância e se tornou como a principal simbologia da lua, preferência possivelmente associada à beleza da lebre em relação ao sapo.

O coelho e a relação com os outros animais do zodíaco

Apesar da época tecnológica e científica que vivemos sempre temos uma pitada de curiosidade em relação à combinação astrológica. Sumarizo algumas interessantes, afim de entreter o leitor. São elas:
O coelho e o rato são semelhantes na forma e no tamanho, são também considerados como mamíferos roedores pela biologia. Alguns estudiosos justificam a presença dos dois devido à capacidade reprodutiva, que simboliza a fortuna.
O coelho e o búfalo são a corporificação da bondade. Em muitas gravuras rupestres os dois animais encontram-se juntos.
O coelho e o tigre são os extremos opostos quanto à força e à fragilidade. É conferido ao tigre o carácter intrépido, enquanto ao coelho, o da cautela. Se tiver mais coragem do que providência, resulta em temeridade; mas caso contrário, é considerado covardia. Por isso, o tigre encontra-se na frente do coelho no zodíaco chinês, para alertar para a conjunção das qualidades de coragem e prudência.
O coelho e o dragão se complementam em termos energéticos, mas não é recomendado o casamento se tiverem pouca diferença de idade.
O coelho e a serpente, são opostos duais em relação ao carácter simbólico de bondade e de maldade. Porém, como os dois habitam em tocas, são ambos considerados yins. A imagem da serpente engolindo um coelho é considerada um símbolo auspicioso de riqueza.
A inter-relação entre coelho e cavalo é estabelecida pela característica comum de velocidade, sendo que o primeiro é mais rápido em relação ao segundo, por isso, muitos cavalos recebem o nome de coelho e os componentes dos coches são adornados com o roedor sinalizando o desejo de agilidade.
O coelho e cabra têm em comum a mesma alimentação. A presença dos animais nas gravuras é sinal da busca pela paz e pela harmonia.
No coração das pessoas, é atribuída ao coelho e ao macaco a característica de astúcia. E os respectivos mitos estão relacionados às lendas indianas que entraram na China a partir da dinastia Han.
O coelho e o galo fazem a dupla perfeita, pois o coelho simboliza a lua, yin, enquanto a ave representa o sol, yang. O sol nasce no Este, correspondente ao ramo terrestre mao (卯) que está ligado ao coelho.
O coelho e o cão são inimigos naturais. Um é a caça e o outro caçador, representados em antigas pinturas rupestres. Contudo, essa situação pode vir a mudar e se tornarem aliados, como o registado na história, onde pessoas que estão em posição de vantagem, não eliminam o seu inimigo, para não ser dispensado pelo rei, por ter atingido o objectivo. O casamento entre as pessoas desse signo é também bem-visto devido à complementaridade.
Por fim, o coelho e o porco são considerados pela crendice popular como o par perfeito, ao lado da cabra. 

Uma antiga tradição cantonesa

 

No décimo quinto dia do ano novo chinês, paira no céu a lua cheia, cujo luar ilumina os enamorados sobre a Terra. Diz-se que na Antiguidade, na região de Cantão era moda dos solteiros dirigirem até a horta próxima, na calada da noite, para furtarem verduras (偷青 touqing), como uma superstição para obter um casamento (偷情 touqíng), os termos se relacionam por serem homófonos. Era uma pequena brincadeira, onde os jovens pegavam apenas alguns exemplares, como cebolinho (葱 cong), homófono de inteligência (聪 cong); aipo (芹 qín), homófono de diligência (勤 qín) e alface (生菜 shengcài), homófono de enriquecer (生财 shengcái), em sinal do desejo de encontrarem uma cara-metade com estas características. E, sob os raios do luar, quem guia o caminho é justamente o coelho de jade que reside na lua e os jovens nessa caminhada furtiva à noite, muitas vezes encontravam o seu par ideal.
Apesar da ordem de colocação no zodíaco, não existe uma diferença hierárquica entre esses animais. O coelho apesar de ser um animal frágil, está ao lado do tigre e do dragão, os animais zodiacais preferidos pelas pessoas, o animal está relacionado à velocidade e simboliza a lua. Seja como for, os animais entre si se revezam e o coelho será o animal regente do ano de 2011 e, desejamos a todos um próspero ano novo e Gongxi facai (恭喜发财)!

 

Bibliografia

Eberhard, Wolfram (2000). A Dictionary of Chinese Symbols.
Londres: Routledge.

He, Xingliang (1991).《图腾文化与人类诸文化的起源》 [A cultura do totem e a origem da civilização].
Pequim: Zhongguo Wenlian.

Wang, Chong (1990).《论衡》[Sobre a balança]. Yuan Huanzhong (glosa).
Guizhou: Guizhou Renmin chubanshe.

Wang, Xun (1998). 《兔寄明月》 [O coelho na lua]. Série cultura zodiacal Chinesa. Pequim: Academia Chinesa de Ciências Sociais.

Os doze animais zodiacais. Acessado em 25/09/2010.
Disponível em: http//baike.baidu.com/view/11006.htm.