Vida de panda

Mesmo à entrada de Coloane, longe do reboliço da cidade, Sam Sam e Hoi Hoi levam uma vida em sossego. O casal de pandas divide os dias entre as refeições, a sesta e o olhar atento dos visitantes. Esta é a história dos dois novos residentes de Seac Pai Van

 

Fong Chit Lun tenta chegar a Sam Sam com o indicador. O pequeno quer alcançar o focinho redondo e lanoso do panda. Mas em vão. Fong Chit Lun tem ainda a percepção distorcida das distâncias e dos tamanhos dos objectos e, sem grandes sobressaltos, o dedo detém-se ali, por ligeiros momentos, a fazer pressão contra a grande janela de vidro. Resignado à impossibilidade de chegar ao panda, Fong Chit Lun, volta a concentrar-se na bolacha de chocolate. “Só há um mês conseguimos fazer o primeiro passaporte do nosso filho. E por isso aproveitámos para trazê-lo para ver os pandas”, diz a mãe. A família Fong veio de Hong Kong e o pavilhão dos pandas era destino obrigatório.
São três da tarde do primeiro dia da abertura do Pavilhão de Pandas ao público. Ela dorme. Ele também. Talvez até sonhem. Não se sabe. A vida de panda é como uma folha em branco. Pelo menos por agora e por aqui, no pavilhão em Seac Pai Van. Entre as crianças a sesta causa estranheza, mas para a família Fong não é novidade. Já conhecem as rotinas dos animais. Em Hong Kong, Fong Chit Lun esteve mesmo frente a frente com um panda. A mãe sorri. “Aqui ainda não percebemos qual deles é o macho e a fêmea.”
Alguém esclarece que ali deitada num banco de madeira está Sam Sam. Hoi Hoi, o panda macho, demora-se lá bem ao fundo, longe da vista. Na realidade, é aí que ficará ao longo de toda esta reportagem, deitado ao comprido num baloiço. Escondido de tudo e de todos. Entregue ao sono.
Por isso, a grande atracção desta tarde é mesmo Sam Sam. Dois anos e meio e 67 quilos. É para ela que todos olham. É dela que todos esperam qualquer coisa. Mas Sam Sam não quer saber de nada nem de ninguém, não entende que é em si que recaem todas as expectativas, não entende o que são crianças felizes.
Wong Si Wan veio visitar os pandas com os amigos. Espera que “da próxima vez estejam mais activos”. Ho Hiu Tong, em fila indiana, prefere chamá-los “preguiçosos”. Leva a recordação no telemóvel. “Para mostrar aos meus pais”.
E é assim, que na próxima hora vão passando por este corredor vários grupos de crianças, uns atrás dos outros. Mas Sam Sam continua estendida, de barriga para o ar, com o pêlo sujo e amarelado das cambalhotas na terra. Num gesto sonâmbulo mas pacífico vai trocando de posição.
“Uau”, gritam as crianças. Uma vez. ”Uau”. Duas vezes. Depois permanece apenas o burburinho dos miúdos do Colégio Diocesano de S. José. Falam uns com os outros, à espera de novo sinal. Mas o panda fica-se apenas por estes pequenos movimentos. Enquanto dorme. E talvez enquanto sonha.

 

Por trás de dois grandes pandas

 

U Ka Man tem calçadas umas galochas pretas, daquelas que protegem os que trabalham na terra. Ou melhor, nas florestas ou cordilheiras de Sichuan. Ou melhor, onde estiverem os pandas. U Ka Man é tratadora. Tratadora de pandas. Nunca tinha existido em Macau uma profissão assim. Agora há pelo menos nove tratadores, que trabalham com três veterinários. O grupo inclui três especialistas do continente.
U Ka Man tem 25 anos, terminou a licenciatura de Biologia em Taiwan, onde também estudou estes mamíferos. Depois fez uma formação de cinco semanas na terra de Hoi Hoi e Sam Sam, Chengdu, a capital da Província de Sichuan. “Preparamos os alimentos, fazemos a limpeza das áreas, coordenamos as sessões de comunicação com os pandas, observamos e registamos os hábitos diários”, explica.
A revista Macau aproveitou a sesta dos dois pandas para falar com a tratadora. Para U Ka Man, o vagar da tarde e a mândria dos pandas deixa-a com mais disponibilidade para esta entrevista. Há duas horas, os pandas comeram. Já brincaram. Já fizeram tudo o que tinham a fazer. E U Ka Man esteve sempre lá. Sempre a falar em mandarim. Para a tratadora, Sam Sam é Xin Xin e Hoi Hoi é Kai Kai. Por uma questão de coerência. É este o nome a que estão habituados. “Os pandas  têm um sistema auditivo sensível e conseguem medir a emoção da língua.”
O que não parece tão fácil de medir é a força e, por isso, há que manter sempre uma distância de segurança. Por enquanto ainda são pequenos, mas no futuro “vão ganhando força e quando estão a brincar podem magoar-se.”
Nada de muito sério. O mais provável mesmo é que daqui resulte uma história de amor. Se isso acontecer, o pavilhão já tem equipada uma ala especial para Sam Sam, quando engravidar. “Só na Primavera é que os pandas têm vontade de acasalar”, conclui U Ka Man. Talvez daqui a duas ou três primaveras. Por enquanto são pequenos, jovens. E consequentes.

 

Tudo a que têm direito

 

É verdade que não há nada como as florestas de Sichuan e estar longe de casa é um sentimento que requer alguma gestão e adaptação. Aqui foi tudo pensado para diminuir a dor da saudade. Espaço não falta. Por 90 milhões de patacas, o pavilhão, onde vivem, dispõe de tudo a que os dois têm direito: dois jardins interiores de 330 metros quadrados, uma zona ao ar livre com o dobro do tamanho, cascatas, correntes de água, árvores naturais e temperaturas adaptadas aos animais. Neste momento estão 18 graus. A tratadora explica que é “a temperatura ideal para os pandas, que não toleram o calor.”
Não toleram o calor nem muitas outras coisas. A comida, por exemplo. Com gostos requintados e precisos, os pandas são animais que se conquistam pelo estômago. Comem cinco vezes ao dia e em grandes quantidades. Uma alimentação saudável, que faz viajar da Província de Cantão cinco tipos diferentes de bambu. Cada panda consome uma média diária de 20 quilos de bambu. Esta alimentação faz deles animais flexíveis, com força para trepar às árvores e com dentes muito fortes, por estarem permanentemente a mastigar os colmos do bambu. Mas tornou-os um tanto quanto mimados. Quando “respondem aos estímulos dos tratadores, recebem frutas ou biscoitos como recompensa”, explica a tratadora. Os biscoitos vêm directamente dos Estados Unidos e são também uma forma de complementar a alimentação com fibras e vitaminas.

As refeições são geridas com alguma flexibilidade “para não interromper e perturbar o descanso”. E hoje os pandas vão comer um pouco mais tarde. É que ela continua a dormir. Ele também. Talvez até sonhem. Não se sabe. 

 

26 de Julho de 2008 – Nasce Sam Sam, em Chengdu
4 de Agosto de 2008  – Nasce Hoi Hoi, em Chengdu
19 de Dezembro de 2009  -O Presidente Hu Jintao anuncia que vai oferecer um casal de pandas para assinalar os dez anos do Estabelecimento da RAEM
7 de Fevereiro de 2010 – Visita da delegação da Direcção Estatal das Florestas a Macau para a selecção do local onde será construído o Pavilhão dos Pandas
11 de Maio de 2010 – Início da construção do Pavilhão dos Pandas no Parque de Seac Pai Van
28 de Maio de 2010 – Delegação de Macau viaja à Base de Pesquisa e Reprodução de Pandas Gigantes de Chengdu para uma reunião sobre a transferência dos pandas
28 de Maio de 2010 – Delegação de Macau viaja à Base de Pesquisa e Reprodução de Pandas Gigantes de Chengdu para uma reunião sobre a transferência dos pandas
17 de Junho de 2010  – É criada uma Comissão, coordenada pela secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, para a avaliação dos nomes dos pandas
10 de Setembro 2010 – Depois da votação dos residentes, são escolhidos os nomes Hoi Hoi e Sam Sam para os pandas
25 de Novembro de 2010 – Termina a construção do Pavilhão dos Pandas
18 de Dezembro de 2010 – Hoi Hoi e Sam Sam chegam a Macau no Airbus A321 da Air China
28 de Dezembro de 2010 – É criado o Fundo dos Pandas, com o objectivo de promover os trabalhos de conservação dos pandas gigantes
18 de Janeiro de 2011 – Termina o período de quarentena dos pandas
28 de Janeiro de 2011 – Abertura oficial do Pavilhão dos Pandas

 

Pandas à lupa

 

Nome científico: Ailuropoda melanoleuca
Categoria: Mamífero 

Em tempos mais remotos, nos campos de batalha, se um exército erguesse uma bandeira com um panda gigante, significava que queria pôr termo à guerra. O conceito do panda como mensageiro da paz ganhou mais força em 1961, quando a imagem deste mamífero se tornou no logotipo do Fundo Mundial para a Vida Selvagem, um símbolo da conservação das espécies selvagens ameaçadas.

 Só existem pandas na China e estão distribuídos pelas províncias de Sichuan, Shaanxi e Gansu, onde vivem em florestas montanhosas, com uma altitude que varia entre os 1600 e 4000 metros.
A esperança média de vida situa-se entre os 18 anos (vida selvagem) e 30 anos (em cativeiro). A idade máxima atingida em cativeiro foi de 36 anos, equivalente a 108 anos pelos padrões da vida humana. Quem bateu este recorde foi Mei Mei, que morreu em 2005 no Jardim Zoológico de Guilin.
Actualmente vivem na China em estado selvagem cerca de 1600 pandas gigantes. Em cativeiro são menos de 300. Mas podem ser vistos também em jardins zoológicos noutros países. É que os pandas têm sido os grandes embaixadores de Pequim e promotores de alianças entre a China e outras regiões. Em 2010 viviam pelo menos 33 pandas em oito países – Estados Unidos da América, Japão, México, Alemanha, Áustria, Espanha, Austrália e Tailândia. Como só podem estar afastados do seu habitat natural por um período não superior a dez anos, os pandas oferecidos têm de regressar a casa. Um regresso que pode ser antecipado quando dão à luz e, nesse caso, voltam a casa quando os pequenos pandas completam três anos.
Sendo uma espécie rara e valiosa, são considerados um tesouro nacional. A fraca capacidade de reprodução, as alterações climáticas e o impacto que actividades humanas, como a caça, têm tido sobre os pandas fazem com que a sua população esteja ameaçada.
A luta pela preservação dos animais tem sido longa e incansável. A China criou mais áreas protegidas e, em 1988, promulgou a lei da protecção dos animais selvagens. Além disso foi fundado o Centro de Investigação e Protecção na reserva de Wolong para estudar o problema da natalidade. Os especialistas deste centro criaram um banco de esperma dos pandas gigantes e a inseminação artificial tornou-se num dos métodos para facilitar a reprodução de descendentes.