Português e chinês de coração

Nasceu em Macau, mas partiu para Almeirim aos três meses de idade. Filho de pai português e de mãe chinesa, teve uma infância pobre e difícil. Hoje é o principal nome da Medicina Tradicional Chinesa em Portugal, com mais de 20 clínicas espalhadas pelo país e ainda uma universidade. Um percurso de humildade e sucesso

 

 

Texto António Larguesa

Fotos Paulo Cordeiro

 

Fruto de um amor nascido numa padaria de Macau entre uma chinesa da região de Cantão e um militar português, Pedro Choy partiu logo aos três meses para Almeirim, onde atravessou uma infância pobre e difícil, que ainda não tinha acabado e já era substituída por um primeiro emprego, aos 13 anos, na agricultura. Com um ascendente percurso de vida, estudo e trabalho, chega ao meio século (tem 51 anos) com um império empresarial constituído por 20 clínicas espalhadas pelo território continental português. “Comunista de base em política de pensamento”, como o próprio se enquadra, o rosto da acupunctura em Portugal não mudaria nada na sua vida: “Em cada altura tomei a decisão que devia ter tomado, com o conhecimento que tinha na época”.

O caminho até ao presente foi espinhoso. Segundo de quatro irmãos, lembra o frio que a família, das mais pobres das pobres, suportava quando vivia numa casa com telha à vista, sem instalações sanitárias e sem electricidade, obrigando-o a estudar à luz do candeeiro a petróleo. Valia então a ajuda de alguns vizinhos de Almeirim, terra do distrito de Santarém onde sempre habitou a avó paterna e para onde foi viver logo aos primeiros meses. Confrontado com o sucesso que veio a alcançar – emprega quase 300 pessoas, sendo 87 médicos de Medicina Chinesa, e recebe cerca de 24 mil pacientes por ano – responde que “não havia motivação de ascensão social”, ainda que os pais sempre lhe tenham incutido a necessidade de estudar.

Para o conseguir precisou, antes e durante, de ganhar dinheiro. E fez de tudo um pouco, desde vindima, apanha de tomate e melão. Mais tarde trabalhou como servente de pedreiro e operário fabril na Compal, foi vendedor e até professor de caraté. Já em Coimbra, onde estudou Medicina, recorda a admiração dos colegas por trabalhar para conseguir financiar os estudos. Falante de português, francês, inglês, castelhano, italiano e um pouco de mandarim, Pedro Choy teve a primeira visão do mundo quando resolveu escrever ao seleccionador francês de judo para fazer um estágio com a equipa olímpica. Tinha 17 anos e foi à boleia até França com um camionista. Menos orgulho tem na experiência como guarda-costas de algumas individualidades mundiais. Uma profissão que evita recordar: “As memórias são sempre más, é um trabalho em que se corre o risco de morrer ou de matar”.

Avelino Fernandes, acupunctor na clínica do Porto há 14 anos, conta que nas primeiras reuniões que teve com Choy “via-se que era uma pessoa que queria transmitir aos colaboradores como singrou na vida”. Fazia-o como instrumento de motivação. E tem um tal à-vontade com os outros que os obriga a tratá-los por “tu”. Avelino sublinha, por outro lado, que o mestre é uma pessoa humilde, que não guarda o que sabe só para ele. Lembra uma reunião com 500 pessoas, onde poderia inclusive estar a concorrência, em que explicou em detalhe um tratamento antitabágico de grande sucesso. “Pensámos todos: ‘o Pedro passou-se, entregou o ouro ao bandido’. Ele disse-nos depois que não tem nada a esconder e tem de transmitir tudo o que sabe”, recorda este discípulo. Sabedoria que começou a adquirir quando, a partir do quarto ano do curso de Medicina em Coimbra, começou também a estudar Medicina Chinesa em Marselha, França, pela qual optou.

Foi na “Lusa Atenas” que Pedro Choy abriu em 1986 a primeira clínica de acupunctura e começou a ascensão profissional. Em Salvaterra de Magos, onde hoje vive, encontrou o que procurava. A vila é pequena e tem a qualidade de vida que não há nas cidades. Além disso há espaço físico em abundância. Talvez como forma de agradecimento pelo acolhimento, não se alheia da participação política a nível local. É vereador, eleito pelo Bloco de Esquerda. Antes militou pelos vários partidos da esquerda portuguesa, desde o Comunista ao Socialista, e na juventude formou vínculos fortes às ideologias marxista e maoísta.

 

Orgulho em ser chinês

“Sinto-me chinês e português de coração e tenho o mesmo amor pelos dois países. Ser chinês é para mim motivo de orgulho”, resume o vice-presidente da World Federation of Chinese Medicine Societies, com sede em Pequim. O respeito pelos mais idosos e o espírito de família, a disciplina, a capacidade de trabalho e o respeito pela autoridade, hierarquia e liderança são as características que acredita ter herdado da ascendência chinesa. A mãe era doméstica e foi adoptada por uma família de Macau depois de, ainda criança, perder todos os familiares na sequência da invasão japonesa. Por esse motivo não é certo o local de nascimento da mãe. Supõe que será perto de Jiangmen e até já esteve na zona a tentar encontrar os familiares chineses, uma das suas aspirações.

Com Macau, que visita regulamente, mantém uma relação especial. “Tenho assistido ao grande desenvolvimento. O Governo de Macau tem sabido distribuir os benefícios financeiros pela população e feito com que o progresso seja benéfico para toda a comunidade”, analisa.

Foi na Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa que Wang Suoying o conheceu. No início do ano lectivo 1999/2000 ele entrou na aula de chinês como qualquer outro estudante e sentou-se na primeira fila. Na sala estavam umas 60 pessoas que imediatamente o reconheceram das aparições televisivas. Não a professora, que desde 2005 é também coordenadora da disciplina Língua e Cultura Chinesa na Universidade de Medicina Chinesa Dr. Pedro Choy, pólo da Universidade de Chengdu. “Estava muito atento e concentrado na aprendizagem. Uma vez teve que faltar a uma aula, mandou-me um fax a explicar o motivo da falta. Era muito simpático e impecável no relacionamento com os colegas e esteve sempre disposto a ajudar os outros. Comportou-se como uma pessoa comum, sem arrogância nem vaidade”, relata.

Apesar de nem sequer ter completado o ano por questões profissionais, continuou a estudar sozinho. Numa cerimónia há uns meses, Wang Suoying partilhou a mesa com Pedro Choy e o casal do delegado do Ministério da Ciência e Tecnologia da China, destacado na embaixada em Lisboa, Chen. A mulher de Chen não falava português nem inglês, o que não impediu Choy de conversar com ela em mandarim sobre a família e a profissão, precisamente os temas da aprendizagem naqueles primeiros meses de aulas, há mais de dez anos. “Fiquei muito satisfeita ao verificar que ele não se esqueceu do que tinha estudado”, congratula-se Wang.

“Eu não trabalhei para alcançar sucesso. Trabalhei por amor à causa. Depois das clínicas criei uma Universidade de Medicina Chinesa em Lisboa e aspiro a construir um hospital”, resume Pedro Choy. Daí que tenha particular orgulho em classificar que a Medicina Tradicional Chinesa em Portugal tem melhor nome e reputação que nos outros países da Europa.

Nunca teve tendência em idolatrar ninguém, mas confessa uma admiração por Martin Luther King e Nelson Mandela, pela devotada luta a favor humanidade; e pelo poeta Li Bai (李白) da dinastia Tang, pela vasta obra que trouxe até ao Ocidente a riqueza da cultura chinesa.