Um néctar com milhares de anos

Putao jiu, como é conhecido na China Continental o vinho de uva, começou a ser produzido ainda no século II a.C., quando um enviado do imperador Wu Di ao oeste do território narrou as maravilhas que se podiam fazer com uvas. Desde então, as combinações com castas francesas estão a agradar o paladar dos chineses

 

 

Texto José Simão Morais

 

No início dos anos 90 do século XX, ao percorremos as estradas da Província de Henan, passamos por campos de videiras onde palhotas construídas de canas de bambu e cobertas por colmo estão colocadas por cima das vinhas, com o objectivo de vigiar as vinhas. Nas bermas da estrada, vendedoras com o cesto cheio de uvas, de bago muito cheio e redondo e de um verde mesclado com castanho, pedem fortunas por um cacho. As castas são de Olhos de Dragão, Beichuan e Ju Feng Noir, consideradas de fraca qualidade. O sabor ácido alterou-se por completo agora, no terceiro milénio, com a produção generalizada de uva de outras castas, como a Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, e um toque mais requintado.

O vinho de uva (ou putao jiu, em chinês) tornou-se conhecido na China no século II a.C., quando Zhang Qian, o enviado do imperador Wu Di às regiões do oeste, ao regressar do vale de Fergana narra ter encontrado vinho feito de uva. As pessoas ricas armazenavam-no em grandes quantidades por a bebida manter-se em bom estado por muitos anos.

Durante o reinado do imperador Taizhong (626-649) da dinastia Tang, a produção de uvas para a feitura de vinho sofreu um incremento. O cultivo de uvas e a produção de vinho dava um grande lucro. No período mongol (1271-1368), o vinho era então apenas usado para cerimónias religiosas. Marco Polo fala do vinho de uva produzido onde hoje é a província de Shanxi e difundido por toda a China.

O imperador mongol Kangxi (1661-1722) avançou para a plantação de vinha e concluiu que as uvas davam-se melhor no norte do território. Em 1892, no reinado do imperador Guangxu da dinastia Qing, o emigrante chinês Zhang Bi-shi começou a fazer vinho na região de Yantai, na Província de Shandong. Assim nasceu a Companhia do Grupo Yantai Changyu, que só em 1949 conseguiu vingar com a marca Changyu.

Em 1910, um padre francês começou a produção de vinho com as uvas das videiras do recinto da sua igreja Heishanhu, em Fuwai, nos arredores de Pequim. Para armazenar o vinho, usou as caves da própria paróquia. Trinta e seis anos mais tarde, começou a vender vinho no mercado chinês, legalizando as caves com o nome Shangyi de Pequim. Em 1949, as caves foram adquiridas pelo Estado e, dez anos mais tarde, o Governo da capital da China mudou o seu nome para Fábrica de Vinho de Pequim, lançando a marca Zhonghua. Em 1987, com a colaboração da companhia francesa Pernod Ricard, criou a Dragon Seal Brand, com vinhas em Huailai, na Província de Hebei, a 130 quilómetros a nordeste de Pequim. No ano seguinte, apareceu no mercado o vinho Dragon Seal que, desde então, tem acumulado medalhas em concursos de enologia.

Em 1980, a primeira joint venture sino-francesa criada para a produção de vinho foi feita com a Remy Martin (Cointreau) e assim nasceu o vinho branco Dynasty, proveniente de Tianjin.

Fundada em 1983, a China Great Wall Wine Co. Ltd produz a marca Grande Muralha, com vinhas em Shacheng, na província de Hebei. Essas vinhas encontram-se a norte da Grande Muralha, mais propriamente em Huailai, zona que em 1976 foi reservada para a produção de vinho pelo Instituto Nacional de Alimentos Fermentados. Depois, através de uma iniciativa do organismo, foi criada a China Great Wall Wine Co. Ltd para fazer a fábrica de vinho Shacheng. Conta actualmente com a colaboração da família Torres de Espanha, que trouxe uma nova dinâmica à produção deste néctar.

As melhores províncias para a produção de vinho são as do norte, sobretudo Shandong, onde se produz 10% de todo o vinho na China, e Hebei. Ao redor de Tianjin produz-se 15% e na província de Xinjiang existe um quarto das vinhas do País, apesar da maioria das vinhas servir para a produção de uvas passas. Em Yunnan, grande parte da produção é de uvas de mesa, mas existe o vinho Yunnan Hong, produzido em Mile, sob a responsabilidade da casa-agrícola Dongfeng. Acrescentamos Ningxia, onde em 1997 provamos um bom vinho tinto proveniente das montanhas Helan, apesar de não se encontrar referenciado e nunca o ter encontrado fora da província.

Actualmente os vinhos maduros chineses começam a ter uma grande produção em muitas províncias. As quatro marcas de vinho mais importantes na China são a Changyu de Shandong, a Grande Muralha de Hebei, a Dynasty de Tianjin e a Tonghua de Jilin. A Huagong de Qingdao, a leste da província de Shandong, tem um bom vinho branco. Outras marcas são Fengshou, Baiyanghe Dry Wine, China Red, Duke Dry Wine e Weilong. O Tibeten Dry começa agora a ter projecção em todo o País, com lojas onde a marca exclusiva recheia o espaço do negociante com mercadoria, decoração e publicidade.

Se em 1994 provámos o vinho de Turfan, que é muito doce e deve ser apresentado como aperitivo, a reinar agora está o Lau Lan, feito com a casta Cabernet Sauvignon. Também em Xinjiang a produção de vinho branco e tinto de uva, com a marca do nome da província, tem vindo a ganhar fama.

Em 1997, a China tinha tantos hectares de vinha e produção de vinho como Portugal. Nesse esforço de crescimento, que tinha partido quase do zero, chegou à fase do amadurecimento. Assim, a qualidade dos vinhos chineses de uva está a atingir o topo, com as suas vinhas velha??? a aliciar os gostos mais requintados.

A divulgação dos sabores do vinho de uva, após apreendidos e degustados, começa também a conquistar o paladar e olfacto da população chinesa em geral, o que dá a esse sector um largo potencial de crescimento. Nos finais de 2008, o imposto sobre vinho de uva importado baixou para mais de metade, o que levou o mercado chinês a ser inundado de vinho de todas as origens. Mas o produto interno continua a ter lugar numa mesa chinesa.