Uma questão de imagem

Que é bom e barato já se sabe. Há, porém, que mudar a tradicional imagem internacional e mostrar que também há vinhos portugueses de luxo, com qualidade. Em Macau e na China, o volume de importações do néctar português sobe ano após ano, mas está muito atrás das produções francesas, australianas e até norte-americanas

 

 

Texto Luciana Leitão

Fotos António Mil-Homens

 

Há mais vinhos portugueses a serem comprados em Macau, mas a quota de mercado continua baixa. Os especialistas dizem que, com a abertura de diversos hotéis, há outros agentes no mercado a fazer sombra à herança lusa.

De acordo com o coordenador dos vinhos para a China da casa de leilões Christie’s, Simon Tam, assim que ocorreu a liberalização dos casinos, os novos operadores mostraram algum “respeito” pela cultura local, integrando a bebida na lista dos restaurantes de luxo.

Por isso, se, até agora, o vinho português é conhecido por apenas ser bom e barato, para Simon Tam, isso começa a mudar, com os importadores a procurarem algo mais da gama média-alta. “Alguns dos grandes vinhos lusos como o Barca Velha ou o Buçaco estão na mesma lista com excelentes nomes internacionais, como o Château Lafite”, salienta, acrescentando: “As castas mais antigas e famosas do Barca Velha começam a ser vendidas ao lado de vinhos como o Château Latour ou Burgundy, que vêm de casas de leilões como a Christie’s.”

Mesmo assim, excepção feita ao Porto, continua a ser difícil vê-los nos leilões da Christie’s. “Os vinhos portugueses muito bons são extremamente raros. Tentámos e não conseguimos encontrar”, diz, acrescentando que, regra geral, os mais leiloados vêm de regiões como Bourgogne ou Champagne, em França.

 

Novos agentes

Para o director de Alimentação e Bebidas do Instituto de Formação Turística de Macau, Hugo Bandeira, a liberalização dos casinos veio sobretudo permitir a entrada dos vinhos do chamado novo mundo, como os australianos e chilenos. “Foi aí que Portugal perdeu a quota de mercado que tinha”, refere.

Assim, para Hugo Bandeira, se o vinho português quer chegar a algum lado, terá de apostar numa nova campanha de marketing, decalcando-se do tradicional epíteto de bom e barato.

Aliás, segundo a Mestre de Vinho do Galaxy Macau, Jeannie Cho Lee, com os dados relativos à importação de vinhos portugueses a darem conta de uma descida da quota de mercado em termos de valor, é sinal de que continuam “a não ser levados a sério, ainda não estão ao mesmo nível dos franceses”.

 

O interesse pela tradição

Michael Keen, director de vendas e marketing da empresa de distribuição Fine Beverages Limited, concorda e refere que a abertura de novos resorts no território não resultou em muitos mais restaurantes de luxo macaenses ou portugueses que, como se sabe, dão primazia ao néctar luso. “Quando falamos de cozinhas francesas ou italianas, aí vê-se um aumento dos vinhos europeus, de países considerados mais tradicionais em termos de vinho, do ponto de vista dos chineses”, explica.

Mesmo assim, a empresa Fine Beverages Limited, que havia suspendido a importação de vinhos portugueses por problemas com o fornecimento, pretende retomar as operações. “Estamos a voltar atrás, porque acho que existe uma necessidade”, esclarece Michael Keen. Na realidade, maior ou menor, todos os hotéis da cidade têm uma secção da sua carta de vinhos dedicada apenas aos néctares lusos, reflectindo essa necessidade.

Por seu turno, a Summergate Fine Wines, umas das principais importadoras de vinho em Macau, apesar de já existir há 12 anos, apenas nos últimos dois começou a olhar para os portugueses. Apesar de importar essencialmente vinhos de França, Austrália, Chile e EUA, segundo o director de vendas, Timothy Feather, nota-se um interesse nos néctares lusos da parte dos grandes hotéis, sobretudo devido à herança histórica.

 

A melhor lista

Os inquiridos apontaram o MGM como o hotel/casino com a melhor amostra de vinhos portugueses. “Até trouxeram uma colecção de Buçaco para cá”, afiança o enófilo Luís Herédia.

Já da lista de vinhos do Galaxy Macau, o mais recente resort do território, contam-se três dezenas de nomes lusos de diferentes gamas – o que, tendo em conta um total de quase 600, acaba por ser pouco.

Segundo Hugo Bandeira, o Crown também tem dado bastante atenção ao vinho luso, bem como o Four Seasons. Por outro lado, do Hotel Lisboa, onde se situa “o melhor restaurante de Macau, o Robuchon”, a lista de vinhos deixa muito a desejar na secção lusa. “Têm uma selecção de vinhos fantástica e a parte dos portugueses é quase ridícula, o que é uma pena. Temos vinhos suficientemente bons, mas é complicado entrar naquela lista”, assegura.

Da parte de hotéis menores, como o Grand Lapa ou o Mandarin Oriental, diz Luís Herédia, esses vinhos também constam da lista, mas como não tem havido também “uma aposta na gastronomia portuguesa”, os vinhos acabam por não ter expressão.

Macau eliminou em 2008 o imposto de 15 por cento que cobrava sobre as importações de vinho. Antes disso, tinha sido Hong Kong a eliminar o imposto de 80 por cento sobre o vinho e a cerveja. Desde então, tem havido um aumento de importação de vinhos.

 

 

A França é o número um

Os vinhos franceses ocupam a esmagadora maioria da quota de mercado no que toca ao valor nos primeiros cinco meses deste ano. Portugal vem apenas depois da Austrália, com 3,23 por cento. Quando se fala em volume de importação, Portugal tem um melhor posicionamento, ascendendo a número dois.

De acordo com os dados da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), a importação de vinhos franceses corresponde a 84,06 por cento do mercado no que toca ao valor, o que corresponde a um aumento, nestes primeiros cinco meses, de 0,86 por cento em relação ao ano passado. Por seu turno, Portugal, por enquanto, regista menos 0,17 do que no ano passado.

Quando se fala em volume, porém, os vinhos portugueses estão logo a seguir aos franceses. Os dados da AICEP revelam uma quota de mercado para o produto português de 23 por cento nos primeiros cinco meses do ano que, por enquanto, é inferior em 3,3 por cento em relação ao valor registado em 2010. Por seu turno, os vinhos franceses registaram um volume de importação de 35,72 por cento, o que, até agora, equivale sensivelmente aos mesmos valores do ano passado.

 

Possibilidade de expansão

Com os novos resorts/hotéis em Macau, tem havido um maior consumo de vinho. “Este fenómeno trouxe mais oportunidades para Portugal, e também para os outros países produtores de vinho”, comenta a delegada da representação em Macau da AICEP, Mariana Oom.

Prevendo o crescimento do mercado e a existência de um número maior de locais e turistas com conhecimento do vinho português, Mariana Oom espera que as importações continuem nesta curva ascendente. “De Janeiro a Maio de 2011, as importações de vinho português ascenderam a 29.355.517 patacas, representando um aumento de 53 por cento em relação ao mesmo período do ano anterior”, analisa a coordenadora.

Em Macau, o vinho português mais distribuído continua a ser o tinto, seguido do Porto. “Os vinhos tintos representam cerca de 75 por cento, muito embora o vinho do Porto e o vinho branco estejam a ter crescimentos assinaláveis (51 e 85 por cento, respectivamente, nos primeiros cinco meses do ano em relação a período homólogo no ano anterior)”, esclarece Mariana Oom.

Seja como for, o que é certo é que o vinho português continua a estar abaixo da França. “Não penso que os vinhos portugueses estejam a perder força – não em termos de volume -, mas a França tem estado imparável com os Bordeaux a liderarem”, diz o chefe do departamento de Alimentação e Bebidas do Instituto de Formação Turística, David Wong.

O vinho português, continua o especialista, terá sempre um papel importante, com os hotéis, os restaurantes portugueses e locais, bem como os turistas de Hong Kong e residentes portugueses e macaenses a serem responsáveis pelo constante aumento de volume de importação.

 

E no Interior da China?

Segundo a Alfândega da China, em 2009, o valor das importações de vinho português para o Interior da China foi de 2,9 milhões de dólares norte-americanos e, em 2010, o valor registado é de 7,3 milhões. Assim, as importações para o Interior do País têm crescido e espera-se que assim continue. “Nos primeiros cinco meses do presente ano as importações de vinho português já alcançaram o valor de 4,6 milhões de  dólares norte-americanos”, aponta a responsável da AICEP.

Apesar de tudo, quando se faz a comparação com vinhos de outras origens, Portugal encontra-se muito abaixo no ranking, tanto em valor como em volume, tendo à sua frente, além de França, países como Austrália, Chile, Espanha, Itália e EUA. Assim, nos primeiros cinco meses do ano, Portugal alcançou 1,2 por cento da quota de mercado no que toca ao valor, enquanto França (a líder) registou 67,7 por cento. Já no volume de importação, Portugal registou 1,3 e França 26,5 por cento.

Na China, excluindo Macau, já há representações da Enoport, da Carmim e da Sogrape, em Xangai, da Dão Sul, em Zhuhai, e a sede Ásia da Sogrape, em Hong Kong, revelando “uma dinâmica de aumento das exportações mas também da abertura de representações próprias dos produtores na China”, segundo Mariana Oom.

 

 

Um longo caminho pela frente

Ainda falta muito para os vinhos portugueses entrarem em força no mercado do Interior do País. Com a população a descobrir nos últimos anos o gosto pelo vinho, normalmente os néctares lusos ainda são vistos como baratos, enquanto os franceses são a opção quando se quer gastar um pouco mais.

Para o coordenador dos vinhos para a China da casa de leilões Christie’s, Simon Tam, é uma questão de tempo. Tendo em conta que já começam a ser vistos junto com vinhos internacionais nas cartas dos restaurantes locais, mais tarde ou mais cedo, os chineses sentirão curiosidade por este produto tradicional português.

Mas, verdade seja dita, da parte dos coleccionadores chineses que procuram a Christie’s tal ainda não se vê. “Ainda vai levar um pouco mais de tempo até que descubram outros vinhos que não os tradicionais”, explica.

E, conforme assegura a Mestre de Vinho do Galaxy Macau, Jeannie Cho Lee, por enquanto, o mercado no Interior da China é “imaturo”, dando espaço apenas a grandes e prestigiadas marcas/origens, como é o caso dos vinhos franceses Bordeaux. “Os chineses ainda nem sequer começaram a olhar para os italianos.”

Para o director de vendas e marketing da empresa de distribuição Fine Beverages Limited, Michael Keen, na China as pessoas estão à procura de vinhos portugueses baratos. Se quiserem investir mais, compram franceses dada a fama.