Na China e na cortiça, mesmo com a crise

A presença da Amorim no mercado chinês como exportadora e importadora tinha um capítulo essencial: a abertura de uma fábrica em Xian, na Província de Shaanxi. O projecto atrasou-se com a crise internacional mas está prestes a inaugurar. A Expo Xangai deu um fôlego importante

 

 

Texto Hélder Beja

 

A cotação da cortiça portuguesa na China dificilmente terá conhecido melhor momento que no ano passado, durante a Expo Xangai. O Pavilhão de Portugal no certame que, de acordo com a organização, atraiu mais de 73 milhões de visitantes, estava todo revestido de cortiça. Carlos Couto, o arquitecto luso residente em Macau que o idealizou, não terá esperado que as pessoas quisessem, literalmente, levar um pedaço da estrutura para casa.

Quem aproveitou a ocasião para promover a sua actividade foi a Amorim, fornecedora de toda a cortiça para o pavilhão. A empresa, que tem uma presença forte na China há mais de uma década, esteve muito activa e organizou uma série de seminários durante a Expo, com mais de 600 pessoas envolvidas.

Os responsáveis da corticeira admitem a importância da exposição mundial e falam até de um reflexo positivo nas vendas depois do sucesso da cortiça em Xangai. Certo é que, ao longo dos meses de exposição, houve que reparar por várias vezes as paredes do pavilhão, já que a cortiça começou a viajar nos bolsos dos visitantes. A estrutura acabaria mesmo por ser distinguida com o Prémio de Design, atribuído pelo Bureau International des Exhibitions, galardão que avalia a fachada e decoração exterior do pavilhão, o desenho arquitectónico, as técnicas de construção usadas e a sua relação com o tema da mostra, Better City, Better Life.

 

Fábrica a postos

Na China, a presença no terreno é fundamental. Foi por isso que a Amorim decidiu, ainda antes de 2008, abrir uma fábrica de transformação de cortiça na cidade de Xian, na Província de Shaanxi. Só que a crise económica afectou o mercado à escala global e a Amorim, que é uma empresa com negócios em vários continentes, sentiu as consequências.

O projecto atrasou-se mas não parou. A fábrica está pronta para abrir portas, faltando apenas resolver algumas questões burocráticas. Além de Mário Costa, o representante comercial da Amorim na China, a empresa lusa conta ainda com um especialista português a viver a tempo inteiro em Xian e a acompanhar todas as etapas de desenvolvimento da nova unidade.

Em relação aos planos anteriores à crise, algumas coisas mudaram. A fábrica e o terreno onde ficará alojada são de menor dimensão do que inicialmente se previa. O investimento ronda os 3,8 milhões de euros (cerca de 42 milhões de patacas) e, quando a operação estiver a todo o gás, é de prever que possa vir a empregar perto de 70 funcionários, todos locais à excepção da pessoa que dirigirá a unidade.

No começo, a produção ficará limitada a produtos como memoboards (os quadros de cortiça) e bases para copos e tachos. A empresa sentiu necessidade de deslocalizar a manufactura destes produtos para a China por dois motivos: primeiro, porque é um mercado onde há muita concorrência local e é necessário responder depressa às encomendas que surgem nesta região do mundo; depois, porque a cortiça existente na China é adequada para estes objectos e tem um preço competitivo.

No que toca a produtos mais caros, como pavimentos, a empresa ainda não sente necessidade de trazer a produção para Xian – a qualidade do material ainda se sobrepõe ao tempo de espera que implica a vinda de um carregamento de Portugal.

 

Comprar bem, vender melhor

No sector da cortiça, a Amorim tem mais de 50 por cento da quota de mercado no que toca a pavimentos e outros materiais para construção. Nas rolhas para vinho, produzidas numa unidade em Pequim, os números são também próximos. Mas, para vender, é preciso estar no mercado como um todo. Isto é: para vender é preciso comprar.

Mas vamos às vendas. Para a Amorim, a China representa qualquer coisa como 350 mil a 400 mil metros quadrados de pavimento de cortiça, num universo anual de 8,5 milhões de metros quadrados vendidos. É por isso ainda um mercado pequeno, em desenvolvimento. A cortiça não triturada e não aglomerada é um material caro – um metro quadrado de pavimento pode ir de 500 yuans a mais de mil – e além disso a China é um dos maiores fabricantes mundiais de pavimentos de toda a ordem, com grande incidência nas madeiras, que concorrem directamente com a cortiça.

É por isso que os projectos fornecidos pela Amorim são normalmente empreendimentos de qualidade, vários privados e outros públicos, como auditórios e jardins de infância. Há alguns anos, a empresa forneceu, por exemplo, cortiça para o isolamento acústico de dez auditórios da responsabilidade do Governo de Hong Kong.

Espalhados pelo país asiático, a Amorim conta hoje com mais de 300 postos de venda. E a empresa assegura que faz questão de ser selectiva e não vender os seus produtos onde quer que seja. Antes de chegar aos revendedores chineses, a linha de produtos da Amorim atravessa oceanos durante 35 dias de navegação, o tempo necessário para chegar de Portugal ao porto da cidade de Qingdao, também conhecida como Tsingtao.

É também através do entreposto marítimo da cidade, que se tornou famosa pela cerveja que ali se produz, que parte para Portugal a matéria-prima comprada na China. Não existem sobreiros genuínos no país, apenas uma árvore da família do sobreiro que cresce selvagem e da qual se retira a cortiça.

O material, adquirido sazonalmente e sempre no Verão (a melhor época para retirar a cortiça), é menos elástico e versátil que o conseguido em Portugal e noutros países, mas depois de triturado e aglomerado torna-se muito semelhante e serve na perfeição para a produção de objectos menos exigentes, como bases para utilizar na cozinha.

Nos contentores que seguem até ao Atlântico, toda a cortiça comprada na China vai já triturada. A ideia, ao avançar com a fábrica em Xian, seria passar a transformar imediatamente toda a matéria-prima comprada na China. Mas com a mudança de planos, e a menor dimensão da unidade, uma boa quantidade continuará a seguir para Portugal. A Amorim chega a gastar mais no transporte do que na cortiça propriamente dita. Só que comprar é também um modo de estar no mercado, que não pode ser descurado. Muito menos num país com o potencial de negócios da China.