Livros que nunca dormem

A pouco mais de uma hora de avião de Macau mora uma livraria que deve ser caso único no mundo: a Eslite, em Taipé, está aberta 24 horas todos os dias. E tem muitos visitantes nocturnos. Está prestes a chegar a Hong Kong

 

 

Texto e fotos Hélder Beja, em Taiwan

 

São duas da manhã e apetece-me comprar um livro. Se estivesse em Macau ou em muitas outras cidades do mundo teria de ficar-me pelas lojas de conveniência, que oferecem alguns livros e um número razoável de revistas, da Time à The Economist. Mas estou em Taipé, Taiwan, cidade que alberga um “segredo” chamado Eslite, uma livraria (e discoteca e videoteca) aberta 24 sobre 24 horas, sempre com gente dentro.

É madrugada e, faz de conta, apetecem-me livros de autores da Europa de Leste, DVD com todos os clássicos italianos e os últimos discos de música do mundo. Estou no sítio certo para encontrar tudo isto e muito mais. À porta da Eslite (誠品), no distrito de Dunhua, – uma das várias espalhadas pela cidade, mas a única 24h – acumulam-se pessoas a conversar e a fumar cigarros. São quase todas jovens.

Entrar numa livraria à hora em que os bares e pubs da cidade estão cheios é como tomar um pequeno-almoço reforçado às quatro da tarde. A gente sabe que está a quebrar rotinas, a fazer o que não é suposto, mas é possível e sabe sempre bem.

Dobro a porta da Eslite e depressa me esqueço do relógio. Aqui dentro a livraria funciona como se fossem três da tarde: eficiente, confortável, com metros e metros de estantes carregadas. Das colunas, em vez dos últimos êxitos mais ou menos barulhentos da pop, sai música clássica propícia à ocasião.

A secção de jornais e revistas fica perto da entrada. É uma das mais procuradas, à semelhança da que alberga os livros de fotografia, e tem todas as grandes publicações mundiais em língua inglesa, ao lado de um sem fim de títulos em chinês. É possível pegar em qualquer revista – mesmo as que estão seladas – e pedir para lê-la noite dentro.

Pelo chão de madeira dos vários patamares do edifício espalham-se adolescentes e jovens adultos, com montes de estilo, auscultadores nos ouvidos e livros nas mãos. Alguns vieram mesmo para fazer serão. Ying Lee é taiwanesa e serve-me de guia nesta visita à Eslite. Conta-me que tem um cartão VIP que vale um desconto e que posso utilizá-lo. Todos os estudantes têm este cartão que torna a Eslite mais barata.

Vir à Eslite durante a noite tornou-se habitual para uma franja da juventude taiwanesa, aquela que de vez em quando prefere os apontamentos das aulas ou os romances de Murakami aos cocktails, mesmo que esses também tenham nomes de escritores. O Yuedu Cafe, instalado dentro da livraria, não fica aberto toda a noite mas até às três horas é possível conseguir uma chávena de chá ou café (ou até uma cerveja) para acompanhar um bom livro.

Ying Lee diz-me que muitos jovens locais vêm estudar para a Eslite. Além da cafetaria – e do chão que serve de sofá – a livraria tem uma sala com mesas munidas de candeeiros e tomadas para ligar computadores. Está tudo pronto para receber os noctívagos que querem estudar até altas horas.

 

Oferta total

O catálogo da Eslite ombreia com (e em certos casos até supera) o de cadeias internacionalmente reconhecidas como a Fnac. Taiwan é um dos lugares da Ásia onde mais se edita – em chinês mas também em inglês – e além disso a oferta de produtos culturais importados é esmagadora.

A livraria da Tunhua South Road, onde passei um par de horas antes de trocar os filmes de Cronenberg por uma Carlsberg mais apropriada para o horário, é a estação de serviço desta cadeia de lojas, mas é no distrito de Xinyi, junto ao metro de Taipei City Hall, que está o ex-líbris da Eslite – a maior livraria da Ásia.

São sete pisos, com livros, produtos de design, livros, material de escritório, livros, uma galeria de arte, livros, aparelhos electrónicos, livros, discos e mais discos, livros e filmes e comida e cafés.

O edifício, nas imediações do vertical 101, tem a marca do arquitecto taiwanês Ray Chen, que desenhou e já foi premiado pelas mais de duas dezenas das quase 40 lojas que a empresa tem espalhadas pelas várias cidades de Taiwan. Para os próximos anos estão previstas ainda mais (ver caixa).

Nas diferentes salas desta gigante casa de livros a oferta parece interminável, entre obras em inglês e literatura em chinês. Os autores lusófonos não estão esquecidos, com as traduções de Ensaio Sobre a Cegueira e Memorial do Convento, de José Saramago, bem destacadas na secção de literatura estrangeira.

Na Eslite aplica-se à letra o ditado de que os livros nunca dormem. Aqui as histórias ganham vida a horas pouco convencionais. Talvez isso explique por que motivo eu e outros 120 milhões de visitantes (só em 2011) nos sentimos atraídos por esta loja privada que às vezes mais parece uma biblioteca pública. Mesmo durante a noite.

 

Eslite expande-se para Hong Kong e Interior da China

No segundo semestre deste ano, anunciou a Eslite Corp., inaugura-se a primeira loja da cadeia fora de Taiwan. Será bem perto de Macau, em Hong Kong, e representará o primeiro passo de uma estratégia de expansão que nos próximos anos passa também pelo Interior da China. A empresa revelou ainda que tenciona abrir uma outra unidade, com centro comercial, hotel e cinemas em Suzhou, na província de Jiangsu. O projecto deve estar pronto em 2014. Pequim, Xangai, Nanjing e Wuxi são, de acordo com a revista Forbes, os destinos que se seguirão. Para Macau ainda não há planos.