Para sempre macaenses

Vivem longe, em países diferentes e alguns pisaram pela primeira vez a terra dos avós e dos pais, mas nem por isso se sentem menos macaenses. Os jovens da diáspora estão empenhados em impedir que as tradições se percam. O futuro da comunidade parece estar em boas mãos

 

 

Texto Alexandra Lages

Fotos Nathalia Tôrres

 

Gil consegue entender português, mas não comunicar nessa língua. Também não fala cantonês. O seu apelido é Manhão e pertence a uma das principais famílias macaenses, mas o jovem de 25 anos conhece pouco a terra dos pais e avós. Vive na Califórnia e tinha 13 anos quando visitou Macau pela primeira vez. “Vim para assistir à transferência de administração, porque os meus pais acharam que seria importante para mim estar aqui nesse momento”, conta.

Doze anos depois voltou à RAEM para participar no II Encontro de Jovens Macaenses, organizado em Abril pelo Conselho das Comunidades Macaenses. Gil fez parte do grupo dos 38 macaenses com idades compreendidas entre os 18 aos 40 anos que participaram nesta edição do encontro, que acontece a cada três anos. Ao longo de uma semana, estes jovens enviados pelas 12 casas de Macau espalhadas pelo mundo visitaram o património histórico da cidade, conheceram melhor a cultura e tiveram oportunidade de conhecer a cidade de Foshan, no Interior do País.

Em Macau não se sente como um peixe fora de água. Apesar de ter nascido num continente diferente, está ligado às pessoas, à cidade e à cultura. “Quando se está nos Estados Unidos e se é macaense, não há tantas pessoas com quem conviver e sentimo-nos um pouco desligados. Aqui, começamos a sentir-nos como se já não fôssemos extraterrestres”, diz entre risos. Na Califórnia, é costume os jovens macaenses se reunirem de vez em quando, mas “não é a mesma coisa”. “Temos festas com comida e bebidas tradicionais, mas aqui senti-me mais ligado à comunidade,” reitera.

Durante o encontro, Gil fez amizade com jovens macaenses que vivem nos Estados Unidos, Brasil, Canadá, Austrália e Portugal. E a relação é para continuar. “Vamos criar uma página no Facebook para manter o contacto.”

Não se pense, contudo, que o encontro se fez só de passeios e palestras. Houve ainda tempo para reuniões de trabalho com associações e instituições locais, como a Federação de Jovens de Macau e o Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Comercial e Económica entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

O objectivo do encontro, organizado por um grupo de jovens macaenses locais, era dar a conhecer aos seus pares da diáspora as suas raízes e cultura. A organização quer que as novas gerações voltem para casa com a missão de divulgar a cultura macaense aos seus familiares e amigos.

 

Geração com uma missão

Este trabalho de divulgação já está a ser feito nas várias Casas de Macau pelo mundo. Bernardo Carion, que participou pela segunda vez no encontro e é vice-presidente da Casa de Macau no Rio de Janeiro, refere que falar da terra dos antepassados é uma missão com que estes jovens nasceram.

“A nossa ideia é criar um grupo de jovens,” explica o brasileiro de 30 anos. A Casa de Macau no Rio de Janeiro organiza workshops de culinária macaense e aulas de mandarim. Os macaenses que vivem no Brasil estão de olho no desenvolvimento de Macau no contexto do Delta do Rio das Pérolas. “Aqui é o cantonês que se fala, mas a gente sabe que com o progresso de Macau e da região do Delta do Rio das Pérolas o mandarim está a ficar mais forte. Estamos a tentar manter as raízes e preparar-nos para o futuro,” defende.

Bernardo é filho de pai macaense e mãe brasileira e quando chegou a Macau pela primeira vez, em 2010, não teve surpresas pois foram muitas as histórias da terra que tinha ouvido durante a infância e adolescência. O próximo projecto do vice-presidente da Casa de Macau do Rio de Janeiro é criar um grupo de teatro em patuá. Actualmente, a casa já tem um pequeno grupo de jovens que faz teatro, mas falta introduzir o dialecto maquista.

A comunidade macaense que reside no Canadá também já começou a implementar medidas para garantir a passagem do testemunho para os mais jovens. Nicholas Xavier Tam é o director do departamento de juventude da Casa de Macau de Toronto. “Criámos este departamento para preencher uma lacuna da casa e dar espaço aos mais jovens”, explica.

Segundo o responsável, a Casa de Toronto organiza muitas actividades ligadas à culinária, bem como encontros e eventos para celebrar os feriados tradicionais e aniversários. “Tenho mais ideias para continuar a destacar mais a comida macaense. A comida é sempre algo que passa de geração em geração”, afirma.

As casas dos Estados Unidos estão a adoptar medidas semelhantes. O Clube Lusitano da Califórnia estabeleceu uma nova política a pensar nas gerações mais novas de macaenses que também passou pela criação do departamento de juventude. “Actualmente, a responsável pelo departamento de juventude é a minha irmã, que tem 16 anos”, explica Leonardo Xavier, representante da associação e ex-vice-presidente.

“Estamos a tentar atrair mais membros por volta dessa idade promovendo mais actividades focadas nos jovens, como festas de Halloween, aulas de culinária, aulas de português ou noites de jogos.”

 

Objectivo alcançado

A família de Ana Sanches é portuguesa, mas esta sente-se de Macau porque aqui viveu dos quatro aos dez anos de idade. Ana faz parte da Casa de Macau em Portugal e participa em todas as actividades. “Estamos aqui com uma grande missão de recolha de ideias das outras casas. Somos uma casa bastante activa, organizamos chás gordos, celebrações do Ano Novo chinês, mas queremos ver se conseguimos fazer outras coisas”, explica.

No que toca aos jovens, a Casa de Macau em Lisboa está a “dar os primeiros passos”. “Os filhos dos macaenses vão lá, porque os pais também frequentam a casa, mas estamos a começar a criar uma dinâmica própria para os jovens, como workshops de cultura chinesa ou de conhecimentos básicos do mandarim.”

A cultura macaense também está a despertar o interesse académico de jovens filhos da terra. É o caso de Sofia Rangel que apresentou recentemente o livro Filhos da Terra – a Comunidade Macaense Ontem e Hoje baseado na sua tese de mestrado.

A jovem de 25 anos concluiu que até 2049 a comunidade macaense vai estar protegida, mas apela aos jovens para se interessarem mais pela sua história e cultura. “É preciso que os jovens possam transmitir esses conhecimentos para as gerações futuras,” defende.

Na sua obra, Sofia Rangel elogia a organização de encontros de jovens macaenses, pois “é essencial que os jovens da diáspora se encontrem, se conheçam e possam trocar impressões sobre as suas experiências de vida e, especialmente, sobre o que é ser macaense.”

A académica alerta que a continuidade da comunidade na diáspora está em risco de extinção e está nas mãos dos jovens impedir que tal aconteça. “A comunidade da diáspora é muito diferente da local. Na maior parte dos casos, eles já se aculturaram aos países onde vivem actualmente. Por isso é importante que os jovens se interessem mais pela sua história.”

Apesar de tudo, Sofia Rangel reconhece que há jovens na diáspora empenhados em preservar a cultura macaense. “Fazem palestras, encontros e exposições. Têm muitas actividades. Há pessoas que estão muito empenhadas em continuar a avivar a cultura macaense e a divulgá-la não só para os jovens da diáspora, mas também para pessoas dos outros países com interesse em conhecer Macau e a nossa história,” constata.

Um dos objectivos do II Encontro de Jovens Macaenses é também ajudar as casas a alargar o âmbito destas iniciativas, diz o presidente da comissão organizadora, Duarte Alves. “Este encontro permite que nós possamos ajudá-los a expandir essas actividades. Além da culinária, é possível realizar algo com as línguas, como o chinês ou o patuá.”

Todas as metas do encontro foram cumpridas e o presidente da organização faz um balanço “bastante positivo”. “Os representantes das casas vieram para conhecer as suas raízes e voltaram a sentir orgulho de serem macaenses e com vontade de serem embaixadores de Macau. Todos mostraram vontade de regressar e de trazer amigos e familiares”, conta Duarte Alves.

A par disso, o evento permitiu que fosse dado um passo importante para o rejuvenescimento da comunidade macaense local, pois foi a primeira edição a ser organizada apenas por jovens. Um total de dez membros da juventude macaense deu corpo à comissão organizadora. “Foi um projecto que nos permitiu trabalharmos juntos e de sentirmos que todos temos os mesmos objectivos, que é estarmos mais envolvidos na sociedade e no desenvolvimento de Macau, bem como na continuidade da comunidade macaense”, conclui Duarte Alves.

Seja em Macau ou na diáspora, o empenho dos jovens alivia os receios do desaparecimento da cultura macaense. “Isso [o empenho dos jovens da diáspora] acalma-nos um bocadinho em relação ao futuro. Se continuarmos assim e se nos esforçarmos ainda mais para realizar estes encontros e divulgar a nossa cultura, vamos manter o espírito da comunidade macaense,” garante Sofia Rangel.