A apetecível rota da Ásia

Anda nas bocas do Oriente com um sucesso que deixa qualquer um de olhos em bico. De diferentes tamanhos, cores e sabores, o pastel de nata, que talvez nunca tenha sido ele mesmo na Ásia, reinventa-se a cada esquina, traçando desde os anos 1990 uma apetecível rota explorada a partir de Macau

 

 

Texto Diana do Mar e Patrícia Neves

 

É difícil fixar temporalmente na história a data da chegada do pastel de nata à Ásia, mas o inglês Andrew Stow, após o sucesso alcançado em Macau, terá sido dos primeiros aventureiros a partir à conquista da região. Hong Kong foi o primeiro destino escolhido pela Lord Stow’s para testar o mercado. A resposta foi imediata: longas filas de espera com pessoas dispostas a ficarem de pé durante mais de duas horas só por uma dentada. A “febre” levou à multiplicação das recriações e a Lord Stow’s não resistiu acabando por encerrar, mas o seu produto pode ser saboreado ainda no café do Hotel Excelsior. A “loucura” viria ainda a afectar os negócios em Taiwan e Tailândia, onde a marca acabaria também “por se perder com as imitações”, conta Eileen Stow, irmã do empresário inglês.

Mas Andrew não cruzou os braços e lançou-se no Japão, onde dá o nome a três lojas (em Quioto, Osaka e Kobe) e arriscou ainda os mercados das Filipinas e Coreia do Sul, onde se encontram de portas abertas cerca de duas dezenas de espaços. Nas contas de Eileen, a Lord Stow’s vende uma média diária de 1000 a 2000 pastéis em cada um dos países onde marca presença.

Ao vasto mercado a Oriente, chegaram também pelas mãos de Margaret Wong, ex-mulher de Andrew, que, em 1997, deu um passo de gigante, ao vender a fórmula à Kentucky Fried Chicken (KFC). “Tinham de colocar o telefone fora do descanso devido ao elevado número de encomendas”, relatou a proprietária do Margaret’s Café & Nata.

As tartes de ovo não integram todos menus do KFC espalhados pela Ásia e nem sempre se exibem na sua forma mais característica. Em Singapura podem ser reforçados com chocolate e, em Taiwan, com geleia ou outras coberturas à escolha para os mais gulosos.

 

Pela Ásia adentro

O pastel de nata serve-se ainda às mesas do Robin’s Portuguese Chicken, na Malásia, e do Macau Express, em Singapura, que servem, em conjunto, cerca de 2400 bolos por dia, número que ao fim-de-semana quadruplica.

O fundador Robin Koh aprendeu a receita ainda imberbe com o tio macaense e, por isso, a delícia foi “naturalmente introduzida” no menu, diz Christopher Lee, director comercial do grupo que há três meses entrou em Timor-Leste, com a marca Kamanen Sabor.

Na Cidade-estado para os lados da Chinatown, vingam as tartes da Tong Heng, esculpidas em forma de diamante. São vendidas até 5000 a cada 24 horas, mas a receita tem raízes chinesas.

Já na Tailândia, os mais populares são os da Ka-nom, de acordo com a portuguesa Luísa Dutra. “Não são queimados como nós gostamos, de aspecto são portuguesíssimos e de sabor nem tanto, como os de Macau. A massa não é tão folhada como a nossa e não há o hábito de pôr canela. Fazem uns só com claras e outros com ovos inteiros”, avaliou, servindo-se dos conhecimentos de uma especialista local em doçaria.

Em Hong Kong, o “Óscar” vai para a pastelaria Tai Cheong, sobretudo depois de o último governador inglês, Chris Patten, ter confessado que aquelas egg tarts são as suas predilectas. O Clube Lusitano de Hong Kong também tem a sua própria produção do pastel de nata que não é originalmente luso, mas que também é diferente daquele que se encontra em Macau e em Hong Kong. “É único e tem a nossa identidade”, sublinha o presidente do grémio.

Ao saborear um exemplar preparado pelo chef chinês Mak Chi Wing sem canela e com finas lascas de amêndoa no topo, Francisco António da Roza garante que “depois da primeira dentada, nunca mais se pára”, até porque ele tem propositadamente a medida de uma só mordida.

O pastel de nata está na Ásia mas muito raramente foi introduzido pela mão de portugueses. Mas há excepções. A Pastelaria Chafariz, por exemplo, presente em Espanha, Angola, Moçambique, África do Sul, Bélgica, França, Dubai e Luxemburgo, tem clientes que colocam os produtos, entre os quais o pastel de nata, no mercado asiático, onde a empresa está agora a apostar na expansão com marca própria, revelou o administrador Jorge Santos.

Vontade não falta também à Panidor, que tem a mira apontada aos mercados de Macau, Hong Kong, China, Malásia e Singapura, para onde pretende exportar produtos ultracongelados de pastelaria e padaria, incluindo o “estrela”, avançou António Caiado da área de desenvolvimento e negócio.

Maior ou menor, mais ou menos doce, com ou sem o epíteto “português” a revelar a sua origem ou fruto de recriações com ingredientes exóticos à mistura, está por todo o lado. Longe da praia lusitana onde nasceu, o pastel de nata continua a ser apreciado a Oriente e, muitas vezes, sem que a sua verdadeira história, origem e sabor sejam conhecidos.