Desafio mundial ao calor

Fábrica Gree
Uma pequena empresa de equipamentos de ar-condicionado de Zhuhai transformou-se em líder mundial do sector a apostar em mercados-chave. Agora a Gree Electric Appliances emprega mais de 80 mil pessoas em todo o mundo, tem unidades de produção na China, no Brasil, no Paquistão e no Vietname e planeia consolidar a sua estratégia nos Estados Unidos

 

Fábrica Gree

 

Texto Mark O´Neill/ Macao magazine

 

Há 20 anos, era apenas uma pequena empresa da cidade de Zhuhai, a Zona Económica Especial chinesa adjacente a Macau. Não chegava a fabricar 20 mil aparelhos de ar-condicionado por ano. Mas agora a história é outra: a Gree Electric Appliances é a maior fábrica de ares-condicionados do mundo, é já uma multinacional que emprega cerca de 80 mil pessoas, rompeu fronteiras e instalou unidades no Brasil, Paquistão e Vietname.

No ano passado, a empresa registou mais de 80 mil milhões de yuans de lucros, um número bastante acima dos 60,8 mil milhões de 2010, e produziu mais de 40 milhões de equipamentos. Desde 2005, a Gree entrou para a história ao transformar-se na maior indústria de ares-condicionados do globo, posição que já detinha a nível nacional desde 1995. Actualmente, a Gree vende os seus aparelhos e presta serviços em mais de 100 países e regiões do planeta, chegando a mais de 150 milhões de consumidores.

Não é difícil encontrar prova deste crescimento galopante: a companhia foi convidada a tratar da climatização de sete estádios do roteiro do Mundial de Futebol 2010, na África do Sul, além de instalar os seus equipamentos num grande centro comercial da cidade de Sochi, na Rússia, onde se vão realizar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014.

Em Junho de 2010, a firma chinesa expandiu-se para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde abriu uma representação e planeia agora instalar uma unidade de produção para reduzir gastos com transportes para o mercado norte-americano. Só nos Estados Unidos, a Gree vende 1,5 milhões de ares-condicionados, mas quer mais. A empresa está em negociações com as cadeias Wal-Mart, Home Depot e Target para que sejam revendedores da marca. “A nossa missão é mudar o conceito de ‘feito na China’ para ‘criado na China’”, explica Dong Mingzhu, presidente da Gree.

A empresa é um exemplo do crescente número de multinacionais chinesas que primeiro consolidaram negócios em casa e estão agora apostadas em repetir o sucesso a jogar no campo do adversário. No entanto, ainda há muito a fazer, como derrubar a barreira de que aquilo que é feito na China não é para durar. “Queremos aumentar o nosso estatuto de produtor original de uma marca. Para tal, temos de melhorar o nosso nome e a nossa reputação”, acrescenta Peng Hong, director de marketing para o mercado internacional.

Para alcançar tal meta, a empresa já criou três centros de pesquisa e desenvolvimento, que juntos empregam 5000 pessoas, e estão responsáveis por novos componentes e sistemas sob o selo de produtos únicos da marca. Para a Gree, crescimento rima com aperfeiçoamento da qualidade.

 

Mercado em crescimento

A Gree, ou Ge-li em chinês, nasceu em Zhuhai em 1991, depois da fusão de duas pequenas empresas – a Haili e a Guanxiong. A nova unidade fabril começou então a produzir aparelhos de ar-condicionado para colmatar a procura de um crescente mercado consumidor, que com um maior poder de compra decidiu investir no conforto para os longos meses de Verão. Os lucros subiram rapidamente, passando de 103 milhões de yuans no ano de nascimento para 2,84 mil milhões em 1996, altura em que a empresa lançou-se na Bolsa de Shenzhen. Actualmente, o Governo chinês detém 20 por cento das acções.

Já em 2000, as vendas anuais alcançaram os 6,34 mil milhões de yuans. A Gree alargou então a sua gama de produtos e passou a investir pesado no fabrico de equipamentos para escritórios, centros comerciais, comboios, metropolitanos, contentores de navios e iates. Actualmente, a empresa chinesa fabrica ares-condicionados para qualquer tipo de finalidade, excepto para aviões.

Há 12 anos, a companhia abriu a sua primeira fábrica fora da China e escolheu Manaus, no Norte do Brasil, para este passo rumo à sua multinacionalidade. No ano seguinte, em 2002, foi a vez do Paquistão receber uma unidade fabril, seguido, em 2008, do Vietname. Na China, a produção também foi alargada e hoje a Gree conta cinco fábricas – além da sede em Zhuhai, produz aparelhos em Hefei, Chongqing, Zhengzhou e Wuhan.

Em 2005, as vendas ultrapassaram as dez milhões de unidades e a empresa passou a figurar como líder do sector no ranking mundial. O seu grande investimento é em modelos amigos do ambiente, com baixo consumo de energia e alta eficiência. Além dos ares-condicionados, a empresa chinesa consolidou-se no mercado das ventoinhas, dos bebedouros, das máquinas de arroz e outros pequenos electrodomésticos. E também reforçou a sua vertente de subsidiária de desenvolvimento de propriedades. Mas os ares-condicionados continuam a ser o seu forte e são responsáveis pelo grande volume de lucros.

Dos cerca de 200 milhões de aparelhos em uso em todo o mundo, dados oficiais indicam que 110 milhões estão concentrados na China. Economistas referem que a produção em massa de equipamentos de refrigeração de ar é uma das principais mostras do milagre económico chinês. Está provado que a produtividade da mão-de-obra aumenta à medida que o local de trabalho fica menos húmido e quente. O fenómeno do ar-condicionado é já um objecto indissociável do crescimento da classe média e da rápida urbanização do país.

 

Desbravando o Brasil

Na altura de escolher a localização para a sua primeira unidade de produção além-fronteiras, a Gree não teve dúvidas quanto ao Brasil. O país é a maior economia da América Latina em termos de aquisição de ares-condicionados, e, atento a este crescimento,  o Governo brasileiro estabeleceu uma medida proteccionista da produção interna e taxa em 60 por cento os equipamentos importados.

Para uma empresa que nunca tinha saído da China, este foi um grande desafio. O ambiente de investimento é completamente diferente daquele a que os chineses estavam habituados: os sindicatos têm um papel fundamental nas relações entre empregador e empregado, a legislação laboral tende a proteger os trabalhadores, os impostos são elevados, o direito à greve é defendido com força e a sociedade privilegia uma maior qualidade de vida, o que significa que está disposta a trabalhar menos por mais dinheiro.

Em vez de abrir portas na região sudeste do Brasil, onde estão as maiores cidades do país e uma grande parte da população, a Gree apostou em Manaus, no Estado do Amazonas, no extremo norte. A zona franca da cidade oferece regalias aos investidores, um facto que pesou na decisão. É em Manaus onde estão todos os produtores brasileiros de electrodomésticos e ares-condicionados, mas há a desvantagem de estar a cerca de 3900 quilómetros de Brasília e a muitos mais da principal zona consumidora, no sul.

Os primeiros tempos no Brasil não foram fáceis. A empresa chinesa viu-se confrontada com um fornecimento irregular de energia, que fazia com que a produção tivesse de ser interrompida várias vezes por semana, e um sistema fiscal complexo, que envolve o pagamento de impostos ao nível municipal, estadual e federal.

O então responsável pela unidade no Brasil, Zhang Yuechao, passou nove anos em Manaus e relata que houve muitas dificuldades. “Não tínhamos nenhuma experiência no Brasil e tivemos de aprender a legislação e os procedimentos alfandegários locais. Além disso, estávamos habituados a lidar com trabalhadores chineses que não se importavam em fazer horas extras, enquanto que no Brasil, mesmo que uma compensação fosse oferecida, havia resistência por parte dos empregados e não podíamos obrigá-los a ficar mais tempo”, conta.

Zhang lembra a história de um trabalhador exemplar que foi informado de uma progressão na carreira. “Se fosse um empregado chinês, ele agradeceria muito aos patrões, mas o brasileiro instantaneamente perguntou: ‘Qual vai ser o meu aumento salarial?’”, diz a rir-se.

Acostumados com o rigor, os chineses tiveram de aprender a ajustar-se a uma nova realidade para vencer. Se Zhang queria ter uma reunião com os seus trabalhadores às nove da manhã, tinha de dizer-lhes que era às oito. “Os que se atrasavam, davam sempre a mesma desculpa: tive de ir ao hospital assistir ao nascimento do meu filho. Se a selecção brasileira de futebol estava a jogar, a produção tinha de ser interrompida, porque ninguém queria trabalhar.”

No entanto, Zhang salienta aspectos muito positivos desta relação sino-brasileira. “O povo brasileiro é extremamente caloroso e muito fácil de se lidar. Eles dizem o que pensam, seguem as regras, enquanto um chinês perde tempo a encontrar uma maneira mais fácil de fazer as coisas. Os chineses são mais tímidos e cuidadosos e não dizem o que pensam aos superiores.”

 

Sucesso sul-americano

Com uma modesta equipa de 300 trabalhadores nos anos 90 e vendas que não ultrapassavam as 300 mil unidades, a Gree conquistou o mercado brasileiro com pujança. Só em São Paulo, a maior cidade do país, a empresa chinesa abriu 130 pontos de venda e criou um sistema eficaz de distribuição dos seus produtos em todos os Estados brasileiros.

A firma passou a ser conhecida como uma marca internacional, apesar de 95 por cento da sua mão-de-obra ser local, enquanto que o restante é de origem chinesa e está apenas em cargos de supervisão.

De Manaus, os ares-condicionados seguem para Belém, capital do Estado vizinho do Pará, a 100 quilómetros do Oceano Atlântico. De lá, são embarcados em navios-cargueiros ou camiões e são distribuídos pelo resto do país. A maior parte da produção é escoada para o mercado interno, enquanto que uma percentagem chega a outros países da América do Sul.

Com a moeda brasileira a enfrentar grandes oscilações – em 1994, quando foi criada, valia igualmente um dólar, enquanto que em 1994 valia meio dólar e, em 2004,  um quarto –, um novo desafio pôs-se perante a empresa. Era preciso encontrar a matéria-prima localmente para livrar-se da desvalorização do real no mercado externo. E assim foi. O produto final passou a ter um preço estável e as vendas dispararam.

 

De olho no mercado global

Depois da experiência bem-sucedida no Brasil, a Gree voltou-se para o mercado asiático, abrindo fábricas primeiramente no Paquistão e, mais tarde, no Vietname. Em 2009, a empresa chinesa estabeleceu duas joint-ventures com a Daikin, uma das marcas de ar-condicionado mais conhecidas do mundo, num investimento total de 133 milhões de dólares, tendo em vista entrar para o mercado japonês.

Os Estados Unidos passaram a ser o maior mercado de exportação para a Gree, que chega a somar mais de 1,5 milhões de equipamentos vendidos a cada ano. Em Junho de 2011, a multinacional abriu uma representação nos Estados Unidos, na zona de Industry, um distrito fabril de Los Angeles que alberga cerca de 900 companhias chinesas, principalmente do sector do calçado, couro e tecnologias da informação.

Para consolidar a sua estratégia, a companhia estabeleceu uma joint-venture com um parceiro local que detém 51 por cento das acções. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes na cerimónia de abertura, incluindo o presidente da Câmara Municipal, David Perez, e o cônsul-geral da China em Los Angeles.

“A nossa intenção é ter os nossos produtos à venda no Wal-Mart, Home Depot, Lowe’s, Sears e outras grandes lojas norte-americanas”, afirmou Dong Mingzhu, presidente da representação, durante a cerimónia. “Os nossos produtos são 30 por cento mais amigos do ambiente do que aqueles disponíveis actualmente no mercado. Acredito que vamos nos tornar uma das marcas predilectas dos norte-americanos.”

Peng adiantou que a empresa está a planear estabelecer um acordo para uma joint-venture na Indonésia, cuja população ronda os 240 milhões, mas há apenas 1,2 milhões de ares-condicionados no país. Outras possibilidades debaixo de olho são Índia, Turquia e o Médio Oriente. “Muitos lugares ainda não têm electricidade na Índia. O primeiro produto que os indianos escolhem são uma ventoinha, uma televisão, um frigorífico e uma máquina de lavar louça. O ar-condicionado fica em último plano. A chegada da electricidade irá inverter essa ordem de preferência. Prevemos que o ar-condicionado faça parte destes planos”, referiu Peng.

 

A senhora Dong

A reputação da Gree como marca internacional está directamente ligada a Dong Mingzhu, que está no cargo de presidente da multinacional desde 2001 – a década que coincidiu com as maiores taxas de crescimento da empresa.

Nascida numa família simples de Nanjing, em 1954, Dong licenciou-se em gestão em Wuhu (Província de Anhui) em 1975. Em 1984, o marido morreu vítima de doença, deixando-a sozinha com um filho de dois anos. Pouco depois, em 1990, ela desistiu de um emprego banal em Nanjing, deixou o filho com então oito anos aos cuidados da avó e mudou-se para a Província de Guangdong, à procura de melhores oportunidades de vida. Foi então que Dong teve o primeiro contacto com a Gree, na altura em que a empresa era apenas conhecida por Haili.

Dong não tinha qualquer tipo de experiência na área de vendas, mas mesmo assim aceitou o desafio. Em 1992, chegou a fazer sozinha 16 milhões de yuans em venda de equipamentos em Anhui, a província pela qual ficou responsável, o que representava 12 por cento do total dos lucros da pequena empresa de Zhuhai. No ano seguinte, Dong mudou-se para Nanjing e chegou à cifra de 36,5 milhões de yuans em equipamentos vendidos. Em 1996, foi promovida a gerente da divisão de vendas e, mais tarde, à vice-directora geral.

Entre 1997 e 2001, Dong desempenhou funções de vice-directora geral e em 2001 foi eleita chefe executiva. Desde 2006, é a presidente da Gree. Em três anos – 2004, 2005 e 2008 – a revista Fortune elegeu-a uma das 50 mulheres de negócios mais influentes do mundo. Ela está completamente dedicada ao trabalho e nunca se voltou a casar.

O mundo corporativo da China é dominado por homens. Uma mulher de tal relevância é um episódio raro e Dong rapidamente transformou-se num modelo para milhares de mulheres que querem chegam ao topo do pódio. “A nossa estratégia para o estrangeiro é não gastar demasiado numa grande aquisição, mas crescer pouco a pouco. Queremos transformar a Gree na marca mais famosa do mundo.”