Rodolfo Ávila – Uma vida que é uma corrida

Nasceu em Lisboa em 1987. Nesse mesmo ano o francês Alain Prost triunfou no Grande Prémio de Portugal ao volante de um Mclaren. Rodolfo Ávila também sonhou com a Fórmula 1. Ao longo da carreira cruzou-se nas pistas com o talento de Sebastien Vettel e de Lewis Hamilton, dois campeões do “grande circo”. Mas acabou por encontrar uma carreira sólida no desporto automóvel da Ásia, no competitivo campeonato da Taça Porsche Carrera. Quando ganha é a bandeira de Macau que sobe ao lugar mais alto do pódio

 

 

Texto Pedro Maia

 

O encontro com Rodolfo Ávila, piloto de automóveis de competição, 25 anos, licenciado em Psicologia do Desporto, foi marcado sem dificuldade, apesar da agenda concorrida. Conversa aberta, sem rodeios. Como nas pistas, Ávila vai directo ao assunto. Afável, sorriso fácil, bem disposto, falou sobre tudo. Da transformação de Macau. Do Portugal distante. Da vida em Inglaterra. Do dia-a-dia em Zhuhai. Do minchi do restaurante A Vencedora. Da admiração por André Couto. E, claro está, da carreira. Duas horas de conversa, sem interrupções, apesar dos telefonemas da namorada. Mesmo esses tiveram de esperar. O gravador do jornalista estava ligado. E não se pára uma “corrida” a meio. Começamos então pelo princípio.

Rodolfo Ávila desembarcou em Macau com a família no terminal do Porto Exterior. Tinha apenas três anos. Do pai herdou a paixão pelo desporto automóvel. “Lembro-me de ir com ele, ainda bastante novo, para o kartódromo da Taipa, onde é agora o Jockey Clube. Não era bem um kartódromo. Era uma área que estava a ser urbanizada, sem trânsito, com ruas alcatroadas. Havia um espaço semelhante nos NAPE, com karts de aluguer. Andava sempre ao colo dele.”

O Grande Prémio de Macau aguçou-lhe o apetite. Assistiu pela primeira vez ao rebuliço de pilotos e máquinas no Circuito da Guia com quatro anos, sentado na bancada junto à famosa curva do Hotel Lisboa. “Não tenho imagens muito claras desse momento, mas lembro-me perfeitamente das bancadas serem de bambu. Fui crescendo com o Grande Prémio de Macau.”

Corria o ano de 1991. David Coulthard, escocês franzino que anos mais tarde singrou na Fórmula 1, triunfou em Macau ao volante de um Fórmula 3, categoria rainha do Grande Prémio. Onze anos mais tarde, Rodolfo Ávila estreou-se no território ao volante de um Fórmula Renault. Tornou-se o mais jovem piloto de sempre a correr no Grande Prémio de Macau. Mas já lá vamos. Antes, os karts. A escola primária de todos os reis do asfalto.

Desde os primeiros momentos ao colo do pai num kart, a curiosidade foi aumentando. Rodolfo passava a vida agarrado aos videojogos, sobretudo os simuladores de corridas. Faltava às aulas para ver o Grande Prémio: saltava as grades do circuito, subia ao topo dos prédios com os amigos. Os professores habituaram-se à ideia. Havia sempre um grupo que fazia gazeta às aulas para ver e ouvir o barulho dos motores.

Na companhia do pai, Carlos Ávila, e da irmã, Mafalda, continuou a queimar pneus nos circuitos improvisados de Macau. Sempre ao volante de karts alugados. Era um dos passatempos preferidos entre a comunidade portuguesa.

 

A primeira vitória

Com 14 anos, Carlos Ávila fez a vontade ao filho. Entre um par de patrocínios e o apoio da família, Rodolfo foi presenteado com um kart e com uma inscrição na escola de karting local, propriedade do piloto Alberto Sin, antigo presidente do Automóvel Clube de Macau.

“O Alberto era bastante rápido, andava muito bem de kart e tinha um grande conhecimento do desporto automóvel. Comecei a aprender com ele, a ouvi-lo. Ensinou-me os primeiros passos e é uma pessoa que teve grande influência na minha carreira. Treinava duas vezes por semana, mas tinha de ter aproveitamento na escola. Foi uma das regras impostas pelo meu pai.” As notas eram “razoáveis” e Ávila nunca deixou para trás os estudos. Regra é regra.

Nesse ano de estreia, em 2002, subiu seis vezes ao degrau mais alto do pódio. Seis vitórias em oito corridas. A conquista do campeonato abriu-lhe uma porta grande. Foi convidado pela Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau e pelo Automóvel Clube de Macau para competir no traçado que admirava desde miúdo.

“Levaram-me duas semanas antes para o Circuito Internacional de Zhuhai, onde fiz uma formação de três dias com a Fórmula Racing Development. Fui entregue a uma equipa onde conheci o Philippe Descombes, outra pessoa que teve e ainda tem uma grande influência na minha aprendizagem e na minha vida.” Descombes, um francês radicado na Ásia, fluente em mandarim, venceu duas vezes consecutivas em Macau na Fórmula 2000. Mais tarde dedicou-se à formação de novos talentos.

Em Zhuhai, Rodolfo Ávila depressa sentiu as emoções fortes de estar ao volante de um Fórmula Renault, um monolugar de dois litros e 210 cavalos, em quase tudo diferente de um kart. Muito mais rápido, travões igualmente potentes, suspensões, transferências de peso nas travagens. Um mundo novo para descobrir num par de dias de treino, duas semanas antes de correr em Macau.

Veio então a desejada estreia no Circuito da Guia. Traçado onde dois anos antes André Couto, um dos ídolos de infância, levou a bandeira de Macau ao primeiro lugar do pódio na prova de Fórmula 3.

“A estreia foi espectacular. Um sonho tornado realidade. Desde criança que via aquilo tudo na televisão ou a partir das bancadas. Passei a ver por dentro. Fui o piloto mais novo de sempre a correr o Grande Prémio de Macau. Ficará para a vida na minha memória. Mas corria um nervoso miudinho”, confessa.

Antes do início da prova André Couto deu-lhe alguns conselhos. Revelou-lhe alguns segredos da Guia. Rodolfo completou oito das dez voltas da prova de Fórmula Renault, debaixo de uma chuva copiosa. A estreia agradou aos patrocinadores. Philippe Descombes abraçou a carreira do jovem piloto de Macau.

No ano seguinte, em 2003, com 16 anos, Ávila confirmou as expectativas. Sagrou-se campeão chinês e asiático de Fórmula Renault. Edmund Ho, Chefe do Executivo do Governo da RAEM na altura, entregou-lhe a taça em Macau. Mais uma porta aberta com o salto para a corrida rainha do Circuito da Guia em 2004 – aquela que leva mais público às bancadas. “A Fórmula 3 é onde todos os pilotos vão medir as verdadeiras capacidades para singrar neste desporto. O Ayrton Senna e muitos outros chegaram à Fórmula 1 a partir daí.”

Ao volante de um Dallara Mugen-Honda da célebre equipa britânica Carlin Motorsport, Rodolfo Ávila voltou a dar boas indicações e ficou decidido o ingresso no Campeonato Asiático de Fórmula 3 no ano seguinte. Passou por duas equipas, terminou a época em quinto lugar, o que lhe valeu a distinção de melhor rookie do ano e um novo regresso ao Grande Prémio de Macau. Nesse ano de 2005, Ávila acabou a prova de Fórmula 3 no 16.º lugar, sem incidentes, tendo registado a volta mais rápida entre os pilotos do território.

O Governo de Macau premiou-lhe o talento. Recebeu das mãos do Chefe do Executivo a medalha de mérito desportivo. E tornou-se embaixador da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes do território.

 

Salto para a Europa

Em 2006, novo desafio. Decide tentar a sorte no exigente Campeonato Britânico de Fórmula 3. O apoio de vários patrocinadores locais e do Governo da RAEM foi fundamental para dar o salto. “Tivemos de fazer um esforço enorme. Na Ásia gastávamos cerca de 2,5 milhões de patacas para fazer o campeonato. O orçamento na Europa subiu para meio milhão de libras. E nessa altura a libra estava muito forte.”

O primeiro ano obrigou a uma ponte aérea constante entre Macau e o Reino Unido. Ávila sagra-se quarto classificado na National Class, categoria destinada aos pilotos mais novos. Subiu quatro vezes ao pódio nas 11 jornadas duplas do campeonato. Regressou a Macau em Novembro para a Corrida da Guia, mas um acidente na primeira volta deita por terra as aspirações do fim-de-semana. Ainda assim estava prometido um regresso a Inglaterra no ano seguinte.

Desta vez partiu de malas e bagagens. Já estava a fazer o ano zero na Universidade de Loughborough, nos arredores de Leicester, um dos melhores estabelecimentos de ensino superior do país na área do desporto. “A minha vida mudou. Vivia em Macau com a família e era tudo simples. Fui morar sozinho, tinha de lavar a minha roupa, cozinhar. No princípio não foi fácil. Mas depois habituei-me. Tornei-me mais responsável e independente. Maduro para a idade que tinha.”

Entre as aulas e a exigente preparação física inerente à condução de um monolugar não sobrava muito tempo. A equipa virou uma família. As saudades eram encurtadas através da Internet.

Em 2007, a temporada na Fórmula 3 não correu de feição. Valeu a experiência na Fórmula Master, que seguia o calendário do Campeonato do Mundo de Carros de Turismo (WTCC) na Europa. “Tinha imensa liberdade. Era sempre a viajar de um lado para o outro, na companhia do manager Sérgio Fonseca, outra pessoa muito importante no meu percurso e um grande amigo. Ainda hoje trabalhamos juntos.”

 

Regresso à Ásia

Em 2008 a crise financeira não poupou o desporto automóvel e o orçamento para continuar na Europa revelou-se insuportável. Foi-se o trampolim e o sonho de ingressar no “circo” da Fórmula 1. “Também sonhei com isso. Todos os pilotos sonham em chegar lá. Houve contactos, mas é outro mundo. É preciso muito dinheiro. A indústria do jogo de Macau também não revelou grande interesse em apoiar. E tive de fazer uma opção.”

A escolha assentou no campeonato Asia SuperCar Challenge, o primeiro passo nos carros de turismo. Aposta certa. Com 21 anos e contra todas as expectativas, Ávila conduziu o Ferrari 360 Modena GT ao título. O carro já não ia para novo. Havia pilotos melhor apetrechados.

Em 2009 foi a vez de se estrear na Taça Porsche Carrera Ásia, com as cores da equipa local Asia Racing Team (ART). Venceu duas corridas, somou sete pódios e terminou a época no quarto lugar. Deu nas vistas e chegou um convite da Team Jebsen, equipa profissional assente numa empresa com vários concessionários da marca alemã na Ásia, Hong Kong e Macau incluídos. A ligação mantém-se até hoje.

Em 2010, Rodolfo Ávila assumiu o papel de piloto oficial e repetiu o quarto lugar no campeonato. Um ano mais tarde melhorou o rendimento e ficou a um ponto do título de campeão –  a maior desilusão da carreira. “Faltou aquela pontinha de sorte. Foi um ano difícil. Quando acordo ainda fico frustrado. Mas faz parte. Dá-me força para trabalhar e continuar a atingir objectivos.” O ano terminou com um quarto lugar na Taça Macau GT, outra das corridas de cartaz do Grande Prémio de Macau.

Este ano Rodolfo Ávila continua a defender as cores do território e da Team Jebsen no mesmo campeonato, mas a concorrência está mais forte. “Participam vários pilotos de fábrica e o nível é muito elevado. É o campeonato mais competitivo da Ásia, a par do Super GT, o campeonato japonês de carros de turismo, onde corre o André Couto.”

 

Entre Zhuhai e Macau

Quando não está a correr, o dia-a-dia é um corrupio entre Zhuhai, onde vive, e Macau. A matrícula dupla do Kia Sportage que conduz permite-lhe fazer o percurso de um lado para o outro em menos de meia hora. Em Zhuhai trabalha na ART com Philippe Descombes e Sérgio Fonseca. Ensina jovens pilotos e aficionados do desporto automóvel no traçado do Circuito Internacional de Zhuhai. Volta e meia dá um salto à Malásia ou a Singapura para fazer o mesmo.

“É da pista para casa e de casa para a pista. Gosto de passar conhecimentos. É importante para o desporto automóvel asiático. Há famílias com muitas capacidades financeiras. Mas muitas vezes não existe o saber fazer. Daí o meu nome ser bastante procurado e conhecido fora de Macau.”

Entre as corridas e o trabalho na ART, Ávila confessa que já não sobra tanto tempo para os videojogos (Call of Duty, Gran Turismo 5 e Football Manager são os favoritos). Mas vai arranjando algum para um passeio de bicicleta na China, onde o trânsito é “perigoso e complicado”, ou uma jantarada com os amigos em Macau. Não passa muito tempo sem um minchi do restaurante A Vencedora, na Rua do Campo. E à mesa a comida é quase sempre portuguesa, mesmo do outro lado da fronteira. Tem uma empregada doméstica que aprendeu os segredos da gastronomia lusa. Continua a acompanhar o campeonato português de futebol, ou não fosse um sportinguista aguerrido.

Macau é a terra onde cresceu e onde, nas próprias palavras, acabará por ficar. “Portugal diz-me muito pouco. É a terra dos meus pais e dos meus avós. Macau é a minha casa, a minha vida. É uma cidade internacional. É certo que mudou e cresceu bastante e não vou deixar de gostar dela por causa disso. Apesar de ser um centro de jogo, o Governo tem feito um bom trabalho na promoção de Macau. E não podemos esquecer a colonização portuguesa. Muito do que deixamos por cá confere uma atmosfera especial ao território. Vivemos todos em paz num sítio com culturas muito diferentes. Nunca me conseguirei associar a Portugal como me associo a Macau”.

É por isso a bandeira de Macau que sobe ao pódio, sempre que Rodolfo Ávila consegue um bom resultado.