Os outros turistas

Nem tudo é jogo para os visitantes do território. Há quem venha de perto e de longe, com um intuito diferente: o de ver os monumentos, sentir a presença Europeia na China e comer

 

Outros turistas em Macau

 

Texto Luciana Leitão

Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Dos 30 milhões de pessoas que passaram no ano passado por Macau, uma parte significativa fê-lo com motivações que nada têm a ver com o intuito de visitar os casinos. Provenientes do interior da China, Taiwan, Hong Kong, Estados Unidos, Canadá, Taiwan e países do Sudeste Asiático, há quem aqui chegue à procura da beleza arquitectónica, da influência ocidental, dos centros comerciais e da comida. A revista MACAU falou com eles num dos lugares mais emblemáticos da cidade, o Largo do Senado.

Encostado a um dos pilares da praça, está Jeonghyun Lee. Agarrado à máquina fotográfica, à espera do melhor registo do território, este jovem natural da Coreia do Sul veio a Macau apenas porque é perto de Hong Kong. “Estava em Hong Kong e Macau é ao lado. Vim por um dia, apenas para ver como é”, diz. “E tirar umas fotos”, acrescenta, apontando para a máquina fotográfica.

Assim que pisou a cidade, apercebeu-se de várias diferenças em relação à região vizinha. “É muito limpo – nesse aspecto, é melhor do que Hong Kong. Além disso, não tem tanta gente. Hong Kong está cheio de pessoas”, afirma.

Apesar de o passeio à hora da conversa ainda estar no início, Jeonghyun Lee  já conseguiu dar algumas voltas. E, claro, a passagem pelas Ruínas de São Paulo foi obrigatória e memorável. Experimentou também o pastel de nata. “Quis provar, toda a gente dizia que é muito bom. E é delicioso.”

Os planos para o dia ainda não estão bem definidos, até porque está a passeio e sem pressas. “Quero apenas tirar umas fotos”, declara, sorrindo. Pelo caminho, entre fotos, vai comprar recordações para os amigos e família. Talvez aproveite e vá aos casinos, mas o objectivo principal está longe de ser esse.

 

A comida

Liu Fang Ju, 25 anos, está a passear por Macau com a irmã e a mãe pelo Largo do Senado, quando é interpelada pela MACAU. Natural de Taiwan, este é o segundo dia de uma visita de três dias. Ontem, o dia foi passado no hotel a relaxar, que era “deslumbrante”.

O passeio apenas está no início, mas já há impressões a passar. “Primeira impressão?”, pergunta, enquanto olha para a família à espera de uma ajuda. Depois de uns segundos hesitante, responde: “É muitíssimo quente.” Interessada pelos edifícios, a comida não a entusiasmou particularmente. “A de Taiwan é melhor”, diz, com um orgulho regionalista. Já o último dia da visita pretende passá-lo a fazer compras.

Também de Taiwan, Johnny Wang e a mulher não vieram para ver casinos. Entusiasmados com o que leram sobre Macau, descobriram edifícios diferentes em plena República Popular da China. E arriscam uma comparação: “É como se fosse Florença, em Itália.”

Em Macau por cinco dias, até agora o seu lugar favorito são as Ruínas de São Paulo “pela história por detrás”. Ao mesmo tempo, também se entusiasmaram com o Museu de Macau e a vista da Fortaleza.  A comida não foi o ponto alto. “Aqui, a comida chinesa não é diferente de outros locais. E não gosto de comida portuguesa”, diz Johnny.

Gostos não se discutem e Kiana Kwok, 38 anos, residente de Hong Kong, discorda. Deslocando-se com frequência a Macau para passear, vem sobretudo para comer as várias iguarias que aqui se vendem. “Há muitas coisas para comer, e podemos visitar muitos lugares. Gosto dos museus e a comida é deliciosa”, diz, com um sorriso.

De todas as vezes que vem, descobre sítios novos em Macau, o que torna difícil seguir um mapa à letra. Muitas vezes, acaba por se perder, já que as estradas têm vários nomes (em chinês e português) e tudo muda rapidamente por aqui. Por isso, abre o guia, mas não o segue à risca, deixando-se levar, ao sabor das mudanças.

Por seu turno, Andy Chen, 48 anos, natural de Taiwan, veio com a família por dois dias, e está em Macau pela primeira vez. Veio porque vários amigos recomendaram o lugar, elogiando os edifícios “bonitos” e a comida. O passeio, à hora da conversa com a MACAU, ainda está no início, mas, para já, não tem grandes planos. Talvez ainda se desloque a alguns hotéis-casinos.

Foi uma reunião de trabalho que trouxe Wayne Chang Changwe, 37 anos, e Feng Fei Song, 34 anos, naturais de Xangai, a Macau. Para Feng Fei Song, a primeira impressão é boa, já que esta é a sua estreia. “As ruas são muito limpas. É muito tradicional, vê-se muita História da China por aqui”, diz, acrescentando que “é muito quente”.

À procura de algo que não o jogo, os colegas pretendem passear e ver “a mistura da cultura chinesa e ocidental”, intercalando os passeios com provas de comida, já que “é famosa por ser muito boa”.

Do Sudeste Asiático, a MACAU encontrou Lau Sze Yee, natural da Malásia. De passagem por Macau num périplo que se iniciou em Hong Kong, esta jovem de 30 anos veio numa viagem com os pais à caça da herança portuguesa. “É bastante interessante, sobretudo por causa do património. Os edifícios são lindos”, afirma.

Do seu roteiro, acaba por destacar uma incursão pelos restaurantes portugueses. “Quero experimentar.”

 

De longe, à deriva

Allison Jolley, 23 anos, e Rebecca Jolley, 19 anos, vêm de muito mais longe. No fim de uma viagem de quatro meses pelo Sudeste Asiático, estas irmãs do Canadá, resolveram aqui parar um dia, apenas para conhecer.

Do pouco que ouviram falar, vieram à procura de alguma arquitectura portuguesa. “Tenho de admitir que ouvi falar pouco de Macau, apenas ouvi falar dos casinos”, diz Allison. Mas aqui acabou por descobrir algo mais – um território com “igrejas e outros locais interessantes”.

A passear pelo Largo do Senado logo pela manhã estavam também Robson da Costa, 54 anos, e Ary. A passar uma semana em Hong Kong, resolveram apanhar o jetfoil rumo a Macau, apenas para conhecer.

Robson da Costa já esteve em Macau há 25 anos e notou uma grande diferença. “Estava realmente muito quebrado, velho, havia um contraste muito grande de modernidade entre Hong Kong e Macau. Agora estou vendo tudo muito diferente, diferente e moderno. Desenvolveu-se muito”, diz este brasileiro, muito sorridente.

Entusiasmado com este novo Macau, pretende passar um dia para ver os edifícios de influência chinesa e portuguesa. “Acabei de botar o pé aqui, mas a impressão foi maravilhosa”, declara, entusiasmado.

Da parte da tarde, já estão inscritos numa excursão que vai levá-los a passear pela cidade, subir à Torre de Macau, ver os monumentos e ainda fazer uma caminhada. “Vim assim mesmo, enfrentando tufão e tudo”, afirma Ary, lançando uma sonora gargalhada. Dos casinos não querem nem saber, até porque “valorizam mais o dia do que a noite”.

Já Tony Wong, 52 anos, de ascendência chinesa, veio dos Estados Unidos até Macau com a mulher, ansioso por ver a “combinação do Ocidente com o Oriente”. E, do que já viu, tal mistura percebe-se nas estruturas dos edifícios. Macau insere-se num roteiro que se iniciou em Pequim e seguiu para Hong Kong. “É bonito”, diz.

Ansioso por também provar todas as iguarias de que já ouviu falar, Tony pretende também fazer algumas compras e tirar fotos. Aliás, de máquina fotográfica em punho, aponta para as flores de lótus, na fonte do Largo do Senado. “Nos EUA, há apenas dois sítios onde se pode ver esta flor, e um agora está fechado. Um dos meus objectivos em vir aqui é ver essas flores”, remata. Quanto a casinos, não é o seu estilo de turismo. “Gasto local, como local e compro local”, garante.

 

Um retrato

A coordenadora do programa de Hospitalidade e Gestão de Jogo da Universidade de Macau, Amy So, diz que há muitos turistas a visitar Macau para ver o património, os monumentos, além de fazer compras. Há também os que vêm para provar a comida, mas esses são, normalmente, oriundos da região especial vizinha. Além disso, há um número pequeno, mas crescente, de visitantes que aqui vêm para conferências e exposições.

Aliás, os resorts integrados têm contribuído muito para desenvolver “actividades que não são de jogo”. Assim, quando os turistas se deslocam a Macau, mesmo que sejam grandes jogadores, acabam por encontrar outros interesses por aqui, como fazer compras, comer e visitar os sítios históricos.

Num estudo realizado no ano passado pela Universidade de Macau, dos 7314 inquiridos, 48,8 por cento veio a Macau pelos casinos, enquanto 10,6 quis conhecer os monumentos históricos e 16,4 por cento deslocou-se ao território para fazer compras. Mais: seis por cento veio pelo cruzamento de culturas e 8,6 por cento pela comida.

Entre as principais conclusões deste estudo, Amy So destaca que aqueles que assistiram aos espectáculos locais demonstraram um “nível de satisfação muito elevado”. E, apesar de os turistas não se deslocarem a Macau apenas para ver espectáculos, a professora afirma que aqueles que o fizeram gostaram bastante.

Por isso, declara que se o Governo de Macau continuar neste ritmo de desenvolvimento, a imagem internacional de Macau ainda irá melhorar. Há, então, que “melhorar o nível e qualidade dos serviços”, ao mesmo tempo em que se deve continuar a pensar em mais medidas “para preservar o património”.