Texto e fotos José Simões Morais
Com os primeiros raios de sol a despontar, ou ao fim da tarde, um sem número de habitantes de todas as idades vão percorrendo a maior mancha verde da RAEM, conhecida pelos chineses por Chong San, o Monte dos Pinheiros. Se há 130 anos o Monte da Guia era um local cinzento, penhascoso e inóspito, durante a governação de Tomás de Sousa Rosa (1883-1886) foi arborizado com pinheiros, sob orientação do agrónomo Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro.
Actualmente, com cerca de 17 hectares de uma vegetação luxuriante e de uma grande variedade botânica, é considerado o pulmão da cidade. Por isso, o local preferido pela população para, fugindo ao rebuliço de Macau, passar as horas de maior calor, durante os dias abafados de Verão, e passear ao fim-de-semana aproveitando a sombra de frondosas árvores que criam uma pequena floresta, onde o ar que se respira é puro e fresco.
Para os exercícios físicos diários encontra-se, a meio da encosta, um circuito de manutenção que usa a Estrada do Engenheiro Trigo, mais conhecida por “Estrada das 33 Curvas”, projectada em 1924 pelo então director das Obras Públicas de Macau, Engenheiro António Augusto Trigo. Esta estrada servia para recolher as águas pluviais que escorriam pela encosta da montanha, numa altura que a cidade carecia de água potável. Ainda hoje se podem ver nas valetas os canais que conduzem esse líquido precioso até ao reservatório localizado no Jardim da Flora, que data de 1925 e que veio a fazer parte do sistema de abastecimento de água a Macau.
Em 1962, com a saída da guarnição militar da Colina da Guia, o lugar tornou-se na sua totalidade num parque público e, em 1988, a “Estrada das 33 Curvas” foi transformada num circuito de manutenção.
A capela e a fortaleza da Guia
O Monte da Guia começa junto à antiga praia de Cacilhas e daí estende-se para sul, subindo lentamente até terminar abruptamente numa escarpa, de frente para a Colina de S. Jerónimos, ou, como é hoje conhecida, de São Januário. A Ermida de Nossa Senhora da Guia, referenciada já em 1622 aquando do ataque dos holandeses à cidade de Macau, está situada no ponto mais alto do Monte da Guia.
A 24 de Junho de 1622, dia de São João Baptista, os holandeses desembarcaram na praia de Cacilhas e marcharam para se apoderar da cidade, encontrando pelo caminho pequenos focos de resistência por parte dos habitantes de Macau. Num golpe feliz, uma bala disparada da fortaleza do Monte, que estava ainda em construção, acertou em cheio no barco da pólvora do invasor, fazendo-o explodir.
Os holandeses em pânico, numa tentativa de reorganizarem a ofensiva, tentaram ganhar a Colina da Guia, mas um pequeno grupo de habitantes desbaratou os 800 mosqueteiros e estes, fugindo da península em debandada, deixaram muitos mortos no monte, na praia e afogados no mar.
Após esta estrondosa vitória, os chineses permitiram aos portugueses fortificarem a cidade de Macau. Segundo refere o capitão Eduardo Lourenço no Jornal Único, a edilidade local iniciou, em 1622, a construção de uma fortaleza e de uma ermida, ambas sob a invocação da Senhora da Guia. Mas segundo o padre Manuel Teixeira, a ermida terá sido construída ainda antes, em 1560, e foi custeada por dois portugueses, enquanto no local da fortaleza existia já uma bateria de canhões demolida por Manuel da Câmara de Noronha, capitão geral de Macau entre 1631 e 1636.
Quando o seu irmão, Domingos da Câmara de Noronha, lhe sucedeu como capitão geral da cidade (1636-1638), a fortaleza foi construída. Tal complementa a inscrição da pedra que se encontra à entrada da fortaleza, que adita ainda ter esta sido edificada entre Setembro de 1637 e Março de 1638 à custa da própria cidade pelo capitão de Artilharia António Ribeiro.
Em 1808, as tropas britânicas ocuparam a fortaleza, cujo traçado era de um quadrilátero irregular com uns 700 metros quadrados de área, que se encontrava fora da muralha que guardava a cidade cristã. Sem alterações até 1865, a fortaleza foi ligeiramente ampliada, sofrendo ao longo dos tempos modificações. Abrigava no seu interior a ermida, a casa do comandante, um quartel, uma cisterna de água e das suas quatro torres de vigia, hoje apenas existem duas feitas de betão, que não são as originais.
Por volta dos anos 1930, foi construído um complexo sistema de túneis, paióis e abrigos. Essas quatro vias subterrâneas, com um comprimento a variar entre 47 e 456 metros, foram concebidas pelo alferes Cunha. Sem ligações entre si, davam acesso às baterias, fortaleza e ao quartel, formando uma rede de defesa militar.
Actualmente encerrados por medidas de segurança, apenas o túnel de 52 metros por debaixo da fortaleza pode ser visitado. Com entrada pela parte norte, onde numa tabuleta se pode ler “Salão de Exposições do Abrigo Aéreo da Colina da Guia” e o ano de 1931, nele se encontra em exposição o gerador e a sala de descanso. Esta fortificação serviu como ponto de observação da chegada de navios, ou da aproximação de tufões.
O Farol da Guia
Dentro da fortaleza existe uma pequena capela com o mesmo nome, onde no lado esquerdo, está um pequeno campanário com um sino. “Este sino era usado para dar horas e para avisar a cidade da aproximação de quaisquer navios. No lado direito da capela fica o famoso Farol da Guia, a primeira construção do género a ser edificada na costa da China”, refere o arquitecto Jorge Graça. Instalado em 1865, durante o governo de José Rodrigues Coelho do Amaral, o projecto do farol é da autoria do macaense Carlos Vicente da Rocha.
No ponto mais alto do Monte da Guia, o farol com uma forma octogonal media da base à cúpula 13,5 metros e foi custeado pela comunidade estrangeira de Macau, sendo o maior contribuinte o comerciante da Rua Central H.D. Margesson. Carlos Vicente da Rocha foi também o autor do engenhoso maquinismo que funcionava com um candeeiro de petróleo.
A partir de 24 de Setembro de 1865, a elevação da luz emitida do farol era de 101,5 metros acima do nível do mar nas mais altas marés de tempo calmo e podia ser vista, à noite e com céu limpo, a 20 milhas. A lanterna era vermelha e a luz branca e rotatória fazia um giro completo em 64 segundos.
Dez anos mais tarde foi o próprio Carlos Vicente da Rocha que mandou disparar os tiros para assinalar a aproximação de um grande tufão. Esse tufão, um dos mais fortes que Macau registou, passou pela cidade no dia 22 de Setembro de 1874, causando avarias no sistema de luz e grandes estragos na torre do farol. Enquanto era reconstruído, foi mandado erguer na plataforma da Fortaleza da Guia um farol provisório de madeira, aproveitando a antiga maquinaria de iluminação.
Em 29 de Junho de 1910, este farol deu lugar a um outro, com uma aparelhagem moderna de rotação vinda de Paris. A torre, com 14,5 metros, passou a ser circular e no topo está um aparelho luminoso de terceira ordem, com uma distância focal de 0,375 metros. A intensidade de luz tem um alcance de 25 milhas, sendo a sua altura sobre o nível do mar de 105,7 metros. Na base, a torre tem um diâmetro de sete metros e é feita de alvenaria grosseira, com reboco de estuque e caiado. As coordenadas de Macau foram feitas a partir da localização do farol, 22º 11′ norte na latitude e 113º 33′ este de longitude.
No compartimento de entrada da fortaleza encontra-se toda a sinalização para ser hasteada quando é preciso anunciar aos habitantes o tipo de tempestade que se aproxima de Macau. No mastro, situado na parte sul da fortaleza, vão sendo colocados os diferentes sinais que anunciam, ao momento, o grau de tempestade.
Desde Julho de 2005, o Farol da Guia está incluído na lista dos monumentos do Centro Histórico de Macau, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO.
As entradas do parque
A parte oriental da Colina da Guia, com um íngreme declive, era banhada pelo mar até 1921, altura em que começaram os trabalhos de aterro do Porto Exterior, inaugurado em Agosto de 1926. Em 1954, criou-se um traçado para o Grande Prémio de Macau e, com o Monte da Guia na paisagem, a via ficou a ser chamada de Circuito da Guia. A pista usa os terrenos conquistados ao mar e, na parte leste do monte, um pouco mais abaixo da “Estrada das 33 curvas”, situa-se a Estrada de Cacilhas, conhecida também como Estrada da Solidão, por ter existido na margem esquerda uma fonte com esse nome.
Na parte ocidental, com uma inclinação menos acentuada, encontram-se os dois únicos locais de acesso ao Monte da Guia. A noroeste do sopé da encosta, o jardim da Flora tem ligação por escadas ao Parque Municipal da Colina da Guia e, desde 1997, é também possível subir e descer por um teleférico. Este, logo à entrada do jardim que é feita pela Avenida Sidónio Pais, leva até ao anfiteatro construído nos anos 1980 por cima do reservatório de água, tendo na parte superior uma parede em betão decorada pelo escultor David de Almeida. A outra entrada do Parque Municipal situa-se a sul e é feita tanto pela Rampa do Padre Vasconcelos, que parte da Estrada de Cacilhas, como pela Estrada do Engenheiro Trigo, que serve de continuação da Estrada dos Parses, para quem vem da Colina de São Januário.
Embrenhados no parque encontramos um pavilhão construído em 1949 pela Associação Comercial Chinesa, em homenagem ao comandante Albano Rodrigues de Oliveira, governador de Macau entre 1947 e 1951. Por estar a meio da encosta, chama-se Pun San T’eng em chinês. Do lado oposto da colina, a Associação construiu um outro pavilhão também em homenagem ao mesmo governador.
Em 1965 foi descoberto um túmulo de um mandarim militar na parte noroeste da Colina da Guia. Voltamos à capela dentro da fortaleza para admirar os frescos que durante muito tempo estiveram escondidos pelo caiado e desde 1996 foram trazidas à luz do dia. Após deixar o parque, descemos até à praça do Tap Seac, onde observamos a encosta verde da Colina da Guia encimada pela fortaleza e o farol, complementada pelo desenho da entrada do antigo Hotel Estoril.