A ponte para todos os caminhos

Macau ganhou dimensão enquanto plataforma para os países de língua portuguesa com uma instituição valorizada por todos os seus membros. O Fórum Macau comemora dez anos em Outubro, registando um aumento constante de importância e raio de acção

 

Forum

 

Texto Nuno G. Pereira

 

Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) é a sua designação oficial, mas todos lhe chamam Fórum Macau. Ou apenas “o Fórum”, como se não houvesse outro. E a verdade é que, em Macau, quando se fala do Fórum já se sabe qual é. Um reflexo da solidez de uma instituição que, em quase dez anos, passou de expectativa a certeza, cada vez mais considerada pelos seus membros: República Popular da China e os países de língua portuguesa Angola, Brasil, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Timor-Leste e Portugal.

A sua definição, tal como está enunciada, é clara: “O Fórum é um mecanismo da cooperação de iniciativa oficial sem carácter político, que tem como tema-chave a cooperação e o desenvolvimento económico e tem por objectivo reforçar a cooperação e o intercâmbio económico entre a República Popular da China e os Países de Língua Portuguesa, dinamizar o papel de Macau como plataforma de ligação a esses países e promover o desenvolvimento dos laços entre a República Popular da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa.”

Dinamizar a cooperação económica mantém-se desde a génese o seu propósito, mas os bons resultados transformaram essa ambição noutra ainda maior. Chang Hexi, secretário-geral, confirma que a acção do organismo está a estender-se para lá dos objectivos económicos. “À medida que a acção do Fórum se tem desenvolvido, todos os países querem alargar o âmbito da cooperação.”

Rita Santos, secretária-geral adjunta e coordenadora do Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente, está presente no Fórum desde a primeira hora, tendo por isso um acompanhamento privilegiado de todo o desenvolvimento do projecto. E do papel fundamental de Macau. “A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), sob proposta da China e dos países de língua portuguesa, conforme o Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial, albergou desde 2004 o Secretariado Permanente do Fórum. Por que razão utilizar Macau como eixo de ligação entre a grande China e os sete países de língua portuguesa que compõem o Fórum? Este desígnio do Governo Central da República Popular da China assenta sobre as particularidades de Macau, nomeadamente as ligações seculares históricas ao mundo falante de português e o bilinguismo oficial, mas não só. O que Macau oferece nesta ligação entre dois blocos, a China e os países de língua portuguesa, vai muito mais além da história e da língua, pese embora estes dois factores serem de influência considerável para o fortalecimento e sucesso comprovados deste novo relacionamento. As vantagens de Macau como plataforma de serviços e de ligação encontram-se também na população, na economia, no sistema jurídico e na administração pública, entre muitas outras singularidades derivadas do seu estatuto.”

 

Questão de estatuto

A RAEM foi estabelecida em Dezembro de 1999, num acto em que a China reassumiu a plena soberania sobre Macau após séculos de administração portuguesa. De acordo com a sua Lei Básica, “possui um elevado grau de autonomia” e é “administrada pelas suas gentes”, significando que em Macau continuam a observar-se os usos e costumes locais, que marcaram a sua singular identidade.

A Lei Básica de Macau foi pensada na protecção deste legado linguístico e cultural que faz de Macau um espaço de fusão multicultural entre o mundo oriental e o mundo ocidental. Espera-se que as diferentes comunidades convivam aqui em harmonia, respeitando mutuamente as tradições orientais e ocidentais, assim como as suas raízes, comprovando a multiculturalidade da sociedade local, que oferece um ambiente propício para que todas as comunidades se sintam em casa. No artigo 42.º da Lei Básica pode ler-se : “Os interesses dos residentes de ascendência portuguesa em Macau são protegidos, nos termos da lei, pela RAEM. Os seus costumes e tradições culturais devem ser respeitados”. Por outro lado, num evidente sinal de continuidade que a China também não quis interromper, a mesma Lei Básica estipula no seu artigo 9.º que o português é língua oficial conjuntamente com o chinês.

É neste contexto que melhor se percebe o nascimento do Fórum, já que Macau tinha condições únicas para ser uma plataforma de excelência entre a China e os países lusofónos. Na primeira Conferência Ministerial do Fórum, entre 12 e 14 de Outubro de 2003, ficaram criadas as bases de funcionamento do organismo e os propósitos que o justificam. A importância da RAEM estava também sublinhada, tal como ficou escrito no Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O Fórum “contribuirá positivamente para o desenvolvimento das relações económicas, comerciais e de investimento entre os países participantes” e reconhece “o papel de plataforma que Macau poderá desempenhar no aprofundamento dos laços económicos entre a China e os países de língua portuguesa”.

O guineense Marcelo D’Almeida, secretário-geral adjunto, diz que o Fórum e o papel da RAEM na sua dinâmica formam um projecto lógico. Em particular pela forma como se consegue exponenciar o potencial da cultura comum que atravessa o globo. “Foi uma ideia excelente criar este espaço de convivência, sobretudo utilizando Macau. Ainda há dias, almocei com o cônsul cessante de Portugal em Macau, Manuel Cansado de Carvalho, e com a Rita Santos. E percebemos que no mesmo período de vida tivemos as mesmas leituras, os três em sítios tão diferentes com África, Ásia e Portugal. É um exemplo que mostra como partilhamos a mesma cultura. O projecto do Fórum permitir catalisar esse capital comum, em vez de deixar esmorecê-lo.”

Rita Santos vai mais longe, realçando, “a nível pessoal e não institucional”, que o Fórum é um reconhecimento para a sobrevivência e a continuidade das comunidades portuguesa, macaense e dos países de língua portuguesa em Macau. “Ainda me lembro, após o estabelecimento da RAEM, que queriam mudar muitas coisas, mesmo antes de se falar no Fórum. Por exemplo, mudar todos os documentos para chinês, até os comunicados de imprensa oficiais. Lutei na altura contra isso, mas uma pessoa só não chega. Quando o Governo Central anunciou o papel de Macau como plataforma, elevou um pouco a imagem dos portugueses e macaenses, dando-lhes mais importância. Todos os contactos que tenho com dirigentes da República Popular da China transmitem-me que estamos a dar um contributo muito grande para a relação entre a China e os países de língua portuguesa.”

 

Motor económico

“O mais evidente sucesso do Fórum de Macau pela importância dos seus números estabelece-se na cooperação económica e comercial, seu objectivo primário”, resume Rita Santos. “O volume das trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa atingiu 117,234 milhões de dólares em 2011, superando dois anos antes a meta estabelecida na 3.ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau, em 2010: 100 mil milhões a atingir em 2013.”

Um êxito da responsabilidade do Fórum ou uma inevitabilidade devido às relações bilaterais anteriormente estabelecidas entre a China e cada um dos países lusófonos? “Logicamente, já havia relações com os países de língua portuguesa, nomeadamente Brasil e Angola, antes da criação do Fórum. A sua criação, porém, veio ajudar essas relações, promovendo o papel de plataforma de Macau e os negócios por isso potenciados. Cada vez que é promovido um contacto, as ligações saem reforçadas.”

Marcelo D’Almeida concorda, adiantando que o papel do organismo vai inclusivamente intensificar-se. “As potencialidades do Fórum foram definidas por defeito. Tinha-se planeado que o grande objectivo era atingir um volume de trocas comerciais de 100 mil milhões de dólares. Via-se que era uma meta que implicava algum esforço para atingir. A experiência mostrou que não. Na meta dos três anos, vamos triplicar esse valor. Atrevo-me a afirmar que a criação do Fórum tem uma quota parte importante nessa dinâmica. Não conheço outra instituição que faça a mesma promoção de maneira sistematizada e organizada. Estão aqui no Fórum todos os delegados dos países de língua portuguesa, que são quadros superiores, que vão também actualizando o conhecimento sobre as potencialidades do seu país e fazendo a respectiva divulgação.”

“A nossa organização é complementar à cooperação bilateral, abre outro caminho para essa cooperação”, diz também Chang Hexi. “Macau tem, como toda a gente sabe, muitas vantagens para ocupar o seu papel privilegiado de plataforma, facilita muito o intercâmbio entre a China e os países de língua portuguesa. A acção do Fórum não pára de crescer e é cada vez mais importante e reconhecida. Sem os contactos promovidos pelo Fórum, haveria muito mais empresários chineses a desconhecerem as oportunidades de negócio dos mercados dos países de língua portuguesa.”

 

Recursos humanos e expansão cultural

Com o passar dos anos, o alargar do âmbito de acção do Fórum surge como uma evolução natural. “Inicialmente, a ideia era o domínio económico”, conta Marcelo D’Almeida. “Depois, com a convivência, o tempo foi mostrando que há muito mais coisas em comum do que simples benefícios económicos. A China é um país emergente com muita força, com capacidade para suportar o Fórum, e Macau está bem posicionado para servir de ponte para todo um conjunto de relações. A esfera económica, a esfera cultural, a capacitação nacional e a troca de experiências. Dentro desses desígnios, vão surgindo mais riquezas a incorporar ao longo dos anos.”

Na área de formação de recursos humanos, um passo importante foi atingido através do estabelecimento do Centro de Formação do Fórum de Macau, inaugurado durante a 3.ª Conferência Ministerial, cujo objectivo é a formação de 1500 autoridades dos países de língua portuguesa, sendo 1000 no interior da China e 500 na RAEM, nos anos 2011 a 2013. Antes, entre 2004 até 2011, participaram mais de 3000 pessoas oriundas dos mesmos países nas mais variadas acções de formação.

A cooperação que a RAEM desenvolve com a lusofonia tem uma expressão muito significativa na áreas em que Macau tem uma valência muito pronunciada como, por exemplo, o turismo. Neste contexto, foram assinados durante a 3.ª Conferência Ministerial acordos entre a Região e alguns países de língua portuguesa. Macau promove, através do Secretariado Permanente, a presença dos países de língua portuguesa em acções de promoção comercial na China, instalando em feiras de promoção comercial e empresarial o Pavilhão dos Países de Língua Portuguesa”.

É, no entanto, na vertente cultural que Macau tem melhor sabido aproveitar o seu legado, apoiando vários encontros literários e artísticos, em que se cruzam as culturas da China e do mundo de língua portuguesa. O culminar destas acções acontece na realização anual da Semana Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa, apresentando grupos artísticos, exposições e mostras culinárias com chefes nacionais, convocando um longo passado de relacionamento mútuo e confiança recíproca.

 

Onde está o Fórum

A mais recente Conferência Ministerial do Fórum Macau – a terceira – realizou-se em 2010. O plano de acção para os anos seguintes foi o mais pormenorizado até agora, com inúmeros exemplos de projectos a desenvolver. O plano abrange praticamente todos os domínios de cooperação. Mesmo assim, ficou definido o ponto “Outras Áreas”, para deixar em aberto outras formas de parceria.

 

1- Cooperação Intergovernamental

2- Comércio

3- Investimento e cooperação empresarial

4- Agricultura

5- Construção de Infra-estruturas

6- Recursos Naturais

7- Educação e Recursos Humanos

8- Turismo

9- Transportes e Comunicações

10- Área Financeira

11- Desenvolvimento

12- Cultura, Rádio, Televisão, Cinema e Desporto

13- Outras Áreas