Feng shui à portuguesa

Uma história com água, terra, fogo, metal e árvore (madeira). Os entendidos já perceberam do que estamos a falar. Os leigos estão a franzir o sobrolho e a pensar que título estranho é este que escolhemos para o texto que se segue. E se falarmos em feng shui? Se nem com esta dica se acende nenhuma luz na sua cabeça, o melhor é refastelar-se no sofá e ler cada linha atentamente do conceito que virou moda em Portugal.

 

Feng Shui

 

Texto Mónica Menezes | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

Quando chegou a Portugal, há pouco mais de dois anos, a francesa Sandra Mencucci deparou-se com uma situação difícil. O seu filho, de quatro anos, que sempre dormira bem, passou a ter noites agitadas. Por motivos profissionais, Sandra tinha terminado vários módulos de um curso de feng shui e decidiu renovar a casa toda para o maior bem-estar. Quando chegou ao quarto do filho e mudou a cama de posição, as alterações no sono da criança rapidamente surgiram. Acabaram as noites agitadas, voltou o sono retemperador.

Os mais cépticos poderão não acreditar, poderão até achar que foi uma mera coincidência. Quem percebe de feng shui sabe bem que não. Paula Margarido, arquitecta e consultora de feng shui, não gosta de falar em dicas, mas dá umas directrizes gerais para quem anda às voltas com o quarto dos filhos. “Nos quartos das crianças interagem actividades tão diferentes como dormir, brincar e estudar”, começa por explicar. E é por essa multiplicação de tarefas que encontrar a harmonia é mesmo o passo mais importante. A cama, por exemplo, deve ter cabeceira, estar encostada a uma parede e posicionada de modo que a criança veja quem entra no quarto. Já a secretária de estudo “deve ter vista para a porta e estar organizada” e nunca ficar virada para a parede, dado que isso pode levar à “desmotivação da criança”. No que diz respeito aos brinquedos, há uma regra básica que todos os pais vão adorar: devem ficar sempre arrumados, por isso as caixas de arrumação são as aliadas perfeitas. Por fim, a cor com que se pinta as paredes do quarto também não pode ser deixada ao acaso. “Azul ou verde claro, rosa e lilás” são os tons permitidos e o vermelho o proibido. “É uma cor demasiado estimulante”, assegura a consultora.

 

Um hotel com cinco elementos

Mas não é só nas casas particulares que o feng shui é utilizado. Quando criou o Inspira Santa Marta Hotel, em Lisboa, Nicolas Roucos quis basear a decoração dos quartos nesta disciplina. Pediu aconselhamento a Alexandre Gama, conceituado consultor de feng shui em Portugal, e ao fim de quase dois anos do espaço aberto tem a certeza que fez a escolha certa. “Um hotel com tão pouco tempo que tem anualmente cerca de 70 por cento de ocupação é uma coisa quase inédita”, assegura o director geral, acrescentando: “É um verdadeiro caso de sucesso!”

Os hóspedes vindos principalmente do mercado francês, alemão, brasileiro e norte-americano gostam do conceito e ficam curiosos em querer aprender mais. Logo à chegada, na recepção, é feito um cálculo para se descobrir qual o elemento dos hóspedes. E é depois disso, que o quarto é escolhido. Mais ou menos com a mesma disposição, as cores e os materiais dos quartos é que variam. Os do elemento Terra têm chão em cortiça, os Metal têm flores cinzentas na parede, os Água são todos em tons azuis, os Árvore (elemento também conhecido, na língua portuguesa, como Madeira) têm o verde como cor base e os Fogo têm uma decoração quase psicadélica. Segundo Sandra Mencucci, assistente de marketing do hotel, o que tem mais saída é o Terra e o que tem menos é o do elemento Fogo, isto se os hóspedes não estão em lua-de-mel. “É um quarto que incendeia qualquer paixão”, diz, divertida.

E se tudo foi feito sob o aconselhamento do consultor de feng shui, quem trabalha no Inspira Santa Marta tem a obrigação de conhecer esta disciplina. “Antes do hotel abrir tivemos todos seis módulos de feng shui. Não fazia sentido ser de outra forma. Como poderíamos trabalhar num sítio com determinadas características e depois não perceber nada do assunto?”, questiona-se Nicolas Roucos. Entusiasmado com o que aprendeu, Nicolas não pôs os conhecimentos em prática apenas no hotel que dirige, mas também na casa onde vive. “Acabei por remodelar algumas coisas na minha casa, claro. O feng shui faz todo o sentido.”

 

Feng shui no trabalho

Os portugueses acreditam cada vez mais no feng shui, por isso não é de admirar que Alexandre Gama tenha uma agenda quase a rebentar pelas costuras com pedidos de aconselhamento. A crise financeira que o país atravessa pode deixar uma ou outra hora livre a este consultor, mas também foi a crise que lhe trouxe pedidos cada vez mais de teor empresarial e não particular.

“Uma senhora uma vez contratou-me porque era dona de uma empresa que ia mudar de instalações. Eram 15 funcionárias, todas mulheres, e a dona disse que não tinha o perfil de tirana para escolher o lugar para cada uma”, conta. Em conjunto com a proprietária da empresa, dividiram o espaço por departamentos na linha de trajectória normal para aquela área e, para além disso, viram a energia e a função de cada pessoa. No fim, juntaram as pessoas pela sua complementaridade e funções. “Fiz-lhes uma apresentação oral na qual não só expliquei todo o projecto da empresa e tipo de decoração que tinha sido feita, como também porque é que cada uma estava no seu gabinete. Foi pacífico e até engraçado”, assegura Alexandre. E nem a empregada que se insurgiu contra o lugar em que ficou estragou a tranquilidade. “Quando eu cheguei, houve logo uma senhora que me disse ‘Tem que me explicar bem porque me pôs lá no canto, até parece que estou de castigo.’ Depois de eu ter feito a explicação ela veio falar comigo e agradeceu-me porque já percebia porque estava ali e sentia que estava no sítio certo.”

E este projecto não foi caso único. Há cada vez mais comerciantes a pedir ajuda a Alexandre, a quererem saber como podem através das cores ou da disposição dos móveis ou objectos que têm nas lojas melhorar o negócio e angariar mais clientes. Neste rol de pedidos, há dois que marcaram o consultor: a dona de uma banca de peixe e a músico que pediu ajuda na produção do novo disco. No primeiro caso, Alexandre não tem muitos pormenores para contar – “A senhora pediu-me o máximo sigilo, só posso dizer que é num mercado municipal de Lisboa.” Com a música, já há mais para revelar. “Foi uma pessoa a quem fiz o feng shui da casa e ela gostou muito desse meu trabalho. Perguntou-me se podíamos usar o feng shui na música e eu disse sim, claro”, lembra. Mas como? “Através do ciclo do movimento mais flutuante da água, depois o pico da árvore a subir, a seguir a explosão do fogo, o acalmar da terra e por fim a concentração do metal”, explica Alexandre. Luísa Amaro fez as escolhas das músicas seguindo esse ritmo “que ficou mais harmonioso do que estar a escolher músicas à solta”. E, mais uma vez para os mais cépticos, fica a informação que o disco “farta-se de vender e o trabalho dela é muito valorizado”.

 

Elementos Essenciais2

 

O que é o feng shui?

É Paula Margarido quem nos explica esta disciplina que surgiu na China há pelo menos 4000 anos e que significa, literalmente, “vento e água.” “O feng shui estuda a influência do espaço no nosso bem-estar, a forma como os locais onde vivemos e trabalhamos se reflectem no modo como nos sentimos”, conta. A arquitecta e consultora explica ainda que a “energia existente nas nossas casas é frequentemente um reflexo do nosso estilo de vida e estado de alma”. É através da análise dessa mesma energia que se torna possível avaliar e propor as correcções necessárias para “solucionar ou melhorar a habitabilidade, os problemas de saúde, financeiros, emocionais ou profissionais”.

 

De engenheiro zootécnico a consultor de feng shui

Em Portugal quando se fala em feng shui fala-se em Alexandre Gama. O engenheiro zootécnico que um dia se apaixonou por esta disciplina fala com entusiasmo dessa mudança drástica na sua vida. “Eu era profundamente céptico. Tive uma educação profundamente religiosa e católica, uma educação muito tradicional, sou daquelas pessoas que têm os sacramentos todos. Só não me casei e não tenho a extrema-unção. Estive sempre habituado a ser muito cartesiano e para além disso a minha formação científica sempre me levou a ser muito pragmático, muito diferente destas áreas com que se trabalha o fluxo da energia. Para mim foi uma revelação autêntica”, recorda.

A paixão foi tão grande que a seguir à leitura do primeiro livro, seguiu-se a compra de mais meia dúzia de exemplares sobre o assunto. Resultado: uma confusão enorme dentro da cabeça e a certeza que era preciso estudar a sério sobre o assunto.

Fez o curso no Instituto Macrobiótico de Portugal e hoje, quem o ouve falar, percebe que o feng shui é a sua vida. “Como existem vários caminhos, primeiro temos que entender qual a base do feng shui, quais são os fundamentos e depois com eles podemos ter várias formas de trabalhar”, explica. E que fundamentos são esses? “O entendimento do fluxo de energia que pode ser caracterizado pelo ying e pelo yang [forças que se complementam e que pela comparação são opostas – luz/ sombra; pobre/ rico], e as cinco transformações que são as cinco formas da energia se movimentar: água, árvore, terra, metal e fogo.”

Apesar dos termos mais complexos, os portugueses estão, segundo Alexandre, completamente abertos ao feng shui. Por isso, sucedem-se pedidos de consultas. “Neste momento as consultas que eu faço para um apartamento de um, dois ou três quartos demoram cerca de duas horas e custam 125 euros”, conta.

O cliente tem antes de fornecer uma fotocópia da planta da casa, a data de nascimento das pessoas que lá vivem e têm de fazer uma visita guiada à casa. Depois, Alexandre faz uma avaliação sob a planta. “Lembro-me da visita que fiz e da posição de móveis que precisa ser corrigida, se for preciso vamos à divisão da casa ver in loco o que deve ser corrigido. Nessas duas horas a pessoa fica com o levantamento feito na própria planta escrita por mim e fica com uma listagem de recomendações. Às vezes, há casas com áreas iguais e a pessoa pode trocar um quarto com um escritório. O tipo de cores, o tipo de materiais, aqui precisa de ter uma planta viva, aqui precisa de estátua, o quarto tem demasiadas coisas e não consegue dormir descansado…”

Alexandra Gama assegura que o feng shui já não é só uma moda para os portugueses. “Hoje em dia os portugueses já assimilaram o feng shui e é assim de tal maneira que uma pessoa a quem dei uma consulta há três ou quatro anos, hoje em dia está a pedir-me outra. Se fosse apenas uma moda isto não acontecia. É sinal que as pessoas se apercebem que houve melhorias na sua vida e que faz sentido.”

O que este consultor mais quer é que os portugueses, acreditem no feng shui ou não, se apercebam desta máxima: “Nós somos seres biológicos que fazemos parte da natureza, esse é o princípio base de toda esta filosofia. Não somos o homem que domina a natureza – embora bem o tentamos, só fazemos asneiras com isso. Temos que nos lembrar que somos mais um elemento que faz parte da natureza e que as nossas referências de conforto têm a ver com a natureza.”

 

O que pode já fazer na sua casa

É a mostrar cada canto da sua casa que Paula Margarido vai dizendo alguma das coisas que qualquer pessoa pode ter ou fazer em casa e, assim, melhorar a sua vida

—     No quarto do casal os objectos devem ser aos pares, ou seja, duas mesas-de-cabeceira e de preferência iguais, dois quadros, duas velas. Também nesta divisão da casa devem estar fotos, mas apenas do casal, de momentos felizes que viveram juntos e nunca dos filhos

—     Não se deve ter pratos lascados, nem torneiras a pingar, lâmpadas fundidas ou electrodomésticos que não funcionam

—     Nunca ter um espelho em frente à porta da entrada porque tanto leva de volta as más energias como também as boas

—     Ter um lírio da paz dado que é a melhor planta para reciclar o ar

—     Na cozinha é sempre importante ter uma planta para harmonizar as energias água e fogo

—     Não ter em casa um quarto das tralhas

 

Elementos Essenciais