Negócios na feira

A Feira Internacional de Macau voltou a ser montra da diferenciada oferta dos países de língua portuguesa em busca de oportunidades de negócio no mercado chinês. O tradicional não faltou à chamada do certame, para o qual também despertaram novos sectores. Portugal e Brasil foram os únicos do universo lusófono a fechar acordos no palco da MIF

 

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Texto Diana do Mar | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Uns contam com vasta experiência nas andanças da Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa), outros participaram pela primeira vez. Vieram tirar o pulso ao mercado da China, com produtos na bagagem e até parcerias alinhavadas, ou cumprir a missão de promover o seu país. Independentemente da alavanca accionada, com uma oferta diversificada, oriunda de quatro continentes, os países de língua portuguesa voltaram a mostrar-se na vitrina da 18.ª edição da MIF no final de Outubro, numa presença fortemente reforçada pelo universo de empresas provenientes de Portugal.

Segundo dados oficiais, à mesa da MIF foram assinados 98 protocolos, dos quais apenas dois envolvem entidades do universo lusófono: um do Brasil e outro de Portugal. “Fizemos uma parceria para a abertura da primeira escola de futebol do São Paulo Futebol Clube em Macau, visando o mercado chinês”, aproveitando esta “plataforma entre a China e os países lusófonos” para o projecto-piloto, afirmou Dácio Petroni, presidente do Instituto Brasil Macau-China para Desenvolvimento Científico, Cultural e Tecnológico. Um memorando de entendimento foi assinado com o grupo KNJ Investimento Imobiliário para a abertura, até Abril, do centro de formação, cuja operação será “no mínimo de três anos”.

A responsabilidade do grupo local – com braços no Interior da China, ligado a investimentos em variados segmentos – passa pela “identificação da infra-estrutura”, enquanto ao instituto cabe a “ligação directa com o São Paulo”. A ambos compete procurar patrocinadores. A gestão, essa, é “compartilhada”. O clube “tricolor” requer “toda uma padronização da imagem, processos e metodologias já definidos, mas a gestão do negócio é independente do São Paulo”, vincou Dácio Petroni.

É um projecto “amplo”, com “intercâmbio de jogadores, academias, torneios entre as próprias escolas de Macau e da China” e a possibilidade de crianças chinesas irem ao Brasil e de brasileiras se deslocarem à China para cursos de férias. A localização da escolinha – para uma faixa etária entre os oito e os 16 anos – não está ainda definida. A ideia é recorrer a instalações existentes e não erguer uma estrutura de raiz.

“Queremos pôr um pé e, se possível, os dois na China”, apontou o vice-presidente de relações internacionais do São Paulo, há 40 anos ao serviço do clube, repetindo a intenção anunciada em 2009. O São Paulo chegou a ter escolinhas na Ásia (Tailândia), mas já não existem”, lamentou Carlos Caboclo, confiante de que um dia se poderão formar, em Macau, grandes estrelas do mundo do futebol.

Com acordo fechado saiu também o Onebiz, grupo português de referência em franchising presente em 30 países, que firmou um “acordo de joint-venture com o local Origami, visando a criação da Onebiz China, a qual terá sede em Macau e será “a sociedade master franchise de todas as marcas detidas pelo grupo”. “O objectivo é a expansão das marcas na China”, revelou o administrador Pedro Santos. O grupo português tem em carteira um conjunto de serviços, que vão desde a área imobiliária e financeira até a educação, a saúde e a estética, e tem mais de 500 parceiros no sistema de franchising espalhados pelo mundo.

Já no âmbito da joint-venture foi assinado um “protocolo de instalação da nossa marca de educação infantil Morangos”, disse. Este pré-acordo tem como objectivo o desenvolvimento de uma rede de creches, jardins-de-infância e colégios sob a marca Morangos na região de Pequim. Em preparação está também o projecto de abertura da Morangos em Macau, adiantou ainda.

 

Operações de charme

A BioCharme, agrupamento de produtores de agricultura biológica, espera “aparecer” em Janeiro, em Macau, um mercado ainda a despertar, mas com “potencial elevado”, disse Francisco Lino, após estabelecer uma parceria, a qual não ocorreu à mesa da feira, ficando assim de fora das estatísticas de “apertos de mão” do certame, dificultando a já de si difícil missão de aferir o impacto da feira.

Também com produtos orgânicos e gourmet, estabelecida em Hong Kong, mas com capital 100 por cento brasileiro, a Tembo Foods foca-se nos produtos de alto valor acrescentado. “O produto brasileiro tem dificuldade em concorrer com similares na Ásia, por isso, trazemos sempre um produto diferenciado”, explicou o director, Flávio Padilha, pegando na “melhor variedade de café que existe no Brasil: o bourbon amarelo. Orgânico, obviamente, num lote que inclui ainda erva-mate, chocolate ou produtos apícolas. A Tembo Foods está a espreitar o mercado de Macau ciente de que o do Interior da China – o “objectivo final” – é um “lugar mais difícil por causa da burocracia” e da certificação. “Estamos a começar a explorar, é um processo de longo prazo”, apontou Flávio Padilha.

Já a SonaeMC partiu de Portugal apostada em encontrar importadores e distribuidores alimentares interessados, indicou o gestor de exportação do grupo. A presença “surge no seguimento do processo de internacionalização em que pretendemos promover os nossos produtos, o que de melhor se faz em Portugal”, na “plataforma” da feira, donde Rui Rodrigues saiu com “contactos proveitosos”. “Quer pela sua relação preço/qualidade, quer pela própria imagem que já têm junto da comunidade portuguesa”, os produtos da marca Continente “têm sido bem aceites” podendo vir a alcançar as prateleiras de supermercados locais, caso apareça um parceiro.

Macau e Hong Kong estão no mapa do grupo português que, em Maio de 2012, fez em Xangai uma operação de charme. “Temos apostado na exportação dos nossos produtos de marca própria que pretendemos que se estenda a outras áreas”, explicou Rui Rodrigues, ao indicar que a exportação é “diminuta”, dado que esse processo foi iniciado, em 2013, para Cabo Verde e Timor-Leste.

Não obstante a predominância do agro-alimentar, Portugal deu nas vistas pela maior representação de sempre – mais de 80 empresas –, mas também pela diversificação da sua tradicional oferta. O imobiliário, um dos novos sectores mais visíveis, recorreu ao chamariz dos vistos dourados – que tem os chineses como principais interessados – para se mostrar a Oriente por via nomeadamente dos catálogos da Vazconstrói e da Construtorres, estreantes na MIF, onde banca, energia e recursos naturais, indústrias criativas e até o cinema conquistaram um espaço.

 

Forte presença em português

Sozinho, Portugal trouxe mais empresas do que o conjunto dos demais países de língua portuguesa, apesar de ser difícil avançar com o número exacto. “Muitos empresários passam por aqui sem avisar”, partilhou César Yu, da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX) do Brasil, a quem não passou ao lado a “grande” presença de Portugal. “Queremos trazer mais empresas brasileiras” para o certame, expressou, falando da possibilidade de se atraírem outros sectores, como a moda, serviços e software em Outubro de 2014.

De Moçambique chegou uma dezena de homens de negócios, incluindo Pedro Silva, administrador da AJFS, uma empresa dedicada à construção civil e à metalomecânica, que tem em mãos um “estruturante” projecto relacionado com o armazenamento e conservação de cereais, para o qual veio à procura de parcerias de investimento, na sua estreia na China.

“Queremos uma parceria com um investidor chinês no sentido de conseguir alavancar mais este projecto. Moçambique tem uma necessidade enorme ao nível do armazenamento de cereais e nós necessitamos de um parceiro com músculo financeiro para fazer, de facto, progredir o projecto e construir mais unidades ao longo do país”, explicou Pedro Silva. “O apoio que necessitamos é mais ao nível de financiamento porque a mão-de-obra e o know-how são a nossa mais-valia”, completou, ao sublinhar que continua a ser viável sem investimento externo, com a diferença a assentar no tempo certo. A meta é concluir o projecto até 2016.

Carlos Mondlane, um habitué da MIF, trouxe o artesanato, que labora enquanto fala, para “mostrar o que Moçambique tem ao nível de arte e cultura”. “Os chineses gostam de arte (…) apreciam produtos de África e compram”, sublinhou o também director comercial do Centro de Arte Africana, que expôs peças entre as 20 e as 3500 patacas.

Já o Banco de Desenvolvimento de Angola participou, pela primeira vez, “fundamentalmente para acompanhar o empresariado nacional, identificar potenciais parceiros para o banco e sobretudo para entender o mercado da China”, disse Fernando Kraus Simões, responsável pela área de promoção de negócios e investimento do banco, criado para financiar empresários angolanos ou parcerias que estabeleçam desde que o capital nacional seja maioritário. Outro escopo passa por “identificar o modelo de actuação do empresariado chinês no sentido de repassar essa experiência” aos clientes do banco.

Ilda Fernandes, proprietária do Supermercado Gisela, também tem clientes, mas menos do que outrora. Veio em busca de “oportunidades de negócio”, em concreto, de um parceiro para uma sociedade em Angola, ao contrário da maioria dos empresários do sector, apostados antes em colocar produtos nas prateleiras da China. “Vendemos de tudo”, mas não como antes, diz Ilda Fernandes: “Tínhamos vários [estabelecimentos], incluindo na Terra Nova, mas decidimos desfazer-nos deles. Agora só em Camama, mas se aparecesse alguém para uma sociedade… Temos dois armazéns grandes fechados e a ideia era reactivá-los.”

“Infelizmente, vim sozinho”, lamentou Eduardo Pimentel, director da Direcção Geral de Promoção do Investimento Privado da Guiné-Bissau, destacando as condições “atractivas” para investimento no seu país. “Procuramos interessados em investir no sector do turismo, também estamos na fase de prospecção de petróleo, ouro, diamantes e temos fosfato, areia pesada…”, indicou, destacando, além do potencial natural, que “a maior atracção” é “o povo acolhedor” da Guiné-Bissau.

Eduardo Pimentel também expôs a castanha de caju – o “petróleo” da Guiné-Bissau neste momento: “Produzimos mais de 200 mil toneladas e infelizmente exportamos praticamente em bruto, razão pela qual estamos aqui para ver se atraímos investidores que queiram processar a castanha no local. (…) É que a maior parte vai para a Índia em sacos de fibra – mais de 95 por cento em bruto – e não leva nem o nome da Guiné”.

Cabo Verde também esteve representado mas apenas institucionalmente. De Timor-Leste, chegou o bambu, bem como o café, um produto cada vez mais apreciado a Oriente, incluindo pelos chineses, conhecidos amantes do chá.