A crise levou os portugueses para a sala de aulas

Aprender mandarim parece ser uma das soluções encontradas pelos portugueses para dar a volta ao difícil momento socioeconómico que o país atravessa. São cada vez mais os que querem aprender a língua mais falada do mundo. A ideia é ir viver para a China ou conseguir fazer melhores negócios com os chineses, que estão cada vez mais presentes nas empresas portuguesas

 

Estudantes Mandarim

 

Texto Mónica Menezes | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

Ni hao! Em quatro horas de aulas de mandarim, “olá” foi a única palavra que conseguimos aprender. De resto, tudo o que se passou dentro das salas de aulas do Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto Confúcio, também na capital portuguesa, foi um mundo perfeitamente desconhecido para nós. Aquela imagem de um boi a olhar para um palácio adequa-se à nossa cara durante as duas aulas a que assistimos. Felizmente para as três professoras que conhecemos, os alunos a quem ensinam mandarim são muito mais empenhados que nós.

“Muito inteligentes, os alunos são muito inteligentes”, assegura Zhang Hong num português quase perfeito. Há três anos em Portugal, dá aulas de iniciação ao mandarim no Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa. Às terças e quintas-feiras durante duas horas tem à sua frente cerca de uma dúzia de alunos ávidos de aprender. Filipe, 35 anos, é empresário. Tenta não perder pitada do que a professora ensina. Não é fácil. Quer aprender mandarim não só por uma questão de cultura, mas também profissional. “A China é um mercado cada vez mais emergente e no meu trabalho já sinto a necessidade de saber um pouco que seja para conseguir comunicar com alguns clientes”, explica. Mas o ar meio desesperado mostra que tem consciência de que a tarefa não é brincadeira de miúdos. “Durante o fim-de-semana tento estudar entre duas a três horas para praticar, mas falar é tão difícil e escrever pior ainda!” Não pensa em desistir. Quer fazer mais dois ou três anos de aulas e depois logo se vê.

O pior, e o que talvez Filipe não saiba é que, dizem os professores e entendidos na matéria, só ao fim de pelo menos cinco anos de aulas de mandarim é que se consegue manter uma conversa. Nada que desanime Joana, de 24 anos. Depois de ter estado a estudar em Singapura, apaixonou-se pelo Oriente e à medida que foi vendo que Portugal é cada vez menos um país para jovens, pôs mãos à obra e está extremamente empenhada em aprender mandarim. Já escreve alguns caracteres com bastante desenvoltura e até acompanha cheia de ritmo a aula de Zhang Hong.

 

Mais-valia para o currículo

Enquanto a professora vai mostrando cartões com caracteres desenhados, os alunos vão dizendo o que lá está escrito. Mais parece uma aula de canto tantos são os sons emitidos, e são precisamente esses sons, ou melhor, tons, que mais dificuldade apresentam aos portugueses. “O mandarim tem quatro tons e isso é muito difícil de os portugueses perceberem. É isso e os milhares de caracteres que esta língua tem”, explica Zhang Shuang, professora do terceiro nível também na Universidade Nova. Dentro da sua sala, os alunos já sabem pelo menos 200 a 300 caracteres e já conseguem manter uma conversa básica. Muito básica. Por semestre, Zhang Shuang ensina a mais de 70 alunos e já percebeu que o número tem vindo a aumentar. “Os portugueses são alunos muito interessados, gostam de aprender, saber coisas novas, mas sei que há cada vez mais porque muitos procuram uma oportunidade de trabalho na China.”

Cristina, 21 anos, não sabe se um dia irá viver para o Oriente, sabe apenas que o mercado de trabalho exige cada vez mais habilitações e, por isso, empenha-se de corpo e alma neste curso. “Sou licenciada em Gestão de Lazer e Animação Turística, mas hoje em dia o currículo tem que ter muito mais que uma licenciatura. São sete cães a um osso e temos que ter mais argumentos que os outros.” O mercado de trabalho está saturado e é preciso saber algo diferente. Mandarim, por exemplo. Cheia de energia, Cristina vai tentando responder às perguntas da professora. Só está a aprender esta língua há dois meses, mas na sala de aula dá nas vistas. O problema é que é só na sala de aula… “Hoje estavam dois chineses ao meu lado no comboio e não consegui perceber uma única palavra do que diziam”, conta, divertida. A professora Zhang Hong não a deixa desanimar. “É difícil, mas vai conseguir. A gramática é até muito mais fácil que a portuguesa.”

 

Porta aberta para o Oriente

No Instituto Confúcio, em Lisboa, o número de alunos inscritos nas aulas de mandarim tem vindo a aumentar. Se em 2011 eram 192, um ano depois já são 259. Moisés Fernandes, director do Instituto, tem orgulho nestes números. “Só em Lisboa há nove ou dez sítios a oferecer aulas de mandarim, mas bons cursos só nós é que damos”, diz sem papas na língua. Por ano, um curso custa 300 euros e todo o material didáctico está incluído. Além disso, no Instituto, quem tem já o terceiro nível pode candidatar-se a bolsas de estudo na China – que vão de duas semanas a um ano – e, quem sabe, agarrar uma oportunidade de trabalho lá. “Quem vem para aqui estudar, fá-lo por várias razões, mas há duas muito fortes: o espaço económico que a China tem no mundo e o investimento que a China está a fazer em Portugal”, esclarece o director.

Sílvia Silva, 30 anos, começou há dois meses a aprender mandarim. É representante de vinhos portugueses na China e sente cada vez mais necessidade de conseguir comunicar em chinês, deixando o inglês de lado. Acabada de chegar de mais uma viagem de negócios, conta com orgulho que já conseguiu perceber uma ou outra palavra no meio das conversas e até dar indicações aos taxistas. “O mandarim é a língua do futuro e é importante para mim conseguir comunicar com os meus clientes na língua mãe deles.” Inês Mota, também de 30 anos, sente o mesmo. Trabalha numa agência de viagens e sente que precisa aprender esta língua para conseguir captar os turistas chineses. Uma coisa é virem a Portugal fazer negócios, outra é virem cá passar férias. Com a crise foi enorme a descida de pessoas que viaja, mas agora que a China começa a abrir os olhos para o mundo, os seus habitantes têm cada vez mais poder de compra para viajar e Inês quer que Portugal entre nas suas rotas. “A minha ideia é estabelecer-me cá e conseguir cativar os chineses para passarem férias em Portugal. Esta é a língua do futuro e sei que tenho que me aplicar muito para conseguir conversar minimamente.”

A crise encheu as salas de aula do Instituto Confúcio. À caixa de email da professora Wang Jiangmei chegam regularmente pedidos de ajuda para encontrar trabalho na China. Wang Jiangmei não tem a fórmula mágica para conseguir arranjar trabalho para todos aqueles que já perceberam que o futuro na Europa está cada vez mais negro. A única coisa que pode dar é o seu conhecimento. Diz uma frase e os alunos repetem. Corrige a entoação. Pede para repetir. Ri como forma de satisfação. Só passaram dois meses desde que começou a trabalhar com esta turma e já não há ninguém que saiba apenas dizer Nihao!

 

 

Mandarim expande-se para ensino primário

Em Janeiro deste ano, 300 alunos de 13 turmas do 3.º ano começaram a aprender chinês como disciplina incluída no currículo nas nove escolas do 1.º ciclo de São João da Madeira (distrito de Aveiro). A partir de então, o mandarim faz parte da estrutura curricular com uma hora por semana. Este ano lectivo, o modelo mantém-se para o dobro dos alunos, 600 no total, dos 3.º e 4.º anos do 1.º ciclo. O Ministério da Educação e Ciência de Portugal avaliou o projecto pioneiro no país e não colocou entraves à sua continuidade. Uma equipa esteve no terreno, observou aulas, falou com professores, alunos e encarregados de educação, e reconheceu as potencialidades desta primeira abordagem à aprendizagem do chinês.

A ideia de ensinar mandarim aos alunos do 1.º ciclo partiu da câmara são-joanense, que não quer passar ao lado da afirmação da China como grande potência mundial e do crescimento económico do Oriente. Na sua opinião, investir na aprendizagem da língua chinesa significa aumento de empregabilidade, maior competitividade empresarial, horizontes que se alargam em termos industriais. Delineou um projecto pioneiro, que acredita que terá impacto no futuro, contratou professores da Universidade de Aveiro, e decidiu suportar todas as despesas do ensino do mandarim, que este ano rondam os 60 euros por aluno.

A iniciativa tem se espalhado pelo país e no distrito de Bragança, por exemplo, o ensino de chinês começou a título experimental no ano passado lectivo, e este ano acabou por ser alargado a várias turmas do primeiro ciclo. Mas em regime opcional fora do horário normal das aulas. O desafio foi lançado pelo Instituto Politécnico de Bragança (IPB), que nos últimos anos tem oferecido cursos de mandarim no âmbito de uma parceria com universidades chinesas e que impulsionou a criação de um Centro de Língua e Cultura Chinesas naquela instituição. A professora Guo Can, da Universidade de Pequim em Zhuhai, que se encontra em Portugal no âmbito desta cooperação, é quem dá as aulas aos mais novos, apoiada na tradução para português por duas jovens estudantes chinesas que passaram este ano lectivo no Politécnico de Bragança a aprender a língua portuguesa.