Encontro no Delta

Abrir uma empresa na RAEHK é entrar pela porta-mor do comércio com a China e a Ásia. Mas os lusófonos continuam a preferir Macau como plataforma para o Império do Meio. Hong Kong tem tudo para oferecer e as feiras são o maior atractivo para os empresários dos países de língua portuguesa, ainda um meio desconhecidos nessas paragens. Morada de poucas grandes empresas brasileiras e portuguesas, a RAEHK está curiosa neste mercado de 250 milhões de pessoas e quer lucrar com a relação especial entre Macau e a lusofonia

 

HK

 

Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Com a China tão interessada na lusofonia seria de esperar que mais pequenas e médias empresas (PME) dessas nações se estabelecessem em Hong Kong. Afinal, o comércio entre os países de Língua Portuguesa e a China deverá atingir os 160 mil milhões de dólares americanos em 2016, conforme ficou expresso na Conferência Ministerial do Fórum Macau, em Novembro passado. Também são cada vez mais os estrangeiros a investir na RAEHK, onde se atalha caminho até à China. Mas os lusófonos parecem mais concentrados em Macau, sobretudo as empresas de menor dimensão, porque algumas das grandes preferem a vizinha ilha. Porém, tudo pode estar a mudar e em breve já não se põe tanto a questão: Macau ou Hong Kong? Num futuro próximo o mais importante é estar no Delta do Rio das Pérolas.

Não existe registo de muitas empresas lusófonas em Hong Kong. Ou melhor, “no fundo, não sabemos”, confessa Nicholas Kwan, o director de Pesquisa do Hong Kong Trade Development Council (HKTDC), o departamento do governo que promove as trocas comerciais entre a RAEHK e o estrangeiro, ocupando-se sobretudo de PME, a maior fatia da economia local. No InvestHK apenas há registo de assistência dada a sete empresas de Portugal, Brasil e Macau que se estabeleceram na região entre 2009 e 2012. Parece pouco num universo de mais de 7000 empresas estrangeiras que operam naquele território, incluindo japonesas, chinesas e americanas.

O responsável na Ásia do grupo João Portugal Ramos Vinhos, presente em Hong Kong, Gonçalo Frey-Ramos, justifica: “Se não há mais empresas lusófonas aqui é por falta de conhecimento do mercado asiático – do chinês em particular – e da importância que pequenas decisões podem ter na projecção das empresas no mercado”. Os lusófonos têm de estar mais atentos porque, como salientou o director-geral do Departamento de Promoção de Investimento do InvestHK, Simon Galpin, a RAEHK está interessada em ser plataforma. Garante mesmo que há “empresas da China Continental a usar a região como âncora para depois chegar aos países de língua portuguesa”.

Existe de facto alguma falta de interacção mas não é absoluta. O Brasil reagiu positivamente à força de atracção do sector financeiro de Hong Kong. São cerca de dez as empresas brasileiras com escritório na RAEHK e todas de grandes dimensões, nas áreas financeira, como o Banco do Brasil e o Itaú Asia, do minério de ferro, como a Samarco Asia, e até do transporte aéreo, como a Tam Airlines. Fonte do Consulado Geral do Brasil em Hong Kong e Macau salienta que, apesar da presença dessas firmas gigantes, a comunidade de 300 brasileiros “não tem um perfil empresarial”.

Curioso dessa promissora economia emergente, Kwan lembra que o HKTDC até tem um escritório em São Paulo: “É sem dúvida um dos mercados fundamentais da América Latina a desenvolver. Por isso, estamos a ver de que forma é que os nossos serviços podem ajudar a aumentar as trocas comerciais”. Também o InvestHK garante ter consultores em algumas das maiores economias lusófonas, para ajudar o território a encontrar investidores destes países.

Com poucas firmas registadas, Angola é o outro país de língua portuguesa com presença consular na RAEHK, mas Kwan nem se lhe refere, apesar das importações de Angola, entre Janeiro e Agosto do 2012, terem aumentado mais de 1700 por cento para Hong Kong. Além disso, a China é um dos maiores importadores de petróleo e diamantes de Angola. Talvez por isso há vários anos que a angolana Sodiam Diamonds se estabeleceu na RAEHK.

Com consulados honorários, Portugal e Moçambique são os outros países com interesse pela China. Algumas grandes empresas lusas são atraídas a Hong Kong pelo comércio do vinho e outras pretendem conquistar os asiáticos com os seus produtos alimentares. Gonçalo Frey-Ramos acredita que “se antes Macau era a escolha natural para a plataforma de apoio no processo de internacionalização de empresas portuguesas para a China, Hong Kong é hoje uma excelente alternativa, ou mesmo a primeira escolha”. As portuguesas Sogrape, Symington Family, Ramirez, Somelos, Jump Willy já abriram escritórios na RAEHK. Por seu turno, Moçambique tem apostado nos recursos minerais que interessam à China que, juntamente com Hong Kong, também absorve a maioria da exportação anual de madeira desse país desde 1997.

 

Mercados HK

 

Macau dum Delta maior

Talvez Hong Kong e os países de língua portuguesa se tenham desencontrado todos estes anos por causa da relação extremada entre a lusofonia e Macau. O director de Pesquisa do HKTDC admite que a RAEM possa estar em vantagem, mas isso é visto com bons olhos por Hong Kong: “Quanto mais fizerem nessa área, melhor para a China e para nós, até porque muitas das empresas de Macau são originárias da RAEHK”.

Macau também pode atrair mais investimento da lusofonia por causa da língua e do sistema jurídico, que é mais próximo do português, admite Kwan, destacando o papel complementar que a sua região pode ter: “O tipo de mão-de-obra e os negócios que operam em Hong Kong, como o financeiro, são diferentes e mais variados do que os de Macau, que tem, por exemplo, uma indústria de diversão mais evoluída”. Kwan acredita que nenhuma região é melhor do que a outra. “Vejo mais as cidades a trabalhar juntas, porque as regiões são próximas e pode aproveitar-se o melhor das duas.”

O que pode levar uma empresa estrangeira a optar por se estabelecer em Macau, Hong Kong ou Cantão pode depender do negócio e do que o fará maximizar-se. O responsável do HKTDC considera que “pode ser mais conveniente e barato viver na China ou em Macau e trabalhar em Hong Kong, mas o contrário também pode acontecer. Pode ser mais vantajoso estar presente na RAEHK e próximo dum aeroporto internacional”.

A maioria dos investidores começa a olhar para as duas regiões administrativas como partes integrantes duma área maior: o Delta do Rio das Pérolas. Kwan prevê que esta zona do sul da China se venha a misturar “de forma interessante, ganhando uma dimensão maior”. Esta aproximação vai aumentar sobremaneira mal estejam concluídas a Ponte de Hong Kong–Zhuhai–Macau e a linha férrea de alta velocidade Jingguangshengang, capazes de diminuir o tempo e os custos das trocas com o Interior da China.

A residir na RAEHK desde 2006, Gonçalo Frey-Ramos trabalhou três anos como responsável do Grupo Valindo na Ásia, deslocando-se todas as semanas ao Interior da China. Para o gestor, estas duas obras vão aumentar o fluxo de mercadorias e “ajudar Hong Kong e Macau”. Mas o grande impulsionamento será quando houver mudanças tributárias, em especial no sul da China, com vista a facilitar as importações.

Mas se há obras que podem trazer prosperidade, outras podem deixar alguns hong-kongers preocupados. É o caso da Zona de Comércio Livre de Xangai, que foi lançada no final de Setembro de 2013, e é muito inspirada no modelo de Hong Kong. Apesar da região administrativa ter provado o contrário nas últimas décadas, ainda há quem pense que a abertura da China pode ser um impeditivo ao crescimento da sua economia. Kwan não receia a concorrência desta Zona, que se trata de uma experiência única da reforma económica e financeira da China, com o intuito de captar investimento estrangeiro. Frey-Ramos também acredita que “terá sempre mais limitações do que Hong Kong”.

Sem competição, morre-se. É nisso que acredita Kwan. “A história prova que controlando bem os assuntos domésticos, conseguimos ter uma boa economia. Ultrapassámos a crise regional em 1997, mas levámos dez anos a recuperar porque não sabíamos qual era a nossa concorrência. Em 2007, foi diferente e estávamos mais preparados. A crise tinha outro impacto geográfico mas ultrapassámo-la em cinco anos.”

Kwan não está assim preocupado com as grandes mudanças que operam na China e a tornam mais competitiva e aberta ao mundo. “Há 20 ou 30 anos que se ouve dizer que quanto mais a China se abrir, pior será para nós, mas isso não tem sucedido.” Hong Kong tem muito para oferecer, “porque nos rejuvenescemos e estamos atentos às necessidades”, assegura o responsável. A região tem procurado participar sempre nas alterações da China. E dá um exemplo: “Quando pretendem construir um porto, cuidamos da obra e, depois de concluída, investimos no negócio em si”, acompanhando os processos com criação de firmas. É preciso que se saiba que “muitas das empresas prósperas da China começaram em Hong Kong e Taiwan”.

As firmas estrangeiras que se estabelecerem na RAEHK podem aspirar a mais e usar os canais privilegiados de acesso ao Interior da China que a região alimenta há anos. “Podem até construir um império se aproveitarem bem a oportunidade”, acredita o responsável do HKTDC. Frey-Ramos diz que há sectores de oportunidade para portugueses em Hong Kong e, consequentemente, no Interior da China. “É o caso da cortiça, couros, mármore, azeite, conservas, lacticínios e de serviços criativos”, assegura este empresário que, em 2009, “ no meio da crise”, abriu em Hong Kong a sua própria consultora. “A Okosu Solutions presta apoio a empresas europeias a fazer negócio na Ásia”.

 

Prós e contras

Há muitas vantagens em montar um negócio naquela que é uma das economias mais livres do mundo. Frey-Ramos aponta o sistema fiscal como um dos grandes atractivos: “Paga-se cerca de 16 por cento sobre os lucros e quase todas as despesas podem ser descontadas, com excepção, por exemplo, das compras de supermercado”. E se houver um ano em que se tem prejuízo, no ano seguinte de lucro, primeiro abate-se a perda e só depois é que se faz o cálculo para o imposto. As facilidades são tantas que até se diz “se não conseguir ter sucesso em Hong Kong, não conseguirá em parte alguma”. Também é fácil mudar de sector de actividade e o nome da empresa pode ser alterado de um dia para o outro, assegura o consultor português.

Como seria de esperar, “há muita gente em Hong Kong a arriscar” e a lançar-se no mundo empresarial, mas nem todos os negócios são bem-sucedidos, porque é preciso ter alguma capacidade financeira. É que as rendas não são baratas e essa é claramente uma desvantagem (ver manual de criação de empresa). Quase 80 por cento do território está destinado a parques. “Usamos menos de 30 por cento para todo o tipo de infra-estruturas, estando daí apenas 15 por cento destinado a residências para 7 milhões de pessoas”, elucida o director de Pesquisa do HKTDC, que não tem dúvidas de que a RAEHK tem uma maior densidade populacional que Macau.

Para João Seabra, co-fundador da Jump Willy, uma empresa especializada em 3D, 2D e composição musical que, em Setembro de 2013, abriu um escritório na RAEHK, uma das vantagens da região é “o rápido networking e a importância que é dada às relações profissionais. Todos os momentos são bons para falar de trabalho”. Também lhe agradou o facto da sua área de actividade, as Indústrias Criativas, ser “um dos maiores vectores de investimento do governo de Hong Kong”. Esta empresa, que pretende conquistar a Ásia com a sua criatividade, recebeu recentemente um Golfinho de Prata em Cannes.

Não é necessário viver em Hong Kong para montar uma empresa na região. Kwan garante que se pode ser criativo na abordagem e sem ficar a perder: “Basta ter uma ligação à RAEHK para criar uma firma e poder desfrutar das vantagens locais”. Assim se evita também o custo de vida elevado, o congestionamento da cidade e ainda contratar pessoal com formação que, apesar de ser de qualidade, pode ser custoso.

Kwan avisa que o governo não oferece muitos incentivos aos empresários estrangeiros mas os processos são facilitados. “Temos um sistema muito liberal para criar uma empresa em menos de uma hora. É quase como ir a um supermercado.” Frey-Ramos lembra que existem instituições locais que dão apoio depois da empresa estar formada. O InvestHK é uma dessas e “há outras organizações e fundos que ajudam a custear as participações nas feiras em Hong Kong”, como a SME Development Fund, do Departamento de Comércio e Indústria, que pode comparticipar 50 por cento do total.

Há cada vez mais empresários dos países de língua portuguesa a participar nas feiras temáticas de Hong Kong, uma das grandes apostas do governo. “Atraem muitos clientes chineses, de compradores a fornecedores”, sublinha Kwan, que se orgulha da RAEHK acolher “feiras de vinho muito importantes”, pois é o maior centro do mundo para o comércio deste produto isento de imposto na região. Em Novembro, um grupo de 43 produtores portugueses de vinho marcou presença na Wine and Spirits Fair.  “Apesar de não sermos produtores nem consumidores consideráveis, temos apostado na cultura para saber apreciar vinho e tal não se destina apenas a uso interno, pois também ajudamos os chineses do Continente a aprofundarem os seus conhecimentos deste produto”, aponta Kwan.

As feiras são muito diversificadas e anuais, dedicando-se à joalharia, aos têxteis, ao mobiliário, entre outras áreas. Também são várias as conferências para troca de experiências que juntam empresários de todo o mundo. Hong Kong tem-se afirmado como um centro de convenções e exposições na Ásia e encontrou assim uma forma de dinamizar ainda mais a sua economia, sem com isso congestionar o seu território.

 

 

Manual HK

 

Previsões de 2013

•          Crescimento da economia: 3% (fica abaixo da tendência média dos últimos 10 anos – 4,5%, mas em 2012 tinha apenas registado um aumento de 1,5%)

•          População: 7,18 milhões

•          PIB: entre 273,6 mil milhões de dólares americanos

•          PIB per capita: entre 38,100 de dólares americanos

•          Taxa de crescimento real do PIB: +3%

•          Inflação (alterações do índice de preços no consumidor geral): + 4,3% (depois de já terem registado um aumento de 4,1% em 2012)

•          Taxa de desemprego: 3,3% (igual a 2012)

 

 

Calendário das Feiras em Hong Kong

Hong Kong International Diamond, Gem & Pearl Show 2014

3-7 Março

 

Hong Kong International Jewellery Show 2014

5-9 Março

 

Affordable Art Fair

20-23 Março

 

Hong Kong International Film & TV Market

24-27 Março

 

Hong Kong International Lighting Fair 2014

6-9 Abril

 

Hong Kong Electronics Fair  

13-16 Abril

 

International ICT Expo

13-16 Abril

 

Hong Kong Houseware Fair

20 -23 Abril

 

Hong Kong International Home Textiles and Furnishings Fair

20-23 Abril

 

Hong Kong Gifts & Premium Fair

27-30 Abril

 

HK Int’l Printing & Packaging Fair 2014

27-30 Abril

 

Entrepreneur Day

2-3 Maio

 

Hong Kong International Medical Devices and Supplies Fair

7-9 Maio

 

Hong Kong Senior Fair and Senior Expo Asia

9-11 Maio

 

International Antiques Fair

24-26 Maio

 

Vinexpo Asia-Pacific

27–29 Maio