Macau na vanguarda da inovação

Numa região onde falar da força da economia é abordar turismo e actividades relacionadas, uma empresa como a Hovione Macau passa despercebida. Porém, é dos melhores exemplos da diversidade económica local com desempenho de alto nível – produz princípios activos para multinacionais farmacêuticas e companhias de biotecnologia

 

Hovione_GLP_07

 

Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Eddy Leong entrou para a Hovione Macau em 1997, licenciado em Engenharia Química. Hoje é o director-geral. A sua história bem sucedida é um dos muitos exemplos do que tem acontecido nesta empresa de raiz multinacional, onde colaboradores locais progridem agarrando as oportunidades ao seu dispor. Agora, com a Hovione a expandir-se para outras regiões da China, são estes profissionais de Macau a liderar o processo, pondo a sua experiência ao serviço de um novo ciclo – os alunos tornam-se professores.

A Hovione foi fundada em Portugal no ano de 1959 por três húngaros: Nicolau de Horthy, Ivan Villax e Andrew Onody. Dos três apelidos vieram as sílabas do nome da empresa (Ho+Vi+On), às quais o registo exigiu o “E” no fim, aportuguesando a denominação. Na estrutura accionista inicial, aliás, foi Diane Villax, mulher de Ivan e responsável financeira da companhia, que o representou (na altura, ele estava noutro trabalho). Em 1963, Horthy e Onody saem da Hovione, que se torna então, e até hoje, propriedade da família Villax.

Ivan era engenheiro químico, começou por estar principalmente envolvido na pesquisa de tetraciclinas semi-sintéticas (antibióticos) e corticosteróides anti-inflamatórios, cujo desenvolvimento positivo trouxe sucesso económico. Com os anos, a Hovione ganhou dimensão, internacionalizou-se, acumulou inovação com profissionalismo, soube estabelecer-se com solidez, sendo uma força reconhecida no mercado global dos princípios activos farmacêuticos.

No entanto, a área de negócio da Hovione não admite descanso. Por um lado é altamente competitiva, por outro implica investigação constante: novas patentes, novos métodos de produção, novos serviços. Na empresa, todos estão conscientes disso. Em Junho de 2009, o actual CEO da empresa, Guy Villax (um dos quatro filhos de Diane e Ivan), escreveu o seguinte para o livro comemorativo dos 50 anos de existência da Hovione: “A única vantagem competitiva duradoura é a capacidade de aprender e de reinventar a empresa”. A China é parte fundamental da “reinvenção” moderna da Hovione, com Macau a protagonizar um papel único no processo.

 

Exportação para os EUA

A Hovione PharmaScience Ltd. (Hovione Macau) foi criada em 1984. A construção da fábrica iniciou-se de imediato e a produção começou em 1986. Segundo informação facultada pela empresa, desde o arranque que a Hovione Macau é inspeccionada pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA). “Em 1987, a fábrica da Hovione Macau foi inspeccionada e aprovada pela FDA, autorizando-se assim a exportação dos nossos produtos para o mercado farmacêutico norte-americano. Desde então recebemos inspecções regulares da FDA, tendo a última sido em 2013. A nossa fábrica é a única de Macau – e uma das poucas em toda a China – aprovada pela autoridade de saúde dos EUA.” A companhia tem também as principais certificações internacionais de qualidade, segurança e respeito ambiental.

A produção da Hovione Macau consiste em princípios activos genéricos ou customizados a determinadas exigências. Os Estados Unidos são o principal mercado, seguido de Europa, Austrália e Nova Zelândia. Entre os clientes estão empresas especializadas em genéricos, multinacionais farmacêuticas e companhias biotécnicas.

Com o desenvolvimento sustentado do negócio desde que a empresa abriu em Macau, o caminho está definido, como o explica o director-geral. “A estratégia é a mesma desde o início: fazemos API (sigla de “Active Pharmaceutical Ingredients”, princípios activos farmacêuticos) para fornecer companhias farmacêuticas, que os utilizam nas suas fórmulas. A nossa marca não se vê, mas um grande número de medicamentos contém materiais produzidos na Hovione.”

 

Força local

A Hovione Macau ocupa um lugar importante no negócio global da empresa. Eddy Leong refere o valor acrescentado que se manifesta em vários aspectos. “Trazemos mais tecnologia, formamos colaboradores e a nossa actividade está em crescimento qualitativo constante. A tendência é fazermos a mesma quantidade de produção mas com mais qualidade. Logo, com mais valor.”

Com quase 150 colaboradores, a empresa direcciona a maioria para tarefas que exigem conhecimentos técnicos especializados, como controlo de qualidade e optimização de processos. Tanto na direcção como nos outros departamentos, a quase totalidade dos colaboradores nasceu em Macau. “Somos uma óptima base de apoio para o grupo, em termos tecnológicos mas também de recursos humanos. Quando a Hovione abriu aqui em 1986, Macau era uma cidade pouco desenvolvida, não havia uma indústria como a nossa. Construída a fábrica, precisávamos de mão-de-obra para pô-la em laboração, mas localmente não havia pessoas com formação nesta área. Por isso, vieram muitas pessoas de Portugal.”

Ao longo dos anos, a situação alterou-se. “Formámos quadros operacionais que depois se tornaram supervisores. Contratámos engenheiros locais que tinham estudado fora de Macau (como eu), que regressaram para trabalhar na Hovione. Alguns ascenderam mais tarde a lugares na direcção. E assim o cenário alterou-se, sendo a empresa hoje assente em quadros locais.”

 

Hovione 2

 

O próximo nível

Transformada numa empresa de maioria de trabalhadores locais, dos operacionais menos qualificados até aos lugares de direcção, a Hovione Macau é agora palco de um novo ciclo laboral: os seus colaboradores passaram a ser o grupo fundamental para liderar a expansão da empresa para outras regiões da China. Tal já aconteceu com uma joint-venture da Hovione na Província de Zhejiang, a Hisyn. “Quando aconteceu o negócio, pensou-se em enviar mais gente de Portugal, mas optou-se por deslocar pessoas de Macau. Isto por várias razões, que no fundo podemos chamar as vantagens dos profissionais da Hovione de Macau: conhecimento profundo da língua e da cultura chinesas aliado ao conhecimento da cultura de empresa da Hovione e aos métodos ocidentais de trabalho nesta área. Por isso, levamos agora a outras regiões da China a ajuda à gestão e à formação das novas equipas, tal como nos anos 1980 recebemos dos nossos colegas de Portugal.”

Quando questionado sobre os obstáculos que a sua empresa enfrenta em Macau, Eddy Leong demora na resposta, mostrando que o dia-a-dia corre sobre rodas. Há, contudo, dois pontos que poderiam ser diferentes. Primeiro, o crescimento da empresa na região. “Adorávamos expandir-nos em Macau, mas estamos condicionados pela falta de espaço físico. Não há terra para onde possamos crescer aqui, um problema geral para toda a indústria.” O segundo ponto, também ele afectando toda a massa empresarial da RAEM, relaciona-se com a manutenção de colaboradores.

Embora frise que não é um drama, o director-geral admite alguns constrangimentos. “Há algum tempo que temos dificuldades em manter colaboradores, principalmente ao nível operacional. É difícil impedir as saídas, mas minimizamos esse processo. Isto sucede porque temos um pacote de regalias muito atraente, em particular por ser na área industrial. Além do salário, oferecemos um conjunto de dias de férias bastante bom (e que cresce com o número de anos de ligação à empresa), transporte, alimentação, seguro de saúde extensível à família e um plano de reforma. Claro que não podemos competir com os casinos nos salários, mas, por exemplo, para um engenheiro químico, damos a oportunidade de desenvolver uma carreira não só em Macau mas também de nível internacional, o que torna tudo mais interessante.”

Os números testemunham o êxito da estratégia. “A nível operacional, os colaboradores têm em média oito anos de ligação à empresa; na supervisão, 20 anos; e na direcção, 13 anos. Quem trabalha na Hovione Macau é feliz.”

 

 

Consolidação em Macau

 

1978   Primeiras compras na Feira de Cantão

1979   Abertura do escritório em Hong Kong

1984   Decisão de construir uma fábrica em Macau

1986   Início da produção em Macau

1987   Primeira inspecção da FDA

1994   Certificação ISO9001

2000   Primeira inspecção para API de novo medicamento

2001   Duplicação da capacidade de produção

2001   Nova unidade de produção automatizada

2006   Certificação ISO14000 e EMEA, FDA e TGA

2007   Joint-venture com empresa chinesa Hisyn

2010   Certificação OHSAS18001

2013   Mais recente inspecção da FDA, em Janeiro