Portugal-China: 35 anos depois

Foi há exactos 35 anos que Portugal e China restabeleceram relações diplomáticas, interrompidas durante a ditadura portuguesa e a liderança de Pequim por Mao Tsé-Tung. Agora as relações económicas entre os dois países vivem um momento de grande intensidade. E mais do que nunca, Macau é um elemento-chave na relação luso-chinesa

 

Portugal China

 

Texto António Caeiro*, em Pequim

 

Pelo quarto ano consecutivo, o piloto português Carlos Sousa representou em Janeiro a Great Wall Motors, o maior fabricante chinês de SUV, no mítico rally Paris-Dakar. Impensável há 35 anos, a imagem de Carlos Sousa ao volante de um Haval vermelho ilustra bem o caminho percorrido por Portugal e a República Popular da China desde que os seus embaixadores em Paris, António Coimbra Martins e Han Kehua, respectivamente, assinaram o acordo sobre o estabelecimento das relações diplomáticas, no dia 8 de Fevereiro de 1979. Na altura, Portugal não fazia parte da então Comunidade Económica Europeia e a China estava apenas a iniciar a política de Reforma Económica e Abertura ao Exterior.

As relações luso-chinesas “estão melhores do que nunca” e os contactos entre os dois países são hoje “mais ricos e diversificados”, afirma o novo embaixador português na China, Jorge Torres Pereira. Em Junho passado, numa das primeiras entrevistas depois de apresentar as credenciais ao presidente Xi Jinping, Torres Pereira realçou que “as relações Estado a Estado e entre os respectivos governos sempre foram boas, mas há agora um crescente número de estudantes chineses em Portugal e de portugueses a aprender chinês na China, e há, de um lado e do outro, todo um fluxo de empresários, de pequenas e medias empresas”. “Também no plano científico e académico, as coisas estão hoje mais activas e dinâmicas”, acrescentou o diplomata, colocado em Pequim em Abril de 2013.

Nem sempre foi assim. Durante duas décadas, as relações foram dominadas pela questão de Macau. No espaço de quatro anos (1994-98), Portugal enviou à China dois presidentes da República (Mário Soares e Jorge Sampaio) e dois primeiros-ministros (Aníbal Cavaco Silva e António Guterres), acompanhados por grandes comitivas, mas os governantes portugueses pareciam estar mais a despedir-se de Macau do que a descobrir a emergência de uma nova grande potência. Politicamente, o relacionamento era considerado “excelente”. No seio da União Europeia, Portugal era, e é, um dos países mais favoráveis às posições de Pequim.

 

Mudança de rumo

No plano económico, porém, as relações eram insignificantes. Até Maio de 1999, sete meses antes da transferência do governo de Macau para a China, a própria chancelaria de Portugal em Pequim estava modestamente instalada num cinzento bloco de escritórios do Ministérios dos Negócios Estrangeiros chinês onde se encontravam também as embaixadas de Angola, Moldova, Namíbia Moçambique e outros países.

No início do século XXI, a China era um mercado longínquo, não figurando sequer entre os 25 principais clientes das exportações portugueses. Hoje é o 10.º. Nos últimos quatro anos, as exportações portuguesas para a China mais do que duplicaram, atingindo em 2012 o montante recorde de 1.128 milhões de euros. Para alguns produtos portugueses, como os vinhos, por exemplo, a China tornou-se mesmo o quinto maior mercado fora da Europa, depois de Angola, Estados Unidos, Brasil e Canadá.

Mais significativo ainda, em 2012, a China foi o maior investidor externo directo em Portugal. A empresa China Three Gorges comprou 21,35 por cento da EDP (Energias de Portugal) por 2700 milhões de euros, tornando-se o maior accionista da eléctrica portuguesa. Foi um dos maiores investimentos chineses na Europa, mas não foi o único. A State Grid pagou 287 milhões de euros por 25 por cento do capital da REN (Redes Energéticas Nacionais) e a Beijing Enterprises Water Group comprou por 95 milhões a participação francesa na Veolia Portugal. Já este ano, o Governo português aprovou a proposta do grupo Fosun para comprar 80 por cento das três seguradoras da Caixa Geral de Depósitos por 1000 milhões de euros. Constituído há cerca de duas décadas, em Xangai, o Fosun é considerado um dos mais lucrativos grupos privados chineses, com participação em dezenas de empresas de vários países, entre os quais o Club Mediterranee. “Toda a gente me tem dito que Portugal é um país seguro e receptivo ao investimento chinês”, disse o vice-presidente e director executivo do grupo, Liang Xinjun, acerca do interesse do Fosun pela Caixa-Seguros.

“O momento para investir em Portugal é agora”, afirmou o embaixador português na China em Dezembro passado. “Atravessámos um processo muito severo de ajustamento fiscal, mas estamos a ver os primeiros sinais de que essas políticas resultaram e que vão consolidar-se num futuro próximo”. Torres Pereira falava numa sessão sobre os “vistos gold” na Embaixada de Portugal em Pequim, com dezenas de promotores imobiliários e responsáveis de agências de emigração chineses. Os “vistos gold”, criados pelo Governo português no final de 2012, concedem autorização de residência em Portugal, e consequente direito de circulação pelos 30 países do espaço Schengen, aos cidadãos exteriores à União Europeia que comprem uma casa de pelo menos meio milhão de euros, depositem um milhão de euros num banco português ou invistam num projecto empresarial que crie no mínimo dez postos de trabalho. “Até agora a China foi de longe o país que mais investiu neste programa”, sobretudo no sector imobiliário, realçou na altura o embaixador português. No total – precisou o diplomata – “278 cidadãos chineses – do Interior do país, de Macau e de Hong Kong – já compraram o equivalente a 167 milhões de euros”.

 

Plataforma de amizade

Em Pequim e em Lisboa, a transição de Macau é vista como uma história de sucesso. Desde 2003, a nova Região Administrativa Especial tornou-se mesmo a plataforma eleita por Pequim para promover a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. “Sentimo-nos muito confortáveis com Portugal por causa de Macau. Portugal manteve uma relação muito boa com o Governo e o povo da China”, disse o CEO do grupo Fosun, na sua primeira entrevista a um órgão de informação português, em Dezembro passado. Entre a generalidade da população, Portugal é sobretudo associado ao futebol, e em particular ao talento de Cristiano Ronaldo (“C Luo”, em chinês). “Claro que o conheço. Toda a gente conhece ‘C Luo’, sobretudo os rapazes”, diz um estudante da Universidade de Estudos Internacionais de Pequim (Beiwai). A frase confirma a avaliação feita há já alguns anos pelo ensaísta Lian Yue, autor de um dos mais conhecidos blogues chineses, cujo nome (O Oitavo Continente) é inspirado numa passagem de O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa: “De Portugal, o que se conhece melhor na China é o futebol”.

A popularidade de Eusébio é sob esse aspecto emblemática. No auge da carreira do “Pantera Negra”, a China não estava sequer filiada na Federação Internacional de Futebol (FIFA), mas a morte do antigo jogador português, no passado dia 5 de Janeiro, dominou o noticiário da imprensa desportiva chinesa. “Quando é que o futebol chinês terá um herói como You Xi Bi Ao (Eusébio, em chinês) ”, escreveu um internauta no Sina Weibo, o Twitter chinês. Numa mensagem de condolências enviada à Federação Portuguesa de Futebol, a Associação Chinesa de Futebol (CFA) qualificou Eusébio como “um dos maiores da história” da modalidade, cujo “talento e personalidade marcaram uma época”. “O seu extraordinário desempenho atraiu ao futebol gerações de jovens do mundo inteiro”, afirmou a CFA.

 

* Exclusivo Lusa/revista MACAU