Dossiê educação: Ensino diferenciado para todos

Diversidade é a palavra-chave para descrever o sistema escolar de Macau, constituído maioritariamente por escolas particulares. O ensino é diferenciado e cada escola tende a oferecer diferentes propostas pedagógicas e curriculares, que variam entre o modelo de ensino chinês, português ou anglo-saxónico. O objectivo do governo da RAEM é dar opções aos estudantes e formar quadros qualificados para diversos sectores. A revista MACAU visitou escolas públicas e privadas e conversou com educadores e alunos para perceber como funciona o sistema

 

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Texto Cláudia Aranda | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

O sistema escolar de Macau reunia no ano lectivo de 2012/2013 um universo de 71.815 alunos inscritos em 78 escolas, das quais apenas 11 são públicas, sendo as restantes privadas. O governo da RAEM legisla e através da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) orienta, coordena e avalia as diversas modalidades do ensino não superior. Macau não tem um sistema de ensino universal. As escolas gozam de autonomia pedagógica para organizar as aulas e os programas curriculares. Enquanto as escolas oficiais seguem os planos curriculares recomendados e aprovados pela DSEJ, as privadas podem adoptar ou criar os métodos e modelos pedagógicos que julguem mais ajustados.

O incentivo à heterogeneidade está previsto no documento “Planeamento para os próximos dez anos para o desenvolvimento do ensino não superior (2011 a 2020)” – ou Planeamento Decenal –, que promove o desenvolvimento de um sistema escolar diversificado e encoraja as escolas a estabelecerem-se como instituições pautadas por uma “filosofia distinta, por currículos com ênfase em aspectos específicos e por um modelo pedagógico particular”, para que se ofereçam mais opções aos estudantes, no sentido da formação de quadros qualificados para diversos sectores.

O professor Choi Chi U, docente da Faculdade de Educação da Universidade de Macau (UM), que acumula uma década de experiência como director da Escola Católica Estrela do Mar, explica que as instituições de ensino católicas recorrem a materiais de Taiwan, enquanto que as escolas mais tradicionais usam livros e métodos de aprendizagem do Interior do País. Algumas escolas como a secundária Pui Ching e o Colégio Yuet Wah usam materiais de Hong Kong. As escolas de língua veicular inglesa optam por materiais e métodos da Europa e dos Estados Unidos.

Na Pui Ching, por exemplo, o currículo está orientado para garantir a entrada dos alunos em universidades anglo-saxónicas ou chinesas. Enquanto entidade privada não integrada na rede de escolas subvencionadas pelo Governo, a Pui Ching opta por uma abordagem competitiva, por forma a garantir a sustentabilidade económica. “Para nós o mais importante é identificar onde os estudantes tencionam prosseguir os estudos superiores e ajustamos o currículo de acordo com esses objectivos”, explica Kou Kam Fai, director da instituição. Esta é uma decisão, aparentemente, com resultados positivos. Desde há cinco anos que “100 por cento dos alunos finalistas desta escola entram em universidades de todo o mundo, incluindo, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Taiwan, China, Japão, Suíça e Portugal”, realça o director. No ano passado, os alunos da Pui Ching obtiveram as classificações mais altas nos exames de admissão para a Universidade de Macau e universidades na China. A preocupação da escola é garantir que os alunos não falhem na admissão ao ensino superior por falta de fluência nas línguas, por isso, o objectivo é que os alunos atinjam “bom nível de inglês e mandarim”, acrescenta o director.

 

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Abordagem pragmática

Também na Escola São Paulo, que é um estabelecimento particular integrado na rede de escolaridade gratuita e subsidiado pelo Governo, o ensino está direccionado para garantir o sucesso dos alunos na hora de ingressar na universidade. Alejandro Salcedo, director, reconhece vantagens na abordagem pragmática das políticas para o ensino não superior da RAEM, na medida em que dá espaço aos educadores para inovarem e criarem métodos e modelos pedagógicos ajustados às carências dos alunos. É neste contexto de abertura à mudança por parte do Governo que a Escola São Paulo desenvolveu um modelo pedagógico alternativo para os seus alunos, para o qual obteve um financiamento da DSEJ de 15 milhões de patacas. O “Classroom 2012” integra-se num projecto de longo prazo denominado Empowering Students for an Open School (ESOS) e prevê que os estudantes usem uma tablete digital – tipo iPad – em vez de cadernos.

 

Todos diferentes

As estatísticas mostram resultados animadores em termos de taxa de aproveitamento escolar. Cerca de 85 por cento dos jovens do 12.º ano continuaram a estudar no ensino superior nos últimos anos, segundo anunciou o Executivo no relatório das Linhas de Acção Governativas de 2013. No entanto, quando chegam à universidade, os estudantes locais tendem a ser percepcionados como pouco competitivos e menos bem preparados para enfrentar o mundo académico, quando comparados com os alunos da China, refere Choi Chi U, docente na UM.

“Há uma discrepância entre escolas em termos de exigência de competências académicas básicas a adquirir”, pelo que, “os alunos chegam às universidades com níveis muito distintos de conhecimentos”, afirma Tânia Marques, da Associação dos Jovens Macaenses (AJM) e investigadora na área da educação na Universidade de São José (USJ). Esta questão coloca-se tanto nas competências linguísticas como em quaisquer outras matérias. Além disso, como cada escola é um caso diferente, para além da oferta curricular diversa e de níveis diferentes em termos de exigência de competências, existe também uma grande variedade de modelos de avaliação dos alunos, o que contribui para a existência de padrões de aprovação e reprovação distintos.

Por ocasião da discussão pública da Política da Juventude para 2012–2016, a AJM chamou a atenção para a disparidade do sistema escolar de Macau, constituído maioritariamente por escolas particulares. Nessa altura, a AJM apresentou à DSEJ uma série de propostas, entre as quais a necessidade de divulgação de informação para uma “maior transparência por parte das escolas em termos de aproveitamento dos alunos e dos currículos escolares, realização de uma avaliação periódica pela DSEJ, que seja igual para todas as escolas, e a criação de um exame geral imposto a todos os alunos do secundário, de modo a aferir o nível geral de conhecimentos em Macau”. A AJM sublinhou, igualmente, a importância que o português deve assumir nos currículos escolares e nas competências dos jovens de Macau.

 

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Ajustar à realidade

Tânia Marques reconhece os benefícios do ensino diferenciado que caracteriza o sistema educativo da RAEM. Mas chama a atenção para os resultados do PISA 2009, os quais consideraram as competências dos alunos de Macau na literacia da leitura significativamente inferiores à média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), havendo espaço para melhorar nas competências de interpretação e análise crítica. “Macau tem poucos trabalhadores com qualificações, precisamos de os formar para podermos diversificar a economia. Para isso, temos que dar mais atenção às diversas fases do ensino, desde o infantil, com a introdução de métodos pedagógicos modernos, mais centrados na resolução de problemas e na aplicação prática dos conhecimentos”.

Choi Chi U partilha da opinião da investigadora e alerta para o impacto nas opções dos jovens do desequilíbrio que existe em termos de desenvolvimento dos diferentes sectores da economia. A economia de Macau é dependente das receitas dos casinos e a indústria do jogo e de entretenimento absorve uma boa parte da mão-de-obra qualificada e não qualificada de Macau. A cidade regista uma situação de pleno emprego. Em Setembro de 2013, a taxa de desemprego situava-se em 1,8 por cento. “Os jovens têm menos sensação de crise, porque agora, em comparação com a época dos pais, é mais fácil arranjar um trabalho em Macau e eles começam a não se preocupar muito.”

A geração em busca do primeiro emprego sabe que, em última análise, haverá sempre uma oportunidade de trabalho bem remunerado num casino, refere o académico. A lei da RAEM protege a mão-de-obra local e as operadoras de casinos estão autorizadas a contratar apenas residentes permanentes para as funções de croupiers e de supervisores, funções bem remuneradas para as quais não são necessárias qualificações superiores. Esta questão criou a percepção de que “estudar não ajuda a melhorar a qualidade de vida”, conclui o académico. Tânia Marques vai mais além: “Macau cresceu de forma muito rápida em termos económicos, agora, é preciso ajustar o sistema de ensino à realidade actual”.