Jovens de Macau: O futuro para além do jogo

Nem todos os jovens chineses de Macau querem trabalhar nos casinos. Há uma nova geração a dar cartas noutras profissões. Aproveitam a boleia do progresso, querem mudar a RAEM e estão de olho na Lusofonia. A MACAU falou com quatro jovens de sucesso e tomou o pulso à Macau do futuro sem o jogo

Empresário dos computadores_GLP_02

 

 

Texto Cecília Lin | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Wong On, a apostar nas tecnologias

 

Com um talento de estratega, o engenheiro informático Wong On, de 30 anos, tem conseguido fazer vingar o seu negócio na área da engenharia informática. Abriu a Habitat Technology há 13 anos e tem lutado muito para convencer os empresários de Macau mais conservadores a aderir às novas tecnologias. Desenvolveu um sistema informático de contabilidade para Pequenas e Médias Empresas (PME) que está a ter muito êxito. Mas não tem sido fácil: “Cerca de 90 por cento das empresas de Macau são PME, 40 por cento das quais são geridas por empresários com mais de 40 anos”. Muitos ainda fazem a sua contabilidade à mão.

Wong debate-se sobretudo com a falta de recursos humanos locais na área da tecnologia e nem consegue contratar profissionais de fora. O empresário opera num ramo novo mas Macau está a evoluir rapidamente. Ainda assim o programa One-Pos tem tido sucesso, tanto que é apoiado pelo Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau desde Maio de 2013, ajudando a promover este software junto das PME.

Para tornar o seu produto mais aliciante, Wong decidiu oferecer o programa gratuitamente, cobrando apenas o serviço pós-venda. No início, o seu sócio duvidou dessa ideia mas Wong seguiu em frente com o plano, “porque o dinheiro não é tudo” e é importante servir a comunidade local. E parece que fez a opção correcta. Afinal, além de dois escritórios em Macau, Wong tem ainda uma loja no Parque Industrial Transfronteiriço. Apesar de ter muitos afazeres e responsabilidades, ainda encontra tempo para fazer trabalho de voluntariado.

Por enquanto, este software só está disponível em chinês e inglês, mas este jovem tem planos para o lançar em português e internacionalizar a sua empresa no mercado lusófono. Como este programa tem sido melhorado ao longo dos anos e “está próximo da perfeição”, gostava de aproveitar as vantagens de Macau na sua relação económica com os países da língua portuguesa, revela.

Wong, que estudou numa escola bilingue e tem “um carinho especial pelo português”, está a contactar instituições portuguesas para o ajudarem na tradução dos conteúdos do software, pretendendo disponibilizar este produto localmente e angariar clientes portugueses. Está consciente de que a comunidade local não é significativa, sabe até que os portugueses, onde se incluem os macaenses, “não podem usar este produto porque não sabem ler chinês”. Porém Wong acredita que, apesar de muitos dominarem o inglês – a outra língua em que o sistema está disponível – “os portugueses preferem de certeza trabalhar na língua materna”.

 

Dono do Bricks_GLP_01

 

Lil’Hong Ng, do hip hop à restauração

 

Lil’Hong Ng conhece bem o mundo dos casinos. Trabalhou três anos num desses gigantes da indústria do jogo de Macau mas, em 2011, abandonou a mesa de jogo de croupier para abrir o seu próprio restaurante, o Brick’s Burger. Não se dava bem naquele ambiente de casino e a ex-namorada consolou-o com novas ideias: “Ela achava que faltava um restaurante em Macau que servisse vários tipos de hambúrgueres”. Como é fã de cultura americana, Lil’Hong Ng achou que essa poderia ser uma boa oportunidade de mercado, constituindo assim uma alternativa de futuro.

Arranjou sócios e foram todos aprender o métier num restaurante, em Taiwan, mal deixou de trabalhar no casino. Durante esse mês à experiência em Taipé aprenderam a fazer hambúrgueres e alguns segredos deste negócio de restauração. Quando regressaram a Macau trataram da burocracia para abrir o estabelecimento e procuraram um espaço para alugar. “A renda foi uma questão importante”, sublinha Lil’Hong. Isto porque, em Macau, o valor pode sofrer um aumento entre 5000 e 6000 patacas em apenas um ou dois anos. Além disso, “naquela altura, o governo não tinha criado programas de apoio financeiro dirigidos a empreendedores”. Por isso, arrancaram do zero na zona central de Macau.

O lançamento do Brick’s Burger não foi fácil, surgindo até conflitos entre sócios. “Tínhamos opiniões diferentes. Cozinhávamos em ambiente de guerra. Não foi possível continuar a trabalhar em conjunto”. Este jovem empreendedor aprendeu aí uma lição para a vida: “Antes de criar uma sociedade é importante procurar o parceiro ideal. Não se pode apostar num negócio com uma pessoa qualquer só para ultrapassar as dificuldades financeiras.”

Lil’Hong tem apenas 25 anos. Sempre quis ser empresário mas “não era um bom aluno”. Andou muito tempo focado no hip hop. Contudo, desde que abriu o negócio tornou-se “uma pessoa muito responsável e trabalhadora”. Agora, com três anos de experiência a trabalhar num casino e três à frente de uma empresa sua, não consegue imaginar o que teria sido a sua vida “se tivesse continuado a trabalhar como croupier”, assegura, mesmo sabendo dos obstáculos que teve de vencer desde que tomou essa decisão. “Estive desempregado três meses e, em Taiwan, trabalhei sem receber salário. Além disso, ainda tive de pagar o curso”. Pouco tempo depois de abrir o restaurante, Lil’Hong foi abandonado pelos sócios e pela namorada: “Fiquei a trabalhar quase sozinho”.

Nos primeiros tempos, o lucro mensal da empresa não passava das 2000 patacas, o que “é muito pouco”. Quase morreu de cansaço de tanto trabalhar pois, para além de gerir a empresa, também cozinha e lava a loiça. Vive sob “muita pressão” e não tem sequer tempo para viajar. Mesmo assim não se arrepende de se ter despedido do casino, “porque faço o que gosto e assim posso realizar o meu sonho”.

O nome que Lil’Hong deu à sua cadeia de restaurantes tem assim muita razão de ser. “Chama-se ‘brick’, porque um tijolo lembra um grande hambúrguer”. E ainda é prova de como foi construído este grande sonho, tijolo a tijolo. Em menos de dois anos já é um sucesso. Aliás, foi a primeira cadeia gay-friendly deste sector em Macau. No primeiro estabelecimento fazia-se fila de espera à porta todos os dias, por isso montou, logo que pôde, um segundo restaurante no Fai Chi Kei. Porém não faz tenções de abrir outro tão cedo: “Não há recursos humanos suficientes para tal”.

O jovem está consciente de que todos os dias tem de satisfazer os clientes, bem diferentes dos turistas que acorrem ao Brick’s Burger do centro de Macau. Esta zona afastada está pejada de residentes locais que têm muitos restaurantes à escolha, sendo importante estar atento às exigências deste mercado e “criar comida mais variada e especial.” Ou seja, as ementas têm propostas gastronómicas inglesas e americanas e Lil’Hong não põe de lado a ideia de começar a servir comida portuguesa.

 

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Bobo Chan Ka, tradução canta mais alto

 

Um dos momentos altos da sua vida artística foi cantar no primeiro musical cantonês produzido em Macau, Myth of Fox. Este projecto, com que muitos sonhavam há anos, reuniu o talento de artistas da RAEM de Hong Kong e Taiwan. Bobo Chan Ka sonha agora com a internacionalização, quer mostrar ao mundo que não são só os cantores de Hong Kong que singram nos tablados do mundo. Macau também tem a sua voz especial e quer fazer ouvir-se, garante esta cantora chinesa.

Um concurso de música em 2005 serviu de trampolim a Bobo. Chamou a atenção de organizadores de eventos que a contrataram para actuar em festas de empresas. “Fiquei mais conhecida”, diz, orgulhosa. Em Setembro do ano passado, estreou-se a solo num mini concerto e ganhou o aplauso de amigos e do público presente. Mas não foi nos palcos que deu os primeiros passos musicais. Tudo começou com a partilha de uma maqueta na Internet. Depois, os amigos “incentivaram-me a participar em concursos” e a primeira oportunidade surgiu em 2004.

Bobo sabe que a cena musical da RAEM é bem diferente da de Hong Kong, onde o cantopop é uma indústria de milhões. “É muito duro ser cantora de Macau”. Inclusivamente, não tem o apoio dos pais: “Querem que eu procure um emprego estável e que tenha uma vida mais calma”. Bobo prefere “enfrentar os obstáculos” e realizar o seu sonho, mas também pretende ser tradutora certificada.

Gostava de ficar conhecida pelo seu amor à música e não tanto como uma cantora profissional, até porque já tem ocupação a tempo inteiro: “Estou a tirar um Mestrado em Tradução Chinês-Inglês na Universidade de Macau”. Antes de se candidatar a este par de línguas, tentou o chinês-português, mas falhou no exame de língua portuguesa. Bobo nasceu em Macau e, por isso, muitos pensam que tem sangue português, mas a verdade é que é “completamente chinesa”.

Embora aponte muitos dedos ao mundo artístico da RAEM, acredita que o futuro dos músicos locais será mais risonho. Os últimos anos foram de progresso em e, mesmo sentindo que a sua geração já não vai a tempo de ganhar com isso, considera que “todos os interessados precisam de trabalhar para elevar a cena musical da cidade”. E devem aproveitar as oportunidades que a região lhes dá, como aconteceu no 60.º Grande Prémio de Macau, cujo tema oficial era cantado por dois artistas locais, um dos quais era Terence Chui que até é bem-sucedido em Hong Kong.

Um dia, Bobo queria muito sair de Macau e tentar Hong Kong ou Taiwan. Queria aventurar-se enquanto ainda é jovem, “antes de casar e de ter compromissos familiares”, admite. Mas desconfia das dificuldades que a aguardam: na RAEHK “só depois de se assinar um contrato com uma editora é que se passa a ser profissional”, ao contrário de Macau, onde um concurso basta para se ser considerado cantor.

 

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António Tam, no seu Direito em Portugal

 

Depois de terminar o curso de Direito da Universidade de Coimbra, António Tam, de 23 anos, decidiu ficar em Portugal para estagiar no escritório dos advogados da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. Acredita que esse país está pejado de oportunidades para alguém com as suas competências. Afinal, “a comunidade chinesa tem crescido em Portugal, nos últimos anos, e não existem muitos advogados a dominar o chinês”.

Há bastante tempo que Tam tem contacto com a cultura lusa. Tinha cerca de 16 anos quando começou a aprender português. Esse curso da Escola Portuguesa em Macau foi oferecido pelos Serviços de Educação e Juventude da RAEM.

Não se licenciou em Direito em Portugal com bolsa, mas contou com o apoio do Fundo de Ensino Superior e está muito agradecido pela oportunidade. Com um talento nato para línguas e comunicação, Tam também fala inglês e não duvida por segundo que fez as melhores opções de estudo para o seu futuro.

Este jovem chinês de Macau adora viver em Portugal. Começou por morar com uma idosa e o seu filho e está muito grato a essa senhoria que tanto o ajudou a melhorar o nível de português. Essa prática foi tão importante como os conhecimentos que colheu nos nove meses do curso de língua portuguesa da Universidade Católica, em Lisboa. Foram ensinamentos que facilitaram depois a aprovação no exame de admissão à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Ficou encantado com a Cidade dos Estudantes, tanto que a prefere a Lisboa. Como muitos edifícios de Macau, também a sua universidade foi declarada Património Mundial pela UNESCO no ano passado. Tam está mais do que sensibilizado para a importância dos edifícios históricos. Acredita que é importante preservar e aproveitar o passado arquitectónico de uma terra e “não estar sempre a construir novas casas”: “Se não ligarmos agora ao património cultural, o que será de nós?”

É através do seu passatempo favorito, a fotografia, que mata as saudades de Macau e dá a conhecer aos novos amigos de Portugal a sua terra natal: “Olham para as minhas fotos e dizem que Macau é gira, ainda que não conheçam muito bem a região. Pensam que só há casinos e falam ainda dos benefícios que o governo dá aos residentes. Para mim, Macau é muito mais do que isso.”

 


Fundos para o empreendedorismo

O Governo de Macau lançou, a 1 de Agosto de 2013, o Plano de Apoio a Jovens Empreendedores para incentivar as camadas mais jovens a aventurarem-se nos seus próprios negócios. Os residentes permanentes com idades entre os 21 e os 44 anos, que exerçam qualquer actividade industrial ou comercial em Macau e que pretendam abrir o seu primeiro negócio, podem candidatar-se a uma verba de apoio até ao valor de 300 mil patacas, isento de juros. O montante deve ser reembolsado no prazo máximo de oito anos. Em menos de dois meses, foram recebidas 63 candidaturas, das quais 25 foram aprovadas, envolvendo um montante global superior a 5,5 milhões de patacas.

A idade média dos beneficiários é de 28 anos, destacando-se entre os sectores alvo das propostas apresentadas o comércio a retalho, planeamento e produção de eventos, o da importação e exportação, o do entretenimento ou de serviços de cuidado de crianças.

Criado pelo Governo na dependência do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização, o plano visa conceder uma verba de apoio reembolsável às empresas comerciais detidas por jovens locais que criem o seu primeiro negócio, no sentido de os auxiliar a aliviar a pressão de angariação de capitais na fase inicial do estabelecimento das empresas. O montante deve ser aplicado, à luz do regulamento, na aquisição de equipamentos necessários à exploração da empresa; realização de obras que beneficiem os espaços; celebração de contratos de concessão comercial ou de franquia; aquisição do direito a uso exclusivo de tecnologia e de direitos de propriedade intelectual; bem como em actividades de promoção e divulgação e no fundo de maneio da empresa comercial.

A criação desta linha de crédito foi anunciada, em Novembro de 2012, pelo chefe do Executivo, Chui Sai On, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2013 na Assembleia Legislativa, e entrou em funcionamento a 1 de Agosto do ano passado.