CESL Asia: Serviços “secretos”

Ao mesmo tempo que uma pessoa aterra em Macau, outra lava as mãos no quarto de um grande resort da cidade. Ambas desconhecem que a eficácia do que fizeram é maior graças à CESL Asia, empresa que serve Macau há mais de 25 anos.

António Trindade

 

Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Quando se fala em anjos da guarda de Macau, é natural que o primeiro pensamento vá para forças de segurança e profissionais de saúde. Aqueles que se querem por perto quando a vida inventa um ‘ai-jesus’. Reflectindo mais, a memória traz os que zelam pelo bater do coração da cidade: batalhões prontos para o auxílio 24 horas por dia, impedindo que falte água, luz, transporte, limpeza. Mas falar de anjos da guarda, dentro do rigor que a analogia permite, é assumir que são invisíveis. Alguém que ajuda, mas ninguém sabe quem é. A CESL Asia corresponde a esse perfil: está permanentemente a ajudar quem vive e visita Macau, mas ninguém nota.

O grupo é constituído por três empresas, sendo duas responsáveis por um espectro tão alargado de serviços que é quase impossível enumerá-los ao pormenor. Entre os grandes resorts que modificaram a paisagem de Macau, por exemplo, a presença da empresa faz-se sentir na consultoria de aspectos relacionados com engenharia, arquitectura, design ou tecnologia e nessa expressão tão lata que ainda está por descobrir a tradução ideal em português: facilities management. Aqui cabe desde a manutenção de equipamentos até à criação dos sistemas mais eficazes de poupança energética. Tudo somado – se feito com excelência – resulta em ganhos acentuados para o ambiente. Logo, para o cliente, mas também para a cidade e para quem lá está. Os resorts, porém, não são os únicos clientes do grupo. A CESL Asia beneficia o aeroporto, trata águas residuais, ajuda a construir pontes, pensa nas melhores formas de erguer edifícios e mantê-los a funcionar sem mácula.

Ora com tanto palavreado angelical pode-se ficar a pensar numa instituição onde fazer o bem se sobrepõe ao desejo de lucro. Nada de confusões, a CESL Asia é uma empresa, os seus responsáveis não são anjinhos. Por outro lado, como em qualquer grande companhia, deus existe – o CEO chama-se António Trindade, um português que abraçou Macau há 30 anos. “O grupo está numa fase boa. Vivemos no presente, com as referências do passado e a olhar para o futuro. Temos desafios bastante grandes, mas positivos. Somos um grupo que vende serviços de alto valor acrescentado, num ambiente de grande concorrência pelos recursos existentes.”

O “deus” da CESL Asia não se identifica com tal epíteto. Ao longo da conversa com a revista MACAU fala da sua empresa como um “nós” que envolve todos os colaboradores, sublinhando que a riqueza do grupo é a capacidade dos seus recursos humanos. “A nossa empresa não vive do volume de negócios. A nossa empresa baseia-se nas pessoas.” E o dinheiro? “É lógico que a performance financeira é importante, mas é um reflexo da performance do nosso capital humano. Quanto mais pessoas temos a valorizarem-se, mais fortes somos. O conjunto das pessoas a fornecer um serviço é que constitui a nossa identidade. O chamado know-how, o capital que vai dormir a casa e não aos bancos.”

A pergunta imediata, dentro do contexto existente na RAEM de muita procura por mão-de-obra, é simples: como é que o grupo consegue manter os colaboradores? “Temos de fazer com que as pessoas queiram estar na empresa, sentindo-se confortáveis. E para isso têm de sentir que estão a valorizar-se. E isso nós damos. Fomos também das primeiras empresas em Macau que instituiu a responsabilidade social, que nós há dez anos já chamávamos, como agora, investimento social. Tem tudo a ver com as pessoas. Fazemos anualmente um jantar com os colaboradores e respectivas famílias, no melhor hotel de Macau, há 15 anos. São mais de mil pessoas, temos contacto com as famílias, eu, os meus sócios, toda a gente participa. A cultura da empresa é de grande abertura.”

As formações pagas são comuns e estimuladas pela administração. No que diz respeito aos salários e outras compensações pecuniárias, António Trindade afirma serem razoáveis. “Não pagamos só por decisão minha e dos administradores, pagamos porque estamos a distribuir de maneira equitativa e responsável o valor criado pela empresa. Para ter cá as pessoas hoje e mantê-las cá amanhã. Não obrigamos ninguém a pagar valores exorbitantes pelos nossos contractos. Temos é de criar os serviços de maneira a que sejam vantajosos para quem os quer comprar, num mercado de grande incerteza. Os salários que pagamos têm depois de reflectir esse processo bem feito.”

O sentimento de valorização, garante, é real, reforçado com exemplos de sucesso fáceis de ver por qualquer trabalhador – vários funcionários progrediram ao ponto de se tornarem sócios do grupo ou de uma das suas subsidiárias. “Eu próprio tive esse percurso. Não temos sócios investidores de capital, temos sócios executivos. Colaboradores que têm a sua carreira e, à medida que vão progredindo, tornam-se mais relevantes na carreira dos outros. Temos 12 administradores que eram funcionários, incluindo nove que começaram no grupo a trabalhar. Hoje têm uma compensação a nível de executivo de topo em qualquer parte do mundo.”

 

António Trindade

 

Sem medo da concorrência

Com o mercado de Macau ainda em franco crescimento, é normal que surja concorrência atraída pelas oportunidades de negócio. António Trindade mostra-se pouco preocupado. “O conhecimento é universal, mas a aplicação é local e personalizada. Esta empresa não foi feita agora, não se chega aqui e só porque apareceram os casinos e as oportunidades o sucesso é garantido. Pode-se adquirir conhecimento mais rápido do que experiência, o contrário é impossível.” Com 27 anos a laborar em Macau, a vantagem sobre os concorrentes é considerável. “Estamos estabelecidos, temos a nossa reputação. Podem vir novos grupos concorrer connosco, mas é preciso muita dedicação, os desafios são enormes. Financeiramente há empresas com muito mais capacidade do que nós, mas não é só isso que faz a diferença.”

O CEO da CESL Ásia diz-se consciente de operar num mercado de grande incerteza. Por isso, embora tranquilo sobre a concorrência, tem naturalmente preocupações. A estratégia de futuro está delineada e passa, sem surpresa depois de ouvi-lo retratar a cultura da empresa, pelas pessoas. “No imediato, queremos aumentar o valor do nosso capital humano. Podemos atrair pessoas, mas o essencial é desenvolver quem cá está. É necessário que as pessoas do grupo entre os 30 e os 40 anos consigam agarrar a oportunidade promovida pela empresa. É fundamental que desenvolvam a sua capacidade individual, mas também de grupo, ou seja, a capacidade de servir de exemplo, de atrair pessoas, de promover pessoas.”

A forma como a empresa trabalha está também a sofrer alterações. “Mesmo que haja mudanças radicais na indústria do jogo, provavelmente não tiram à CESL Asia a base para crescer em valor produzido, se estiver preparada. Estamos por isso a mudar, a fazer menos coisas de menor valor – por exemplo limpar filtros – e a concentrarmo-nos em trabalhos de muito valor. Devemos mudar com os tempos, mas sempre de forma sustentável.”

 

Macau como exemplo

O desenvolvimento da RAEM nos últimos anos não teve paralelo. Um progresso tão rápido, acompanhado pelo crescimento exponencial de habitantes e turistas na cidade, tem obviamente de afectar o ambiente. Não só no ar que se respira, mas acima de tudo no consumo de recursos. Em todas as suas linhas de serviços, a CESL Asia defende a sustentabilidade como um pressuposto de inteligência em vez de uma bandeira ecológica. Porque soluções verdes são, quando bem executadas, soluções lucrativas. “Quase todas as estruturas de Macau relacionadas com sustentabilidade estão ligadas à nossa empresa. E o mesmo na indústria do jogo. O ambiente começou por ser uma palavra da engenharia, depois da política, depois nos últimos 15 anos entrou no mainstream como uma área específica de negócio. Mas nós estamos noutra: o ambiente faz parte de fazer as coisas bem feitas. É eficiência. Utilizando uma expressão em inglês, diria ‘high value with high ethics’ [‘alto valor com ética elevada’]. Nos grandes resorts, o que fazemos é gestão energética. É usar 10 a 20 por cento menos energia para ter aquelas infra-estruturas a produzir o conforto necessário para as pessoas poderem lá estar a jogar, a dormir…”

Uma poupança aproveitada pelo cliente ou os custos aumentam, tornando a factura final maior? António Trindade defende ser um óptimo negócio. “O valor que produzimos é fácil de demonstrar ao cliente. O que poupa em dois ou três meses, no máximo, paga o que fazemos durante um ano. Isto tem que ver com a forma como estruturamos o serviço. Gerimos a central de incineração durante quase 20 anos, estamos no aeroporto desde seis meses antes de abrir, o mesmo no City of Dreams e no Galaxy, por aí fora. E renovamos os contractos. Por exemplo, o aeroporto de Macau, aberto há 20 anos, não teve um programa extraordinário de investimentos de grande vulto. É um caso único! O novo aeroporto de Hong Kong, que abriu em 1997, já mudou os chillers [máquinas de refrigeração] e os sistemas de lâmpadas na pista, entre outras coisas. Ou seja, a vida útil dos equipamentos é consequência da forma como são geridos. Temos programas sofisticadíssimos de gestão da vida dos recursos, que vão ao pormenor da análise de uma mudança de lâmpada, por exemplo.”

Segundo conta, o trabalho da empresa até já tornou Macau um caso de estudo. “Temos vários exemplos do sucesso da nossa estratégia. Macau foi o primeiro sítio na Ásia, fora do Japão, a ter uma central de incineração. Tornou-se um modelo, milhares de pessoas vieram visitá-la, até o último presidente da China esteve na central. A região foi também o primeiro sítio na Ásia – e um dos poucos no mundo – que teve a totalidade das águas residuais tratadas (pelo menos tratamento primário e secundário). Ajudámos a montar a estratégia, o conceito e a visão para fazê-lo. Não agimos sozinhos, mas tivemos uma parte importante em tudo. E outro exemplo: não há em parte alguma do mundo complexos de edifícios da dimensão e da intensidade de uso como aqui. City of Dreams, Galaxy, Venetian. Somos a única empresa em Macau que tomou conta destes complexos e os põe a funcionar da forma pretendida por quem os dirige. E há poucas empresas no mundo que conseguissem fazê-lo. Isto é de enorme complexidade e é feito por 70 por cento de pessoas de Macau.”

Com tanto êxito acumulado e uma sólida reputação, que permite ganhar contractos sem perder os já existentes, a CESL Asia poderia ter maior dimensão. Tem procura, falta-lhe a capacidade de resposta. Isso irá mudar? “Não se adquire de um dia para o outro. Não vou buscar mais gente e de repente posso ter mais um cliente. Demoramos dois a três anos a ganhar capacidade de ter pessoas formadas para fazer o serviço que queremos, com a eficácia necessária. As pessoas, como já disse, são o mais importante da nossa empresa.”

 

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Cronologia essencial da CESL Asia

1987   Criação da empresa

1988   Estabelecimento da CESL Asia – Investimentos e Serviços, Lda.

1992   Início de operações na Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau

1995   Facilities management no Aeroporto Internacional de Macau

1996   Início de operações na Estação de Tratamento de Águas Residuais da Taipa

1998   Participação na construção da Ponte Flor de Lótus

1998   Início de operações na Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane

1999   Liderança de operações no Centro Cultural de Macau

2002   Participação no arranque do Sands Macau

2004   Participação no arranque do Venetian Macau

2006   Participação no arranque do Sands Cotai Central

2007   Facilities management no Altira Macau

2009   Facilities management no City of Dreams

2010   Facilities management no Galaxy Macau

2011   Início de operações na Estação de Tratamento de Águas Residuais de Macau

2012   Início da construção das centrais energéticas CPV em Portugal

2013   Facilities management no Wynn Macau

 

 

Factos e números

CESL Asia – Investimentos e Serviços

O grupo tem três áreas de negócio (MPS, Ltd., Focus – F.M. Ltd. e Magpower Asia Ltd.) com uma capacidade de serviços gigantesca, cobrindo desde consultoria e soluções tecnológicas até tudo o que é possível imaginar na área de facilities management. O universo da marca é representado nos números abaixo, relativos a 2013.

 

Volume de negóciosMOP 368.000.000

Colaboradores                     Mais de 400

Colaboradores locais         Mais de 70%

Áreas de negócio                 3

 

 

Macau Professional Services, Ltd.

Consultoria em serviços de arquitectura, engenharia e planeamento.

 

Volume de negócios           MOP 104.000.000

Colaboradores                     100

Projectos de referência     Central de Incineração da Taipa, Universidade de São José, Venetian Macau, Estádio Olímpico de Macau, Ponte de Chongqjin, Ponte Flor de Lótus

 

 

Focus – Facilities Management Ltd.

Facilities management, gestão de infra-estruturas de energia (públicas e privadas) e serviços técnicos.

 

Volume de negócios           MOP 264.000.000

Colaboradores                     230

Projectos de referência     Central de Incineração, Aeroporto Internacional de Macau, City of Dreams, Wynn Macau, Galaxy Macau, Altira, Estações de Tratamento de Águas Residuais de Macau, Taipa e Coloane, Centro Cultural de Macau

 

 

Magpower Asia Ltd.

Em associação com a empresa tecnológica portuguesa Magpower, a CESL Ásia diversificou a sua actividade, investindo em novas energias e reciclagem de água. Na sequência disso, iniciou investimentos em centrais de produção de energia solar em Portugal. A Magpower Asia servirá de plataforma para estes investimentos e seu desenvolvimento.

 

Volume de investimentos                                    MOP 200.000.000

Volume previsto de novos investimentos         MOP 500.000.000

Centrais energéticas                                               3 (em Portugal)