“O Fórum tem de estar sempre a adaptar-se a novos desafios”

Angola é um colosso que ganha força a Oriente – dos países de língua portuguesa, só o Brasil tem mais trocas comerciais com a China. Joaquim Pereira da Gama, delegado angolano no Fórum Macau, diz haver muito por explorar na cooperação dos dois países, cuja relação comercial apelida de extremamente dinâmica

Joaquim da Gama

 

Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Os laços comerciais estabelecidos entre China e Angola são fortes e desenvolvem-se a bom ritmo. Joaquim Pereira da Gama, delegado daquele país africano no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), diz que a instituição trouxe vantagens para as relações entre os dois países, fazendo uma avaliação globalmente positiva. “O Fórum tem contribuído para o conhecimento mútuo das partes e o estreitamento das relações económicas. As reuniões ministeriais, assim como as reuniões regulares do Secretariado Permanente, mostram quão vantajoso é esse género de colaboração.”

Angola considera a China como parceiro estratégico, estando esta cooperação consagrada em acordo bilateral. O Fórum tem uma palavra a dizer? “As relações económicas entre a República Popular da China e Angola são extremamente dinâmicas. Um mecanismo complementar de cooperação, como é o caso do Fórum, tem de estar sempre a adaptar-se a novos desafios e realidades. No entanto, é preciso realçar que o Fórum tem participado na oferta de serviços, formação de quadros angolanos e na informação especializada.”

Segundo Gama, Angola quer encontrar no Fórum resposta para questões concretas. “Esperamos mais ajuda na promoção do ambiente de negócios em Angola, destacando as principais oportunidades que o país oferece. Desejamos também ter apoio em projectos e na formação permanente de técnicos angolanos dentro do nosso país, assim como atribuição de bolsas de curta e longa duração, incluindo mestrado e doutoramento.”

 

Mais intervenção

Embora os negócios entre os dois países estejam já muito enraizados no diálogo bilateral, não fica posta de parte a acção do Fórum como arma de estímulo comercial. Gama explica como isso acontecerá. “O Fórum também pode servir de catalisador dos mais variados programas e, enquanto intérprete da Lei de Investimento Privado, organizar em colaboração com as partes interessadas visitas mútuas, missões comerciais, conferências e outras formas de disseminação das oportunidades de negócio e das capacidades do empresariado angolano.”

Para o delegado, esta é uma das funções que mais justifica a existência em Macau do Fórum: promover esclarecimento e reflexão rigorosos sobre as realidades dos países de língua portuguesa, estimulando assim a cooperação e, por consequência, as trocas comerciais e a formação de quadros qualificados, que ajudarão depois a desenvolver os seus países.

Gama está optimista de que o Fórum consiga cumprir um papel mais interventivo no futuro, argumentando que houve dois factos recentes muito animadores. Primeiro, a aprovação em Novembro de 2013 do Estatuto Operacional do Secretariado Permanente. “Tem estado a garantir uma melhor dignificação de desempenho na implementação do Plano de Acção, dos programas de actividades e, consequentemente, na melhoria da coordenação funcional dentro do Secretariado Permanente do Fórum Macau, assim como na ligação com as Missões Diplomáticas em Pequim e com a Rede dos Pontos Focais, sediadas nas capitais.” O outro aspecto realçado é a operacionalização, feita a partir de 2013, do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa, no valor de mil milhões de dólares. Em relação a este ponto, faz apenas um reparo. “Dever-se-ia introduzir uma maior flexibilidade nas regras e critérios de acesso, que permitisse a adesão e melhores oportunidades às pequenas e médias empresas.”

No que diz respeito às prioridades actuais, o delegado conta que procura mobilizar apoios no Fórum para promoção nos mercados da China de produtos angolanos específicos. “Aqueles que podem contribuir para a diversificação da nossa pauta comercial, como granito, quartzo e mármores. Também fazem parte do mesmo pacote cobre, alumínio, ferro e seus derivados. Posso ainda adicionar a oferta de madeira, café e tabaco, além de crustáceos e demais produtos do mar.”

 

Joaquim da Gama

 

Paz e progresso

A caminho dos sete anos de convívio diário com a cultura chinesa, Joaquim Pereira da Gama afirma que as diferenças para a cultura do seu país sobressaem de imediato, muito mais do que as parecenças. Mas estas, claro, existem. “O que aproxima Angola e China é o mesmo apego à paz, à ordem, à harmonia social, o empenho no desenvolvimento e na industrialização, a aposta em retirar definitivamente da pobreza as nossas populações. Em termos mais complexos, quase filosóficos, encontro entre os chineses, especialmente aqui em Macau, a mesma relação utilitária que os angolanos têm com o sagrado e o religioso. Não faz mal de quem é o templo, quem é a divindade, se é sacerdote ou feiticeiro, desde que prometa ajudar e que se acredite mesmo que se recebe alguma ajuda. Sociologicamente, ainda encontro semelhança entre o culto chinês da família patriarcal e as nossas famílias extensas rurais, à sombra da sabedoria de um ancião.”

O contacto mais aprofundado e o acompanhamento da evolução recente do país que o acolheu deram-lhe também razões de admiração. “Aprecio na cultura e no quotidiano dos chineses o esforço, o trabalho, a saudável permanência de uma certa ideia solidária de socialismo: a atenção na redistribuição social, no combate à pobreza. As centenas de milhões de chineses que nestas últimas três décadas foram retirados da miséria representam a maior conquista da China de hoje.”

No que diz respeito a Macau, cruzamento privilegiado de identidades, a sua opinião altera-se. “É diferente. Nesta cidade de culturas paralelas, visita-se uma certa China antiga, ruas estreitas, casas de um andar, bulício comercial, uma certa ideia de capitalismo popular, comercial, urbano. Aprecio naturalmente em Macau também estas lusofonias que se foram instalando, misturando, adaptando e transformando: falar em português, ler jornais, ouvir rádio e ver televisão em português, ter acesso a escolas em português, à alimentação e a outros produtos que nos fazem sentir mais perto de casa, quando efectivamente estamos muito longe. Este é, apesar dos e-mails e de tantas redes sociais, um dos grandes problemas: a distância. E é a distância, que se mede em economia, em transportes e em logística, um dos maiores desafios para a internacionalização da economia angolana. Um desafio que todos os dias procuramos enfrentar também aqui em Macau.”

 

 

Projectos realizados pela China em Angola

 

Habitação

Centralidades habitacionais de Kilamba e Cacuaco

 

Desporto

Estádios de futebol construídos no âmbito do Campeonato Africano das Nações de 2010: Luanda, Benguela, Cabinda e Lubango

 

Transportes

Novo aeroporto de Luanda (em curso), renovação dos aeroportos de Lubango, Benguela e Namibe, caminhos de ferro de Luanda/Malange e Benguela/Luena

 

Saúde

Hospital Geral de Luanda (projecto de construção em fase de acabamento)

 

Educação

Escola de amizade Angola-China (Cidade do Huambo)

 

 

 

Onde estão os investimentos

 

Quais os investimentos mais importantes da China em Angola?

Não existe no meu país um investimento público ou privado de origem na República Popular da China, mas sim na base de acordos de cooperação bilaterais (Parceria Estratégica). Foram mobilizados alguns recursos, que Angola direccionou para a reconstrução nacional, ou seja, investimentos na recuperação/construção de infra-estruturas e noutros sectores, com a participação de empresas, trabalhadores e equipamentos chineses. Em suma, temos relações comerciais baseadas nos princípios mútuos, internacionalmente aceites e vantajosas para ambas as partes. Nos últimos tempos, fruto das óptimas relações de amizade e das oportunidades de negócio que o país oferece, temos assistido a diligências empresariais, visando a implementação de projectos de investimento, assim como em determinados eventos a presença de artistas e outras personalidades ligadas à cultura chinesa. Neste momento está também em discussão a abertura do Instituto Confúcio em Angola.

 

Quais só foram possíveis devido à existência do Fórum?

O Fórum ainda não teve participação nos investimentos implementados. O nosso interesse consiste em que jogue o papel de mecanismo complementar de cooperação, concorrendo na realização de projectos e na formação contínua de recursos humanos. É importante que estes quadros surjam num futuro próximo, para poderem participar o mais rapidamente possível na diversificação económica de Angola e, consequentemente, no seu desenvolvimento económico e social sustentado.

 

Angola tem investido na China?

Ainda não existem investimentos significativos. Acima de tudo será necessário que se faça um estudo profundo sobre como, quando e até quanto se pode investir na China, para que a intenção saia do papel e que dê fruto para os intervenientes. Outro aspecto importante é gerar parcerias entre empresas angolanas e chinesas que apostam na exploração dos recursos naturais primários, diversificados e invejáveis em volume.

 

Joaquim da Gama

 

Dinamizador comercial

Joaquim Pereira da Gama formou-se em Direito Internacional. Após alguns anos de actividade docente, chegou ao Ministério do Comércio de Angola, em 1997, como técnico-superior no Gabinete de Intercâmbio Internacional. Em 2002, foi nomeado Chefe de Departamento para a Cooperação Comercial Bilateral desse gabinete, integrando inúmeras missões do Ministério do Comércio. Nesse período fez também várias formações, com destaque para dois cursos sobre Política Comercial: um na Organização Mundial do Comércio, em Genebra, e outro com chancela da União Europeia, dirigido aos países de língua portuguesa e realizado em Luanda. Em 2003, na altura do arranque do Fórum Macau, esteve no grupo técnico representando o Ministério do Comércio de Angola, tendo nos anos seguintes participado noutras actividades do Fórum. Em 2008, é nomeado como Delegado Comercial de Angola na RAEM e junto ao Secretariado Permanente do Fórum. “Apesar de estar há quase seis anos nestas funções, sinto que o tempo decorrido é ainda muito curto para promover devidamente Angola nesta região. Mesmo reconhecendo que, a nível dos países de língua portuguesa, Angola e Brasil são mais conhecidos na República Popular da China, as novas realidades económicas do meu país permanecem quase desconhecidas. Acresce que o trabalho de construir contactos e amizades com empresários da China e, em particular, de Macau, obedece rigorosamente à célebre ideia da ‘paciência chinesa’. É preciso aparecer e frequentar os círculos por muito mais tempo, para passar a mensagem que inverta o cenário de Angola ser ainda vista na China como um país importador, em vez daquilo que é: um país com condições para diversificar a economia e intensificar os níveis de produção.”