Conservas portuguesas conquistam o Delta

Favorita entre os chineses, a Porthos conta mais de 1,3 milhões de latas de conservas de peixe vendidas em 2013 nas regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong. Mas “O Velhote”, como é conhecida nas regiões, é seguido de perto pela Ramirez. Cada conserveira puxa a brasa à sua sardinha mas latas não faltam para conquistar toda a China

Humberto Rodrigues

 

Texto Patrícia Lemos | Fotos Paulo Cordeiro

Em Portugal

 

 

Não se sabe muito bem quando é que as conservas de peixe portuguesas deram à costa de Macau, nem se a primeira mercadoria tinha o selo da Ramirez ou da Porthos. As opiniões dividem-se, mas certo é que nunca mais deixaram de chegar. As marcas portuguesas cada vez vendem mais e são sobretudo os chineses a comprá-las, assegura Humberto Rodrigues, director-geral da Rodrigues Sucessores, a empresa que distribui a Porthos em Macau desde o primeiro minuto, há cerca de 80 anos.

Já o vice-presidente da Ramirez, Manuel Ramirez, acredita que as primeiras latas com a marca da sua empresa tenham chegado a Macau bem antes disso, “algures no final do século XIX, altura em que vendíamos para o Brasil, Itália e antigas colónias portuguesas”. Com um histórico de exportação centenário, a Ramirez começou por satisfazer o mercado da saudade e Macau estaria certamente incluído, afiança. Hoje em dia, vende três marcas em Hong Kong e Macau: Ramirez, The Queen of the Coast e Cocagne.

Nos últimos anos, a caixinha de surpresas da RAEM fez-se trampolim de produtos lusófonos para a Ásia. E os olhos da Ramirez abriram-se mais para esta plataforma comercial. “Serve de montra para a China”, afirma um confiante Manuel Ramirez. Na mesma expectativa está Marilúcia Faustino, directora-geral da Conservas Portugal Norte, que exporta a famosa Porthos para Macau e Hong Kong e se prepara para expandir o negócio para toda a China [ver caixa].

 

250214_PC_8689

 

“O Velhote” ao virar da esquina

Marilúcia Faustino nasceu no Brasil mas tudo o que herdou é português, do sangue ao trono da Conservas Portugal Norte, o bastião da família há 25 anos. Antes disso, eram os ascendentes de José Nero que faziam embarcar as latas do mosqueteiro para o Oriente. Quando os Faustinos compraram a empresa, Macau era um mercado “desaproveitado”, mas era também “um dos negócios fortes da conserveira”, admite Marilúcia. O director comercial da empresa, Cláudio Ribeiro, recorda que apenas se vendiam as sardinhas em azeite e com picante, ou seja a lata amarela e a vermelha da linha Porthos Asia. A conserveira inseriu novos produtos e “o negócio foi crescendo, também por causa das nossas visitas constantes”, garante Ribeiro.

Hoje em dia, seguem para Macau e Hong Kong entre 14 e 15 contentores por ano. Vendeu cerca de 1,35 milhões de latas em 2013 e prevê que o valor suba para 1,8 milhões em 2014. “Trata-se de um crescimento que rondará os 35 por cento”, sublinha Ribeiro. É tal a notoriedade dos enlatados da Conservas Portugal Norte que Ribeiro as inclui no catálogo do turismo gastronómico da região, porque “somos um produto português de Macau”. Os visitantes da China e de Hong Kong associam a marca Porthos à região e aproveitam sempre a viagem para comprar algumas latas. Também por serem mais baratas em Macau, admite Rodrigues, explicando que os intermediários acabam por encarecer o produto.

O mesmo não acontece com a Ramirez em Hong Kong, porque é distribuída directamente. Aí os seus preços são mais competitivos do que os da Porthos, assegura Gonçalo Frey-Ramos, o responsável da Ramirez pela Ásia. É muito provável que esta conserveira acabe com a coroa de louros da Porthos em Hong Kong. Afinal, só em 2013 “vendeu acima de dez contentores nas duas regiões”, com tendência para crescer este ano, sobretudo em Hong Kong, garante Frey-Ramos.

Apesar de terem começado por matar as saudades dos portugueses ultramarinos e de agradar aos macaenses sedentos de artigos de Portugal, hoje em dia a Porthos é sobretudo consumida pelos chineses de Macau. Conhecem-na como “Marca Portuguesa o Velhote” (葡國老人牌). Ribeiro acredita que a conserva entre na ementa familiar desde o tempo do avô. Inclusivamente, revela que há quem vá de férias a Portugal e peça para visitar a fábrica de Matosinhos. Alguns até ligam a perguntar onde podem comprar Porthos. Isto porque não é de facto fácil encontrar esta linha asiática em Portugal.

Para o director comercial, é “difícil querer crescer mais em Macau”: “Estamos em todo o lado, em qualquer supermercado ou lojinha de rua”. É impossível virar a esquina e não dar de caras com ‘O Velhote’”. Após a fidelização do mercado, agora é importante “lembrar às novas gerações de residentes e de visitantes de Macau que devem continuar a consumir Porthos”.

Mas com mais marcas de conservas de sardinhas de Portugal nos escaparates de Macau, porque será que a Porthos é líder, afinal todas apostam na mesma espécie de sardinha? Humberto Rodrigues atribui à longevidade da marca na região a razão do sucesso, dizendo ainda que este é também o fruto do investimento que em tempos foi feito na promoção. Porque não basta ir ao rio com a intenção de pescar, também é preciso levar a rede.

 

Conserveira Ramirez. Paulo Cordeiro/Revista Macau

 

Conservas com segredos picantes

Mas o grande segredo talvez esteja nos ingredientes da Porthos, sobretudo a da lata vermelha, a favorita dos chineses, onde se inclui cravinho e piripiri. “Eles gostam muito de peixe. Esta marca tem um sabor característico que a distingue das demais”, sublinha Rodrigues, que ainda revela: “Os chineses gostam de acompanhar as sardinhas com as suas massas e no pão”. A vender cerca de 800 mil unidades por ano em Macau, a lata vermelha é sem dúvida a mais popular da linha multicolor.

A preparação do peixe é feita com base em estudos científicos. “Temos um laboratório onde testamos receitas para criar novos produtos, estamos ligados a universidades e institutos nacionais, mas muito vem da experiência. Por exemplo, sabemos que o chinês gosta de associar o peixe a leguminosas” garante Ribeiro, que deixa no ar a ideia dum novo produto na forja.

A Ramirez também conhece o gosto dos chineses pelo picante e, como “cada cliente é único”, a directora do Controlo de Qualidade da empresa, Fátima Barata, adianta que, na preparação das receitas de conservas para a China, nas experiências realizadas em laboratório “há um cuidado adicional, quer nas malaguetas usadas, quer na colocação de aromas que intensifiquem o picante”. São depois preparadas amostras para apreciação do cliente e, conforme os comentários a receita evolui.

Manuel Ramirez acrescenta que nas latas para o Sul da China “costumamos pôr dois piripiris e reforçar com molho picante para ir ao encontro das preferências”. Mas para a zona de Xangai ou Pequim já não é pedido que a conserva tenha um picante tão activo. Apesar do cuidado com o piripiri e da preferência indiscutível dos chineses, a lata de sardinha em óleo vegetal da Ramirez é a campeã de vendas da conserveira em Macau e Hong Kong.

 

Atum a reboque da sardinha

Se as sardinhas são um sucesso nas RAE, o mesmo não se pode dizer das conservas de atum de Portugal que não têm sido competitivas até à data. Concorrer com os gigantes mais baratos da Tailândia não é fácil, apesar da qualidade estar do lado de Portugal, concordam conserveiros e distribuidores. Enquanto os vizinhos asiáticos processam várias espécies de atum, a Conservas Portugal Norte só compra o atum-bonito – de nome científico Katsuwonus pelamis, esta espécie forma grandes cardumes e também é muito apreciada pelos japoneses.

As duas conserveiras de Matosinhos estão empenhadas em destronar os tailandeses e têm estratégias diferentes para o conseguir. A Ramirez optou por vender o atum acompanhado aos orientais. Nos escaparates de Hong Kong, as saladas de atum, com milho e feijão e com maionese, batata e ervilha são refeições pré-preparadas e, segundo Frey-Ramos, estão a ter saída. Manuel Ramirez garante que vai apostar cada vez mais neste tipo de produtos. E até já estão a ser elaboradas novas receitas.

Com a mesma fé na qualidade do seu atum, a Conservas Portugal Norte não foi muito longe para vender o seu peixe: deu apenas cor dourada às latas da linha Porthos Asia e lançou o atum no mercado. A decisão está a dar frutos. Lançada na Primavera, essa conserva vende cada vez mais, garante Humberto Rodrigues, explicando que a nova imagem provou ser bem mais apelativa do que a antecessora embalagem de cartão que envolvia a lata de atum. Agora só falta introduzi-la no Interior do País, como está nos planos.

A imagem da linha Porthos Asia não têm mudado muito com o tempo. Marilúcia Faustino explica que, em mercados como o de Macau, “caso se altere alguma coisa, os consumidores pensam que o produto não é o original”. Já as latas da linha europeia apresentam um mosqueteiro rejuvenescido. Esta gama está representada em Macau pelo bacalhau, naquele que é um produto mais direccionado para o mercado da saudade. Talvez não seja má ideia poupar o semblante da Porthos Asia de operações de cosmética. Afinal, é conhecido entre os seus maiores apreciadores como “O Velhote”.

 

Conservas

 

Ásia para que te quero

Com vendas tão expressivas em Macau e Hong Kong não admira que a Conservas Portugal Norte e a Ramirez ambicionem uma presença maior na China. “É um dos nossos principais mercados”, enfatiza Cláudio Ribeiro, director comercial da Conservas Portugal Norte, que até está a aprender mandarim. A conserveira, que vende a linha Porthos Asia, exporta directamente para o Sul da China, sobretudo para a Província de Guangdong. Pretende expandir-se de sul para norte, revela Ribeiro.

Apesar de não saber ao certo quantas latas da Porthos Asia são vendidas actualmente na China, o mesmo responsável afirma que, “nos últimos cinco anos, o crescimento de vendas para o sul daquele país tem oscilado entre os 18 e os 30 por cento”. E garante que, em 2012, a sua empresa representou cerca de 80 por cento da exportação das conservas portuguesas para Macau e 85 por cento das mesmas para Hong Kong.

O maior concorrente da Conservas Portugal Norte no Oriente é a Ramirez. Tem apresentado bons resultados, particularmente nos últimos dois anos, garante o vice-presidente da empresa, Manuel Ramirez. É em Hong Kong que mais tem escalado, ameaçando mesmo roubar os louros à Porthos. Aí a principal estratégia “passa pela implementação e consolidação da marca no mercado”, garante o responsável da Ramirez pela Ásia, Gonçalo Frey-Ramos, que tem ainda uma carta gourmet na manga, ou melhor o grande trunfo da marca Cocagne, líder na Bélgica nas conservas de sardinha e cavala. Em breve essa gama “será reforçada”, revela o representante, que também dá importância a esta linha no Interior do País.

Como a Conservas Portugal Norte, também a Ramirez está de olho na China. Para Pequim seguiram há pouco tempo os primeiros contentores, refere Frey-Ramos com orgulho, adiantando que agora “a estratégia passa por determinar quais os parceiros mais indicados para estar presente noutras regiões, consolidarmos as vendas já existentes e ainda implementarmos as nossas outras marcas”.

Mas a investida na China não é fácil. “É um mercado bastante complexo”, avisa Humberto Rodrigues, reconhecendo que ainda assim os empresários portugueses devem aproveitar as oportunidades que existem no sector alimentar. Mas deixa o recado: “Sem marketing, nada se venderá. Também não vale a pena participar nas feiras sem dar seguimento a esse trabalho. É um desperdício de dinheiro”.

Não é só o Império do Meio que está na mira das conserveiras, a Ásia também é um objectivo. A marca Tomé da Ramirez é líder nas Filipinas e a Conservas Portugal Norte entrou há dois anos nesse mercado com a linha Porthos Asia, adianta Ribeiro, que lança para a mesa os números do sucesso: “Em 2013, representámos 55 por cento das exportações portuguesas para esse país”. É um crescimento gradual baseado em parcerias com empresas dos países que lhes interessam, porque “não gostamos de dar passos maiores do que as pernas, por isso estamos cá há tantos anos”.